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Universidade Federal de Goiás
Carlos Santander

Haverá uma saída para a crise política no Peru?

Em 25/01/23 09:23. Atualizada em 26/01/23 09:47.
Carlos Santander*
Artigo originalmente publicado no Jornal Clarín
Quando a vice-presidenta do Peru, Dina Boluarte, assumiu a Presidência , substituindo Pedro Castillo, esperava-se que se seguissem meses de tranquilidade e o Congresso aprovou uma lei que reduzia o seu mandato mediante a antecipação das eleições para Abril de 2024. No entanto, em poucos dias, as mobilizações inundaram as ruas da maior parte do país para protestar contra as medidas consideradas insuficientes.
Até agora, os protestos resultaram em pelo menos 46 cidadãos mortos pelas forças da lei e da ordem enquanto exerciam o seu direito de manifestação e exigiam o encerramento do Congresso, a convocação de uma Assembleia Constituinte e a demissão de Boluarte. Até hoje, a violência não tem feito nada para acalmar o ambiente político.
Por outro lado, os grupos de extrema-direita que dominam o Congresso da República e que se declararam "vitoriosos" após a saída de Pedro Castillo, procuram abrir caminho, a qualquer custo, para garantir a sua vitória nas próximas eleições, que foram convocadas para Abril de 2024.A indignação, contudo, é amplificada pelo fato de grupos de congressistas terem começado a procurar formas de legalizar a sua reeleição. Embora seja certo que esta proposta seria válida num ambiente normal, na atual conjuntura alterar as regras do jogo eleitoral em seu próprio benefício é uma provocação. Estes grupos apresentaram, além disso, um projeto de lei que pretende diminuir e substituir o mandato das atuais autoridades eleitorais. Embora nas últimas eleições tenham agido de forma imparcial e transparente, estes congressistas afirmam que estas autoridades favoreceram a eleição de Castillo.
Ao mesmo tempo, estes grupos de extrema direita pretendem inabilitar potenciais candidatos para as próximas eleições, com base em denúncias constitucionais, como no caso dos ex- presidentes Martín Vizcarra e Francisco Sagasti. Tais denúncias foram apresentadas e posteriormente aprovadas por estes grupos.Se o Congresso considerava que tinha o controle da agenda política até Abril de 2024, os movimentos sociais, basicamente regionais (mais organizados no sul do país), querem mudar uma posição de retrocesso pelo vácuo de poder deixado por Castillo e à derrota política do partido Peru Libre, principal organização que apoiava o ex-presidente.
Para conter estes movimentos e como consequência da violência, os setores de direita aspiram a impor uma agenda que ignore as legítimas aspirações dos que se manifestam nas ruas (entretanto, os movimentos estãoganhando musculatura e podem derrubar a própria Presidente Boluarte).A intolerância e o racismo contra as regiões dos que dominam o Congresso os levaram a acusar os manifestantes de  "terroristas". Desta forma, justificam abertamente e sem qualquer pudor,  a eliminação física das vítimas e sobredimensionam seletivamente o radicalismo de alguns dos manifestantes, para assim confronta-los com maior violência.
Por outro lado, a Presidente, que integrava 
o grupo de Pedro Castillo e Vladimir Cerrón (chefe do Perú Libre), teve a opção de transformar a sua posição de fraqueza (sem apoio no Congresso) numa posição de força. Poderia ter imposto condições ao Congresso quando tomou posse ou poderia ter promovido uma ampla agenda de debate sobre a convocação ou não de uma Assembleia Constituinte, que poderia ser decidida em Abril de 2024. No entanto, ela optou por um caminho diferente.A presidente preferiu assegurar a sua permanência no poder, mas sem capacidade ou influência, e assumiu o discurso e as ações de grupos de extrema-direita. Hoje Boluarte assume o passivo pelos trágicos episódios, nos quais 28 pessoas morreram em diferentes regiões do país, seguidas por outras 17 na cidade de Juliaca e uma em Cusco. Esta violência excessiva, não tem contribuído para apaziguar a indignação dos cidadãos.
A atitude antidemocrática e intransigente dos setores de direita não contempla sequer o debate sobre a necessidade de elaborar ou não uma nova Constituição, muito menos permitir aos peruanos decidir sobre a sua continuidade ou não, num referendo. Resistem a mudanças substanciais no próprio desenho institucional que dá origem a instabilidade e conflito, e continuam a impor critérios de legalidade sobre os de legitimidade, dado que estes últimos não refletem os resultados de um pacto social. Recordemos que a Constituição de 1993, além de ter sido imposta, foi aprovada por meio de um referendo marcado pela fraude.Independentemente da avaliação do governo de Castillo e da questionável tentativa de quebrar a ordem constitucional, a sua prisão preventiva poderia ser levantada como forma de anistia, dado que a tentativa não teve consequências objetivas, e sua liberdade não implica qualquer risco para a sociedade, o que, por sua vez, lhe permitiria obter asilo no México. Esta saída contribuiria para aliviar as tensões causadas pela frustração dos seus eleitores que testemunharam as tentativas de ações permanentes para inviabilizar o seu governo 
O caminho de retorno à normalidade está repleto de dificuldades. De fato, para o Primeiro-Ministro Alberto Otárola, que recentemente recebeu a confiança do Congresso, era mais importante proteger a capital do contágio de protestos (para o qual relegou as reivindicações regionais) do que promover a unidade e o diálogo, que é o que se esperava. Com base na sua sintonia com o Congresso, Otárola tornou-se o primeiro-ministro com o mais alto índice de aprovação entre os parlamentares, apesar de ser politicamente responsável pelos massacres no país.As violações dos direitos humanos que o país tem sofrido nos últimos dias, deveriam convidar todos os atores políticos a uma maior ponderação. Discutir um novo pacto político e social é sem dúvida a forma de fortalecer a sociedade peruana e a sua democracia. Evitá-lo fará do Peru um país inviável.
*Carlos Ugo Santander é cientista político, professor e investigador associado da Universidade Federal de Goiás (UFG) 

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