Ações de inclusão da UFG e a luta por uma universidade plural
Conheça os programas e comissões que contribuem com a inclusão, entrada e permanência de estudantes
Eduardo Borges
“Se não fosse por elas eu não estaria na faculdade. Acredito que isso resume tudo”. Essa foi a resposta da estudante do sexto período do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Goiás (UFG), Jarliane Guajajara Santos, ao ser indagada sobre a importância das ações de inclusão. Jarli, como gosta de ser chamada, é uma mulher indígena que recebe a Bolsa Permanência e, assim como diversos estudantes, depende desses programas de inclusão e permanência para dar continuidade a sua formação.
“Além de a UFG dar a oportunidade de ingressarmos, é importante que ela viabilize a permanência dos estudantes mais vulneráveis dentro do câmpus, e é isso que as bolsas proporcionam. Sem elas, jamais teríamos um câmpus diverso, composto por várias raças e nacionalidades. Só se faz igualdade em lugares onde todas as pessoas possam ser incluídas, e aí está para mim a importância desse incentivo aos estudos de pessoas de maior vulnerabilidade social”, afirma Jarli.
Por ser da área da Comunicação, a estudante defende que essas ações devem ser difundidas para além dos limites acadêmicos, fazendo com que a sociedade enxergue a importância da continuidade e renovação de tais programas. O pensamento de Jarli se liga ao da estudante do oitavo período do curso de Farmácia da UFG, Beatriz Soares da Silva. A futura farmacêutica é quilombola da comunidade Levantado, do município de Jaciara, Goiás, e defende que os programas oferecidos pela UFG, como a bolsa alimentação, contribuem com a estabilidade financeira, mas também emocional.
“Ser atendida hoje pela alimentação integral no Restaurante Universitário (RU) é muito importante porque uma das minhas maiores preocupações quando entrei na universidade era como eu ia fazer para me alimentar, pois sabemos que não é algo barato. Ser contemplada com essa bolsa me deixou mais tranquila para que eu pudesse focar no meu objetivo que é participar das aulas, tendo uma alimentação correta. Isso me deixa despreocupada, porque sei que não vou ficar com fome e não vou perder o foco”, relata Beatriz.
Permanência
Ambas as bolsas que Jarli e Beatriz recebem são geridas pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE), que tem justamente a missão de oferecer apoio para a permanência de pessoas de baixa renda na universidade. A PRAE também atua com os projetos Acolhe UFG e Bolsa Canguru, que respectivamente tratam de repasses financeiros para estudantes ingressantes e mães com filhos menores de cinco anos de idade. A primeira com o valor de R$500,00 durante no máximo 5 meses e a segunda com R$300,00 para estudantes com um filho, R$400,00 com dois e R$500,00 com três ou mais. Já o Programa de Moradia Estudantil (PME), atende estudantes de graduação presencial que vêm de cidades fora da Região Metropolitana de Goiânia ou outros estados.
Para isso, existem duas formas, sendo a primeira com a chamada Bolsa Moradia, que consiste no repasse financeiro mensal no valor de R$700,00 para 400 estudantes. A segunda modalidade é com oferecimento de 307 vagas em uma das cinco Casa de Estudantes Universitários (CEUs), localizadas no Campus Samambaia, Setor Leste Universitário e Alameda Flamboyant, todas em Goiânia. Quem é contemplado por essa modalidade divide um quarto com mais duas pessoas, sendo a cozinha, banheiro e sala de estudos de uso comum. Além disso, cada morador pode receber a Bolsa CEU, no valor de R$500,00, não tendo despesas com água, energia, gás e internet. Para se inscrever, é preciso que o estudante fique atento à abertura de edital específico que é divulgado no site da PRAE (prae.ufg.br).
Em 2022, a PRAE instituiu o Programa de Atendimento Especial a Estudantes Indígenas e Quilombolas (PAEIQ). A coordenadora administrativa da Diretoria de Ações Afirmativas da Secretaria de Inclusão (SIN), Liliene Rabelo dos Santos, conta que a nova ação é fruto de uma parceria com a Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) e a SIN, contemplando estudantes que não são atendidos pela Bolsa Permanência e que entraram na universidade por meio do programa UFGInclui.
“O discente indígena ou quilombola vinculado ao UFGInclui procura a Prae e é direcionado para a SIN. Essa parceria foi pensada para que houvesse um maior controle sobre as questões pedagógicas, porque não podemos enxergar a permanência simplesmente como uma questão financeira, pois é necessário um acompanhamento. Ninguém faz nada sozinho, dessa forma, os estudantes não são da SIN, da Prograd ou da Prae, mas da UFG”, explica Liliene.
Entrada
O UFGInclui é um programa que gera uma vaga extra em cada curso onde houver demanda para que estudantes indígenas, quilombolas e surdos, oriundos de escolas públicas possam entrar na universidade. Para a secretária da SIN, professora Luciana de Oliveira Dias, é necessário ressaltar que a universidade foi um expoente no que se refere a ações de inclusão, pois o UFGInclui é um programa que foi implementado antes da própria Lei de Cotas, que foi aprovada no ano de 2012.
