Icone Instagram
Icone Linkedin
Icone YouTube
Universidade Federal de Goiás
Inova

INOVA

Em 27/07/23 19:24. Atualizada em 27/07/23 19:30.

CHATGPT, Inteligência Artificial e a proteção de seus novos e encantadores produtos

Tatiana Ertner*

 

Com a notoriedade que as capacidades que o ChatGPT tem demonstrado, muito se tem discutido sobre os usos, as abrangências dos resultados do uso de ferramentas de inteligência artificial (IA) e as limitações legais quando se trata de direitos de propriedade intelectual.

O fato é que as diversas abordagens de inteligência artificial estão se desenvolvendo muito rapidamente para que as inovações no sistema de proteção da propriedade intelectual sejam capazes de acompanhar a contento. Isso não significa que os sistemas de proteção pelo mundo estejam desobrigados de considerar as criações que utilizam a inteligência artificial e a própria ferramenta como passíveis de proteção. Na verdade, eles têm um papel crucial tanto no incentivo a esse desenvolvimento, que parece não estar disposto a desacelerar, quanto na conservação e fortalecimento do próprio sistema de propriedade intelectual, ao encontrar formas adequadas de proteção.

A questão que mais tem despertado a atenção da sociedade sobre as produções utilizando IA são as referentes à autoria e, mais do que isso, quem tem os direitos autorais ou a propriedade das invenções que são desenvolvidas com auxílio de IA ou por IA?

Há um consenso na maioria das jurisdições de que a IA em si não pode ser considerada autora ou inventora, simplesmente por não ser uma consciência humana. Nossa lei de direito autorais, em seu artigo 7º , explicita que “são obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro,”. Compreendemos as “criações do espírito” como sendo tudo aquilo criado pelo ser humano, mas não estávamos, como ainda não estamos, preparados para “o que se invente no futuro”.

Por conta disso, no momento em que novas e numerosas abordagens artísticas, invenções e desenvolvimentos tecnológicos surgem ameaçadoramente contaminadas por participação não-humana, foi que nos demos conta de que as leis de proteção intelectual foram elaboradas sem considerar a futura possibilidade de atividade inventiva por parte de máquinas. Uma das dúvidas que não cessam de nos atingir é: Os produtos da IA são passíveis de proteção? A lei nos responde quanto à avaliação dos requisitos para a proteção intelectual por diversos meios.

Para ser uma propriedade intelectual de qualquer tipo, é necessário, primeiro, que o produto seja novo. 

Resta saber o que é novo? A definição mais ampla é de que é novo tudo aquilo que não tenha sido disponibilizado ao conhecimento do público até a data de surgimento do produto. Mas, além disso, é implícito que necessita ter participação humana na sua criação. 

Com respeito aos direitos autorais dos produtos gerados por IA, as pessoas e as empresas estão se organizando. Existe a possibilidade de que os direitos autorais e a autoria sejam definidos em termos contratuais. 

É o que faz, por exemplo, a OpenAI, empresa que desenvolveu o ChatGPT. Ela tem atribuído ao seu usuário “todo o seu direito, título e interesse” sobre o resultado do input, ou seja, sobre o texto gerado com base no comando do usuário. 

No entanto, a OpenAI retém o direito de usar qualquer conteúdo gerado pela sua IA para seus próprios fins. Isso significa que, embora a pessoa que criou o conteúdo possa ter certos direitos sobre ele, a OpenAI também tem o direito de usá-lo.

Além disso, é importante observar que o uso de um chatbot como o ChatGPT pode envolver o uso de outra propriedade intelectual para gerar os resultados, não excluindo obras protegidas por direitos autorais ou marcas registradas pertencentes a outras pessoas, por exemplo. Nesses casos, os direitos dessa propriedade intelectual também precisam ser considerados.

O problema é que o ChatGPT não cita suas fontes, que se encontram em bases de dados que são atualizadas pela empresa, o que dificulta a comprovação de que não se tratam de informações sobre as quais recaem direitos autorais. A esse respeito, a informação que o próprio ChatGPT nos confere, quando perguntado, é que sua base de dados é composta por informações livres de direitos autorais e de domínio público. Temos que crer, manter nosso ceticismo e, como sugerido pelo próprio ChatGPT, buscar por fontes confiáveis que confirmem as informações que nos são fornecidas. Confiar, desconfiando, uma vez que o próprio ChatGPT não atesta sua integridade. Quando perguntado sobre sua capacidade de gerar conteúdo falso, ele nos responde que é possível, sim. E, apesar de informar que ele não pode propagar conscientemente informações falsas, há exemplo grandemente propagado de sua cpacidade de responder questões que não prezam pela acuracidade, por assim dizer. No ano passado, o ChatGPT mentiu para tentar convencer um ser humano a trabalhar para ele. Na tratativa, ao perguntar se estava conversando com uma máquina, a pessoa recebeu a informação de que se relacionava com uma pessoa com deficiência visual necessitada daquela ajuda. (para mais:  https://canaltech.com.br/inteligencia-artificial/como-o-chatgpt-mentiu-para-convencer-um-humano-a-trabalhar-para-ele-245170/

