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Universidade Federal de Goiás
Inova

INOVA

Em 29/09/22 12:25. Atualizada em 04/01/23 13:45.

É possível haver Promoção da Diversidade Cultural pela Propriedade Intelectual?

Tatiana Ertner

Quando pensamos em um mundo globalizado, cujo desenvolvimento se baseia em ações internacionalizadas, logo nos vem à mente as facilidades de comunicação, de acesso à informação,  de trocas culturais, trocas comerciais  e do desenvolvimento tecnológico que elas rapidamente iniciam. Há, portanto, a percepção de que se ganha muito com a internacionalização, mas raramente se pensa no que se perde.

E, então, eu pergunto: o que se perde com a internacionalização? 

A resposta não é óbvia e pode ser bastante controversa. Quem apontaria prejuízos em um processo que é incentivado de maneira geral, no mundo todo? 

Mesmo assim, é preciso que uma avaliação rigorosa sa faça sobre as mudanças que a internacionalização representa para um povo, uma nação, para que se tenha  a real dimensão do custo e se determine se é possível arcar com ele. 

O maior impacto da internacionalização se dá principalmente sobre a cultura de um povo. A internacionalização, com o compartilhamento de informações, produtos, saberes, certamente tem um impacto na diversidade cultural, resta avaliar se o impacto é positivo ou negativo.

Quando consideramos a diversidade cultural, devemos entender que ela se baseia principalmente em aspectos e práticas que remetem à tradição. Numa sociedade, o conhecimento tradicional é passado aos descendentes por meio da repetição, ensinada, muitas vezes, de forma não fixada, pelo boca a boca, pela demonstração. Ela é trasnmitida de forma socializada que contribui para a perpetuação do conhecimento. Remete, portanto, à universalidade.

A diversidade cultural, então, pode se aproximar da propriedade intelectual quando alguma fragilidade é percebida. Ela ocorre quando se percebe a necessidade do fortalecimento da diversidade cultural, que se dá por meio da proteção adequada, trazendo o reconhecimento das habilidades de uma determinada sociedade, incentivando outros membros dessa sociedade a se interessarem pelos produtos advindos da sua cultura, também como uma forma de preservação por meio da transmissão à descendência.

A propriedade intelectual, por sua vez, é entendida com base em aspectos diferentes da diversidade cultural e elas precisam ser entendidas para que se possa compreeder se a propriedade intelectual de fato promove ou trava a diversidade cultural.

A propriedade intelectual lida com a novidade, se interessa por entregar inovação: novidades que possam ser comercializadas. Para ser reconhecida, ela precisa ser claramente fixada. Atribui direitos individuais, ou seja, à pessoa do criador, confere a ele um direito de exploração individual, mas por um tempo limitado. Ela, portanto,  se refere à individualidade. Pode-se dizer, então, que a propriedade intelectual é a forma individual de existência da expressão cultural, enquanto a diversidade cultural é a propriedade intelectual generalizada.

Nessas características, podemos entender que a propriedade intelectual se suporta na competição de mercado, que pode levar à prosperidade de mercado, baseado na riqueza dos produtos que são comercializados. Isso pode também resultar em prosperidade cultural, uma vez que promove o fluxo e as trocas entre diferentes culturas. É o que ocorre, por exemplo, com os elementos tradicionais que enriquecem os filmes e musicais da Disney©, protegidos por direito de autor, ou quando se reconhece a origem cultural de certos produtos, como as castanholas espanholas, os kilts escoceses, os lederhosen bávaros ou os saris indianos. A prosperidade cultural é, portanto, promovida pelo fluxo do saber entre culturas distintas, e que resultaram no respeito e no reconhecimento desses saberes como pertencentes àquele grupo.

Além disso, somennte pela troca é que o valor da diversidade cultural é refletido. Isso comprova-se pelo fato de que culturas fechadas não se tornam fonte de diversidade e, ao contrário, são arriscadas à extinção. Não se pode esquecer que uma cultura está em constante mudança, por muitos autores é compreendida como um sistema vivo e, dependendo do poder das impressões que causam as mudanças, compreende-se que uma cultura pode morrer.

Coluna INOVA
(Fontes das imagens: https://www.magazine-hd.com/apps/wp/men-in-kilts-estreia-tvcine/  ;

https://pt.wikipedia.org/wiki/Lederhosen)

Como a propriedade intelectual constantemente incentiva a criação, ela também contribui para o enriquecimento da expressão cultural de um povo. Ou pode modificá-la de modo a causar a perda de suas características.  Ainda, como a propriedade intelectual representa um monopólio de exploração de seu criador, sujeito ao sistema da livre concorrência, ele pode mudar para um monopólio cultural, destruindo, assim, a diversidade. O que levará ou à promoção da diversidade cultural ou à sua extinção nesse desejado mundo globalizado, na verdade, é o conhecimento e a adequada aplicação dos direitos de propriedade intelectual. As regulamentações para colocá-la em prática, portanto, necessitam ser abrangentes o suficiente para serem aplicadas por todos os países que buscam internacionalização e restritas o suficiente para considerar as peculiaridades culturais de cada povo envolvido. 

Não é tarefa fácil, esse assunto vem sendo discutido desde 1945 com a criação da UNESCO, tendo se intensificado com a publicação do TRIPS (Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio) em 1995, envolvendo diversos organismos multilateriais, com visões distintas. Entre eles, a UNESCO  que busca a promoção do patrimônio para garantir manutenção às gerações futuras (com foco humanístico); a OMPI que visa definir a autoria e formas de ressarcir o uso inadequado da criatividade cultural (foco na exploração comercial) e a Convenção para a Diversidade Biológica (CDB ) que busca garantir o respeito às comunidades tradicionais, por meio do direito à divisão equitativa dos benefícios oriundos da utilização da cultura tradicional (foco na comunidade). 

Em 2005, um avanço nos debates instituiu a proteção Sui Generis, a ser aplicada por cada país, considerando sua diversidade cultural, genética, étnica e biológica.  Durante a Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas, a COP-8, acordou-se que se deve “instar os Governos a elaborar e adotar modelos sui generis nacionais e locais para a proteção dos conhecimentos, inovações e práticas tradicionais, com a participação plena e efetiva das comunidades indígenas e locais” e durante a Convenção Sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais da UNESCO, os países afirmaram que a diversidade cultural é uma característica essencial da humanidade, constituindo, em si, um patrimônio que deve ser valorado e preservado. Dessas discussões, resultou que a cultura em si deve ser incorporada nas políticas nacionais e internacionais de desenvolvimento como elemento estratégico, como uma forma de assegurar, também, sua proteção.

Com isso, é fato que a propriedade intelectual tem a habilidade nata de interferir na diversidade cultural, nos resta agora cuidar para que essa interferência seja positiva, buscando a diversidade cultural e o respeito, principalmente, à vida e à humanidade, nosso maior bem.

*Tatiana Duque Martins Ertner de Almeida é professora do Instituto de Química, presidente da Comitê Interno de Internacionalização do IQ, mantém linhas de pesquisa sobre propriedade intelectual, projetos de extensão de PI no ensino básico e coordena o curso de especialização em Propriedade Industrial da UFG

 

O Jornal UFG não endossa as opiniões dos artigos e colunas, de inteira responsabilidade de seus autores.

Fonte: Secom UFG

Categorias: colunistas