Pesquisa da UFG cria oficina para estimular pensamento crítico em comunidades vulneráveis
Metodologia inclui material pedagógico e um jogo ao estilo RPG
Carolina Melo
Quais são as principais fontes de informações das comunidades vulneráveis de Goiânia? De que forma os sujeitos que estão à margem da sociedade dão credibilidade à informação? É possível contribuir para a construção do pensamento crítico dessas pessoas? A Universidade Federal de Goiás (UFG) em parceria com a Heriot-Watt University em Edimburgo, Escócia, direcionou-se a pensar sobre isso e, ao longo de uma pesquisa que durou dois anos, criou uma metodologia para o desenvolvimento do pensamento crítico em comunidades carentes. A estratégia comunicativa desenvolvida pelos pesquisadores inclui oficina, produção de um caderno de exercícios e a criação de um jogo.
A pesquisa focou em três públicos distintos da capital goiana: pessoas em situação de rua, moradores de favela e catadores de materiais recicláveis. A aproximação com as pessoas que participaram do estudo ocorreu na Praça Coronel Joaquim Lúcio e na Casa de Acolhida Cidadã, ambas localizadas no bairro de Campinas, no setor Buena Vista, na saída de Goiânia, na região da Vila Lobó, que fica ao lado do Serra Dourada, e na sede da Cooperativa de Catadores de Material Reciclável “Reciclamos e Amamos o Meio Ambiente” (Cooper Rama). O primeiro passo da pesquisa foi entrar em contato com os líderes comunitários para ganhar a confiança da comunidade. Dessa forma, a parceria foi estabelecida com três entidades: Associação Tio Cleobaldo, Central Única das Favelas (Cufa) e a Central das Cooperativas de Trabalho dos Catadores de Materiais Recicláveis Unidos Somos Mais Fortes (Uniforte).
De acordo com a pesquisadora e professora da Faculdade de Comunicação e Informação (FIC) da UFG, Geisa Müller, o estudo se baseou na Ciência Cidadã, portanto, inicialmente os pesquisadores foram entender a realidade e a demanda do público-alvo com a ajuda dos líderes comunitários, que também contribuíram para pensar as estratégias comunicativas locais a serem utilizadas. “Se a gente não tivesse incluído os líderes também como pesquisadores, com certeza o impacto do projeto seria menor. Eles nos retornaram, inclusive, sobre a linguagem adequada a ser utilizada. Eles, enquanto parceiros e ‘pesquisadores locais’ foram fundamentais”, conta.
A pesquisa, então, desenvolveu uma metodologia para estimular o pensamento crítico em comunidades vulneráveis. Foram desenvolvidas as dinâmicas da oficina e o material pedagógico com base na realidade do público-alvo, que inclui um caderno de exercícios e um jogo educativo. O tipo de jogo escolhido para a atividade foi do gênero RPG de interpretação de papéis, com elementos de jogos de tabuleiro com cartas sobre o folclore brasileiro. Antes da produção do material pedagógico, no entanto, houve a formação dos “pesquisadores locais” por meio da alfabetização científica dos líderes comunitários.
O resultado final foi a aplicação disso tudo, afirma a pesquisadora Geisa Müller. Ou seja, a apropriação do público-alvo de estratégias críticas para analisar as informações que cotidianamente recebem. “A ideia foi a de levar para essas comunidades uma maior consciência crítica em relação à necessidade de avaliação das informações que recebem e que compartilham. Conseguimos, ao menos, fazer com que refletissem sobre a necessidade de se pensar sobre as tomadas de decisões. Para saber se a experiência foi efetiva ou não, seria necessária outra pesquisa. Mas, com certeza, foi lançado ali um despertar para a consciência crítica”.
Fontes de informação
Ao todo, foram 64 participantes da pesquisa, 20 pessoas da Cooper Rama, 19 pessoas em situação de rua na Praça Joaquim Lúcio, 16 no setor Buena Vista e Vila Lobó. Inicialmente, foi realizado o diagnóstico do público-alvo da pesquisa, com base em entrevistas semi-estruturadas, que contribuíram para a estruturação das oficinas e elaboração do jogo. “Num primeiro momento, fomos observar as pessoas e entrevistar, aprender sobre os participantes, construir confiança. Foram nessas ocasiões que construímos o diagnóstico de como elas acessam as informações, quais meios de comunicação utilizam, se conhecem as autoridades nacionais, por exemplo. Nós não criamos os materiais pedagógicos da nossa cabeça, foi a partir das informações que coletamos”, explica Geisa Müller.
Com a coleta de dados, os pesquisadores perceberam alguns padrões em relação a como as pessoas em situação de rua, os moradores de favela e catadores de materiais recicláveis têm acesso às informações. Com perfil diferente, o levantamento apontou que, especialmente para as pessoas que vivem em vulnerabilidade nas ruas, a informação simplesmente não chega. “Como elas se informam? Pelo que escutam na rua ou quando eventualmente pescam alguma informação nas televisões do comércio. Quando a pandemia chegou, por exemplo, foi uma loucura, eles não sabiam o que estava ocorrendo e, de repente, começaram a ver poucos carros nas ruas, e de vidros fechados”, conta a pesquisadora.
Já em relação aos moradores de favela e aos catadores, o consumo e a credibilidade da informação ocorre principalmente por meio da televisão e telejornais. Para esse público, as redes sociais são tidas como entretenimento. “Eles recebem e compartilham informações pelas redes, mas têm noção de que não se pode confiar”, afirma a pesquisadora. Depois da televisão, a família é a maior fonte de confiança para os moradores da Vila Lobó, Buena Vista e trabalhadores da Cooper Rama.
Uma observação considerada interessante pelo estudo foi o fato de os moradores do Buena Vista, ao terem acesso a uma notícia por telejornal, conversarem entre os vizinhos para verificar a confiabilidade da informação. Já na cooperativa, alguns catadores desenvolveram uma técnica de avaliação das informações, que consiste em observar a mesma notícia em três canais de telejornal. “Caso um deles fale um pouco diferente sobre o mesmo assunto, eles já entendem que a informação ali tem uma intenção maliciosa”, conta Geisa. Mas, no geral, os
participantes não tinham a prática de verificar se a informação era verdadeira ou falsa. “Um ou outro que possui esse costume”.
A pesquisa, que teve início em novembro de 2020 e duração de dois anos, foi financiada pelo AHRC/GCRF e o projeto combina a experiência de equipes da Heriot-Watt University em Edimburgo, Escócia, e da Universidade Federal de Goiás (UFG). Coordenado pela professora Claudia V. Angelelli, da Universidade de Heriot-Watt, o estudo contou com a participação dos pesquisadores da UFG, Geisa Müller e Maico Roris Severino, respectivamente, da Faculdade de Comunicação e Informação (FIC) e da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT).
Mais informações:
Acesse o site de divulgação da pesquisa
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