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Universidade Federal de Goiás
Julliano Nascimento

Metodologia da UFG assegura respeito às cotas raciais em concurso docente

Em 30/05/23 10:16. Atualizada em 30/05/23 22:39.

Desde 2019, Universidade garante a reserva de 20% das vagas dos editais

Carolina Melo

“A presença de uma docente negra na Universidade impacta de maneira estrutural e problematiza o racismo institucional. A simples presença de um corpo negro pode levar a uma mudança de cultura e ajudar na promoção de uma universidade mais antirracista”. A fala da professora e secretária de Inclusão da Universidade Federal de Goiás (UFG), Luciana de Oliveira Dias, ilustra o valor do cumprimento da reserva das cotas raciais nos concursos públicos para docentes nas instituições de ensino federais e, consequentemente, da metodologia adotada pela UFG para garantir a entrada de professores do magistério superior, pretos e pardos.

Prestes a completar 10 anos da Lei 12.990/2014 de Cotas em concursos públicos, há apenas cinco anos as universidades federais brasileiras começaram a se organizar para, de fato, cumprirem a reserva de 20% das vagas a candidatos docentes negros. Para se ter ideia, de 2014 a 2017, apenas 3,18% do total das vagas foram destinadas às cotas raciais nos concursos universitários do País, de acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A região centro-oeste apresentou o maior índice de reserva de vagas, ou seja, 7,86%, mas, ainda assim, muito aquém dos 20% exigidos pela legislação. “O que a gente observou de 2014 a 2017 é uma não efetivação da Lei de Cotas”, afirma a professora Luciana Dias. A interpretação equivocada da lei foi o principal obstáculo. 

Luciana Oliveira Dias
Secretária da SIN, Luciana Dias: "docentes negros na Universidade ajudam a construir cultura antirracista"

“Apesar de ser destinado a diferentes áreas de atuação, o cargo de docente de magistério superior é um só: professor de terceiro grau. No entanto, as universidades faziam a distribuição da oferta de vagas considerando as áreas do concurso docente, por exemplo, História, Comunicação, etc, e não do cargo em si. Com isso, o quantitativo por área era em torno de uma ou duas vagas e não permitia a aplicação da reserva”, explica o pró-reitor de Gestão de Pessoas (Propessoas) da UFG, Sauli dos Santos Júnior. De acordo com a legislação, a reserva é aplicada sempre que o número de vagas oferecidas no concurso público é superior ou igual a três. Ao considerar o cargo e não a área de atuação do docente, o número de vagas aumenta consideravelmente e garante a reserva. A mudança na interpretação da lei foi disciplinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017 e, a partir de então, as instituições de ensino superior federal tiveram que repensar os editais de concurso docente. 

A UFG foi uma das pioneiras na criação de uma metodologia que respeita a reserva de cotas raciais. A sua definição foi “um rito puramente burocrático", segundo o pró-reitor Sauli dos Santos, e garantiu o respeito à legislação. A Universidade apresentou à comunidade acadêmica os novos critérios adotados nos concursos para docentes da carreira de magistério superior por meio de ofício circular, que também informou sobre a adequação às regras para a reserva de vagas às pessoas com deficiência (PCD). Dessa forma, ficou definido que nos concursos docentes da Universidade, a cada edital, seria considerado o quantitativo total de vagas para a distribuição dos 20% de vagas para candidatos negros e 10% para PCD.

A partir de então, a cada cinco solicitações de concurso pelas unidades acadêmicas à Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Pró-Pessoas), via Sistema Eletrônico de Informações (SEI), a primeira é reservada aos candidatos que se autodeclaram negros. Por sua vez, a cada 10 solicitações de concurso, a última é destinada a pessoas com deficiência. “Dessa forma, a decisão não está nas nossas mãos e muito menos nas mãos das unidades acadêmicas, uma vez que elas não têm conhecimento sobre a ordem dos pedidos de concurso”, explica Sauli dos Santos. “É uma metodologia muito transparente, muito clara, muito objetiva".

