Expansão de hidrelétricas ameaça cágado em risco de extinção
Estudo de modelagem teve a participação de diversas instituições, entre elas, a UFG
Pesquisadores de universidades federais e colaboradores do terceiro setor unem esforços para publicar um estudo inédito que sugere que a expansão das hidrelétricas aumenta o risco de extinção de um cágado endêmico. O estudo pioneiro foi publicado na revista científica Journal of Applied Ecology (Jornal de Ecologia Aplicada, em portugês), no dia 26 de junho de 2023 e avalia os impactos de usinas hidrelétricas na distribuição de uma espécie de quelônio endêmica e ameaçada, o cágado-rajado (Phrynops williamsi). O estudo foi liderado pelo professor e pesquisador André Luis Regolin do Instituto de Ciências Biológicas, da Universidade Federal de Goiás. Para prevenir e mitigar os impactos, o trabalho classifica as futuras usinas hidrelétricas de acordo com seus efeitos adversos sobre a distribuição da espécie.
A conclusão dos pesquisadores foi construída a partir de modelos de nicho ecológico que estimaram a distribuição da espécie e, em seguida, compararam a distribuição da espécie com as usinas hidrelétricas atuais e planejadas no Brasil. O estudo verificou se as localizações das usinas hidrelétricas coincidem com áreas de alta adequabilidade. Também foi avaliada a diferença na magnitude dos impactos nas espécies causados pelas usinas hidrelétricas em relação à sua fase de licenciamento e tipo. Ainda, o estudo identificou as áreas prioritárias para a conservação da espécie nos locais onde estão planejadas novas usinas hidrelétricas, com base em uma análise integrativa de modelos de nicho ecológico e conectividade hidrológica. Por fim, os cientistas avaliaram o risco de extinção da espécie em vários níveis.
Os resultados demonstram que as usinas hidrelétricas sobrepõem áreas de alta adequabilidade para a espécie, independentemente do tipo ou estágio de licenciamento. As diferenças nos impactos adversos entre os tipos de usina hidrelétrica foram determinadas pela área afetada e pelo grau de interrupção na conectividade. No futuro, a área impactada por pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) será quase igual àquela das grandes usinas hidrelétricas (UHEs), que atualmente têm os maiores impactos na espécie.
Segundo o professor e pesquisador da UFG, André Luis Regolin, autor da pesquisa, o trabalho é o primeiro a abordar de modo integrado os impactos de hidrelétricas sobre a espécie. “Os resultados poderão auxiliar no planejamento da redução dos impactos da expansão hidrelétrica sobre o cágado-rajado. O mesmo método pode ser aplicado para o estudo de outras espécies ameaçadas por empreendimentos do setor elétrico”.
O professor também avalia a importância do estudo: “Acredito que a publicação é uma importante contribuição para a conservação do cágado-rajado. Revelamos o padrão geral dos impactos cumulativos dos empreendimentos sobre a distribuição da espécie, o que era urgente. Os resultados têm alto potencial de aplicação para subsidiar tomadas de decisão relacionadas à expansão da matriz hidrelétrica. Porém, ainda há muito a ser feito. Existem diversas lacunas de conhecimento sobre o cágado-rajado e será necessário investimento em pesquisa de ponta para poder avançar com propostas concretas para sua conservação”
A avaliação do status de conservação da espécie corroborou parcialmente avaliações anteriores e sugeriu que o risco de extinção foi subestimado em alguns níveis. A abordagem metodológica de modelagem, até então inédita, destaca conflitos potenciais entre geração hidrelétrica e a conservação da espécie. Essa análise pode ser uma ferramenta complementar para orientar decisões sobre a sustentabilidade ambiental de usinas hidrelétricas, revelando os padrões de impactos cumulativos dos empreendimentos em espécies fluviais e ecossistemas de água doce, subsidiando o planejamento de fornecimento de energia sustentável.
O estudo foi produzido pelos seguintes pesquisadores: André Luis Regolin (UFG), Raíssa Bressan (era pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o estudo é também uma homenagem in memorian a ela), Tobias Kunz (UFRGS), Felipe Martello (UNESP), Ivo Rholin Ghizoni-Jr (UFSC, Florianópolis, SC), Danilo José Vieira Capela (Grimpa Consultoria Ambiental, Curitiba, PR) Jorge José Cherem (Instituto Tabuleiro, Florianópolis, SC), Luiz Gustavo R. Oliveira Santos (UFMS), Rosane Garcia Collevatti (UFG), Thadeu Sobral-Souza (UFMT).
Sustentabilidade e produção de energia elétrica
Embora o acesso à energia elétrica seja fundamental para o desenvolvimento econômico e bem estar social, a produção sustentável de energia elétrica é um desafio global pois ela pode gerar impactos socioambientais adversos. Os impactos variam entre as diferentes tecnologias de produção de energia elétrica. As usinas hidrelétricas são as principais fontes de energia renovável no mundo devido à baixa emissão de gases de efeito estufa e relativa viabilidade econômica para instalação. Entretanto, os impactos socioambientais são imensos devido ao alagamento de extensas áreas para a construção
das usinas. Como exemplo de impactos, podemos citar a perda e degradação de habitat que causa declínios nas populações de espécies de água doce e terrestres, além da fragmentação de habitat, que gera a interrupção crítica da conectividade ecológica resultando em impactos em larga escala.
Cágado-rajado
O cágado-rajado, também conhecido como cágado-ferradura, foi descrito para a ciência apenas em 1983 e desde então pouca atenção e pesquisa foi direcionada. É restrita a rios da Mata Atlântica e Pampas e há cerca de duas décadas cientistas sugeriram que ela corre risco de extinção. Sua distribuição geográfica inclui Uruguai, sul do Brasil, norte da Argentina e sudeste do Paraguai. Geralmente populações do cágado-rajado são vistas sobre rochas em trechos de correnteza. Nos dias ensolarados, os indivíduos se agregam sobre rochas em áreas de rios com forte correnteza para regular sua temperatura corporal. Os indivíduos se movem de forma mais intensa ao anoitecer e nas primeiras horas da noite. Seu habitat preferencial inclui rios de leitos rochosos com alto fluxo d'água e preferencialmente livres de poluição.
A espécie é raramente encontrada fora do curso d'água. O uso do ambiente terrestre é limitado à estação reprodutiva, quando as fêmeas colocam ovos em ninhos construídos ao longo das margens dos rios. Ainda pouco se sabe sobre os seus hábitos alimentares, porém crustáceos que são geralmente encontrados em águas preservadas foram identificados como o principal item alimentar. Atualmente a espécie é categorizada como vulnerável principalmente devido à instalação de hidrelétricas.
O estudo pode ser acessado aqui
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