“A UFG em 2008 já estava envolvida com o debate em resposta às demandas de parte do movimento social organizado, especificamente do movimento negro. Com isso, a instituição se abre à experiência de efetivar um programa de ações afirmativas que prevê reserva de vagas para esses grupos societários discriminados. Dessa forma, mesmo antes da aprovação da Lei de Cotas, a UFG já vinha desenvolvendo uma sensibilização, aplicando ações e tornando a universidade cada vez mais plural e representativa da diversidade que compõe a sociedade como um todo”, afirma Luciana Dias.
A professora relembra ainda que o histórico de luta até a chegada do UFGInclui remonta ao começo dos anos 2000, quando começaram as primeiras discussões e experiências de ações afirmativas no ensino superior brasileiro. Entre 2002 e 2003, as universidades estaduais do Rio de Janeiro e da Bahia começaram a aplicar cotas raciais e em 2004, a universidade de Brasília adota a política. A partir daí há uma quantidade crescente de universidades comprometidas com a adoção de ações afirmativas para garantir a democratização racial do seu quadro discente. É importante saber que toda essa mobilização foi possível por conta das pressões sociais às universidades para promoverem um enfrentamento efetivo ao racismo estrutural, deixando de ser majoritariamente compostas por pessoas brancas.
“Falar da Lei de Cotas implica reconstituir esse contexto histórico que precisa ser relembrado, pois pouco se fala sobre. Quando é sancionada a lei em 2012, havia um ambiente político favorável a essa aprovação. Assim, foi estabelecida a reserva de 50% de vagas para o ensino público e é muito interessante porque a parte de cotas raciais dentro desse projeto de lei é uma proporção ínfima, pouco representativa da composição racial da sociedade brasileira. Mas o que causa polêmica com a Lei de Cotas é exatamente a racial, que tem uma recepção ruim. O que se vê dez anos depois da aplicação dessa lei é que estudantes negros tem mostrado rendimento acima da média e baixa desistência e evasão. A Lei de Cotas não é algo que privilegia alguém e garante a entrada pela porta dos fundos. Trata-se de um trabalho de proteção de um direito que deveria ser garantido a todas as pessoas, que é o acesso ao ensino superior”, destaca Luciana Dias.
Para fortalecer o direito de entrada de pessoas pretas, pardas, quilombolas e indígenas na universidade, foi criada em 2016 a Comissão de Verificação de Autodeclaração, que, inicialmente, cuidava de denúncias sobre fraudes. Um ano depois, foram estabelecidas as Comissões de Escolaridade, de Acessibilidade, de Análise da Realidade Socioeconômica e de Verificação da Autodeclaração nas matrículas dos cursos de graduação da UFG. Já em 2018, mudou o nome para Comissão de Heteroidentificação, aprimorando sua atuação e passando a atuar também nos processos seletivos de pós-graduação e concursos públicos.
Acessibilidade
Para centralizar e ao mesmo tempo possibilitar melhores diálogos entre setores sobre as ações de inclusão da UFG, foi criada em 2022 a Secretaria de Inclusão, com o objetivo de assegurar os direitos de pessoas LGBTQIA+, negras, quilombolas, indígenas, mães, pessoas com deficiência e minorias sociais como um todo presentes no âmbito da universidade. A SIN está estruturada em três subdivisões: Diretoria de Ações Afirmativas (DAAF), comandada por Pedro Rodrigues Cruz, Diretoria de Acessibilidade (DAC), por Ana Claudia Antônio Maranhão Sá e a Diretoria de Mulheres e Diversidades (DMD).
“A SIN se apresenta como novidade apenas enquanto estrutura, porque as ações de inclusão já vêm sendo desenvolvidas pela UFG, desde sua fundação. Em 2022 com a SIN, a intenção é reunir todas as ações de inclusão que ocorrem no interior da universidade para se fazer a melhor gestão. Quando falamos de inclusão nos referimos a ingresso e permanência de discentes, docentes, técnicos-administrativos e servidores de um modo geral. O que estamos desenvolvendo desde o começo do ano são ações que garantem o bem viver de representantes de seguimentos da sociedade que experimentaram cruéis processos de discriminação e exclusão, inclusive em espaços como a universidade”, ressalta Luciana Dias.
A secretária de Inclusão destaca também que, embora seja um órgão da administração superior da universidade, a SIN avança nos seus propósitos e ações ao atuar de maneira integrada com as pró-reitorias, secretarias e unidades acadêmicas da UFG. Dessa forma, a SIN está sendo conduzida de maneira a garantir uma inclusão que é pensada de forma ampliada, coletiva e acessível. Uma das ações mais recentes foi a reestruturação da central de intérpretes de libras da UFG em parceria com a Fundação Rádio e Televisão Educativa e Cultural (RTVE), que se liga a um dos principais objetivos da DAC/SIN.
De acordo com a Coordenadora Pedagógica da DAC/SIN, Meirilayne Ribeiro de Oliveira, a história da diretoria começa em 2008 com a criação do Núcleo de Acessibilidade da UFG. Desde sua origem até a integração na Secretaria de Inclusão, o objetivo é atuar na luta contra obstáculos enfrentados por pessoas com deficiência dentro da universidade.