Julliano Nascimento
Professor Julliano Nascimento participou do primeiro concurso com nova metodologia da UFG em 2019

Mesmo a vaga sendo destinada à reserva, o concurso permite a participação da ampla concorrência. “Afinal, se não houver cotistas aprovados, a vaga será ocupada pelo primeiro colocado aprovado na ampla concorrência. Agora, havendo um candidato cotista classificado entre os aprovados, automaticamente a vaga será dele”, afirma o pró-reitor, que ainda faz questão de ressaltar, com base na legislação e na metodologia adotada pela UFG, o mérito do processo seletivo. “Não falta mérito no caso de concurso com reservas de vagas. Todos os classificados aprovados tiveram mérito. Passaram por toda a seleção. Passaram nas etapas eliminatórias, que são a prova escrita, didática, memorial, e na etapa classificatória, ou seja, a prova de títulos. Sendo assim, os candidatos de reserva têm mérito e foram aprovados em igualdade de condições”, afirma o pró-reitor Sauli dos Santos. “E não é incomum o candidato de reserva ainda ficar em primeiro lugar entre os classificados". 

Após aprovado e antes da nomeação e posse, os candidatos autodeclarados negros ainda passam pela avaliação da banca da Comissão de Heteroidentificação da UFG, onde serão aferidas as características fenotípicas dos candidatos, tais como a cor da pele associada às demais marcas ou características da população negra (formato do nariz, textura dos cabelos e lábios). A banca é composta por cinco membros e a decisão é por maioria.

Universidade antirracista

Reparação histórica, a reserva de cotas raciais em concursos públicos para o magistério superior federal tem o potencial de transformar a cultura acadêmica e científica nas universidades, afirmam os professores negros da UFG. “A diversidade nesse contexto é fundamental. É impossível transformar a sociedade sem incluir a visão de mundo e a participação de grupos historicamente marginalizados”, afirma o professor Julliano Nascimento, aprovado em 2019 no primeiro concurso com reserva de vagas da UFG. Em consonância, a secretária de Inclusão da UFG, professora Luciana Dias, acredita que “a presença de mais docentes negros na Universidade pode ajudar a construir uma cultura mais antirracista, mais democrática racialmente, portanto, mais justa”.

Kalyna Ynanhiá Silva de Faria
Professora Kalyna Ynanhiá: "quero ser referência para pessoas negras"

Para Luciana Dias, com a presença de corpos negros, o racismo, além de ser problematizado, é combatido ou ao menos contido. “Há, portanto, todo um processo pedagógico que é disparado e começa a acontecer”, afirma a secretária de Inclusão da UFG. “O professor negro, a professora negra quando entra para uma universidade e ocupando o lugar de docente, ele vai promover uma mudança nas interações sociais que são estabelecidas ali. Aquelas declarações abertas de teor racista tendem a ser contidas e não mais poderão ser feitas, pois tem uma pessoa negra ali e essa pessoa negra está habilitada a reagir no sentido de combater esse racismo”.

A secretária de Inclusão ainda destaca que a presença de uma pessoa negra na universidade não muda somente o próprio destino dessa pessoa, “mas muda também o destino de várias outras pessoas que têm semelhanças com ela, que são parecidas com ela, que vêm do mesmo lugar que ela e que começam a idealizar possibilidades e a construir trajetórias de vida”. Trata-se portanto de “representatividade”, destaca a professora Kalyna Ynanhiá Silva de Faria, aprovada em 2020 em primeiro lugar no concurso com reserva de vagas. “A entrada de professores negros e negras nas Universidades faz parte do rompimento da herança colonial de invisibilidade do corpo negro e de que apenas corpos não negros têm o direito de ocupar locais de poder”. Kalyna lembra que ela não teve a sorte de se enxergar entre os seus professores. ”Todo o caminho acadêmico que eu trilhei foi pautado pela ausência dessas referências, e me fez querer ser para uma pessoa negra o que eu não tive dentro da universidade”.

Fonte: Secom UFG

Categorias: Institucional destaque