“Nosso foco pedagógico é na construção da autonomia do estudante, tendo em vista que a universidade é um espaço de formação profissional e oferece múltiplas possibilidades de experiências formativas no ensino, na pesquisa e na extensão. Neste sentido, nosso trabalho busca eliminar as barreiras específicas enfrentadas por cada estudante e, quando não é possível, buscamos minimizá-las. Assim, quando recebemos, por exemplo, um estudante com baixa visão, cegueira ou visão monocular, buscamos identificar quais os recursos que o estudante já utiliza para estudo, deslocamento e demais atividades cotidianas e oferecemos material adaptado, acompanhamento especializado com pedagoga, psicopedagoga, psicóloga educacional e técnico em tecnologia assistiva. A equipe também faz a assessoria pedagógica à equipe do curso, com formações e reuniões para tratar de cada caso”, explica Meirilayne.
Inclusão
No âmbito da pós-graduação, o pró-reitor Felipe Terra Martins, afirma que a UFG foi pioneira ao estabelecer que programas desse tipo reservem uma vaga extra para pessoas autodeclaradas como transexuais. Atualmente, são seis programas que fazem essa oferta, sendo eles: Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística (PPGLL), Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos (PPGIDH), Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS), Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) e o Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (PPGSC).
Ato contra o racimo, promovido por estudantes da UFG com participação da SIN
A SIN também liderou a reforma da resolução que trata do nome social. Luciana Dias e Felipe Terra informaram que a minuta dessa resolução está tramitando na universidade e deve ser aprovada no próximo Conselho Universitário (Consuni). Para a secretária da SIN, esta é uma ação muito importante, pois o nome social vai constar em todos os documentos da UFG, inclusive no diploma. Em síntese, com a resolução, haverá uma flexão nominal de gênero em todas as partes necessárias referentes a documentos na universidade. Ainda assim, Luciana Dias ressalta que não basta ter a garantia do nome social, pois toda uma linguagem precisa ser adequada para que a pessoa tenha a sua dignidade preservada, bem como seu direito de existir. Assim, a ação referente ao nome social se constitui como um dos pilares que vai guiar o futuro da SIN e das ações de inclusão da UFG como um todo.
A inclusão em todo e qualquer ambiente se liga também a um bom convívio social, prezando pelo respeito e o combate a todas as formas de opressão. Por isso, a UFG conta também com a Comissão Contra o Assédio Moral e Sexual, que acompanha e monitora denúncias de casos que envolvam violências na esfera da universidade. Um dos principais papéis desta comissão é promover a difusão de informações referentes ao tema de assédio e quais os caminhos que alguém que for vítima pode percorrer para denunciar. A equipe é composta pelas professoras Ana Claudia Antônio Maranhão Sá, Karla Emmanuela Ribeiro Hora e Luciana de Oliveira Dias, sendo lideradas atualmente pela professora Sandramara Matias Chaves.
“A UFG tem sido pioneira em várias questões, especialmente no âmbito da inclusão, do combate ao racismo, LGBTQIA+fobia, assédio moral, sexual e às violências, principalmente contra mulheres. Esse trabalho da comissão vem se provando muito frutífero, pois está mostrando para pessoas vítimas de qualquer uma dessas violências, que elas têm onde reportar, bem como conseguir apoio e acolhimento. Acredito que as perspectivas futuras é que a comissão desenvolva cada vez mais trabalhos, atividades e palestras para reduzirmos cada vez mais atitudes violentas e ações que caracterizem assédio moral e sexual na universidade. Assim, poderemos ter um ambiente que inclua todas as pessoas, respeitando esses indivíduos em suas pluralidades”, destaca Sandramara.
Pluralidade
Ao se analisar o histórico de luta da UFG, percebe-se que se trata de um conjunto de ações em prol de uma universidade plural. Os programas e projetos oferecidos contribuem não apenas com a entrada, mas sim com a inclusão e, sobretudo, permanência. As palavras de Jarli Guajajara ao afirmar que sem as políticas de inclusão, ela não estaria na universidade, evidenciam o quanto tais ações merecem destaque e principalmente aprimoramento e continuidade. Isso é reforçado também ao se analisar a fala de Beatriz Soares, que representa a realidade de diversos estudantes que encontram nos programas de inclusão da UFG uma forma de se manterem focados em seus objetivos.
“O que esperamos é que essas ações sejam exitosas no sentido de assegurar a inclusão de fato desses estudantes. O que queremos é que essas pessoas passem pela universidade com o seu ingresso garantido, sua permanência assegurada e diplomação efetivada. Que a educação seja garantida a todos esses estudantes que pertencem a grupos da sociedade que são discriminados e excluídos de espaços de tomada de decisão e poder, sendo a universidade um desses locais. Queremos a excelência acadêmica, cumprindo a missão da UFG, e desejamos também que isso seja feito de maneira absolutamente inclusiva e que se constitua como um direito para todos os estudantes, independente de sua origem, religião ou identidade”, completa Luciana Dias.
Fonte: Secom UFG
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