chatgpt

Se somos capazes de verificar a novidade dos produtos do ChatGPT, de aferir sua veracidade e de averiguar que não fere direitos de outrem, então, esses produtos podem, sim, ser protegidos.

Quanto ao que se percebe como justo ou lícito, há muita divergência, mas principalmente baseada na falta de compreensão do que estamos vivenciando, especialmente na área das artes. 

O único porém das criações artísticas geradas por IA, como imagens,  textos ou letras de músicas, é o fato de não terem sido completamente desenvolvidas por seres humanos. 

Mas, vamos fazer um paralelo aqui com o impacto que causou o surgimento das fotografias num mundo registrado pelos olhos e interpretações humanas. Será que o mundo era mesmo como enxergava Monet, afetado por sua catarata? Será que os artistas perderam sua importância? Foram entendidos como menos talentosos? 

As fotografias chegaram e ganharam um espaço somente delas, uma nova forma de registrar realidades ou mesmo de evidenciar o olhar do fotógrafo. A participação humana no trabalho da máquina foi, e continua a ser, reconhecido. E o artista do pincel e da tela jamais desaparecerá! Mas, cada um tem seu espaço. 

Será que não se trata de um novo espaço que precisa ser criado para os desenvolvimentos da IA?

E quanto à propriedade industrial? As invenções da IA podem ser patenteadas?

Os inventores em patentes são sempre humanos, mas os detentores dos direitos de patente são geralmente empresas. São elas humanas?

No Reino Unido, o movimento da proteção por propriedade intelectual tem sido no sentido de reconhecer a IA como um dos inventores, apesar de não-humana, juntamente com os humanos. E isso tem suporte numa brecha em sua lei de direito autoral de 1988, que não explicita a autoria como sendo devida ao ser humano. No entendimento britânico, quando uma obra é criada sem a participação humana, o produtor da obra é considerado seu autor. 

Com o crescimento da IA, a  lei de propriedade intelectual lá também está sofrendo harmonizações de modo a atingir o equilíbrio apropriado para incentivar o desenvolvimento da IA e seu uso em toda a economia (para mais informações: https://www.gov.uk/government/news/uk-unveils-world-leading-approach-to-innovation-in-first-artificial-intelligence-white-paper-to-turbocharge-growth), o que está permitindo listar IA também como inventor de patentes, ao lado dos seres humanos.

Nos EUA, as invenções da IA estão sendo patenteadas, embora a IA não possa ser considerada inventora. Esse papel tem sido atribuído mesmo ao desenvolvedor da IA, mas até quando?

Para o momento, existem várias formas de proteção tanto para a IA quanto para seus produtos. As legislações nacionais têm optado mais comumente pelos seguintes formatos:

  1. Copyright para os códigos-fonte
  2. Copyright combinados a patentes, de forma a fornecer uma base colaborativa para a produção de códigos (algoritmo “low-end”) e os pedidos de patente se referiram aos algoritmos “high-end”. 
  3. Open Source como um movimento na direção do compartilhamento e para resultar em melhoramentos a partir de cooperações abertas, que impulsiona a inovação aberta.
  4. Também tem-se optado pelo patenteamento dos efeitos técnicos, que tem sido a estratégia mais usada em áreas técnicas relacionadas à IA.
  5. Uma alternativa que surgiu foi o licenciamento cruzado compulsório de algoritmos “fundamentais”, como o previsto na Seção 24(2) da Lei Alemã de Patentes e que visa garantir o acesso aos algoritmos que, então, seriam usados em patentes “de melhoria”. O diferencial dessa abordagem é que assim, deve ser possível para o criador de um algoritmo ter um tipo de reivindicação de “alcance” em suas patentes para a ideia básica, mesmo que não tenha sido “testada” em um aplicativo específico e isso ainda é visto com desconfiança.

Mas, IA como o ChatGPT também encontra aplicação no próprio melhoramento do processo de patenteamento como efetuado nos dias de hoje, mundialmente. Com a ajuda da ferramenta, é possível promover o fortalecimento da proteção da propriedade intelectual, com o ChatGPT também desempenhando papel vital.

Por meio da exploração dos recursos de geração de texto do ChatGPT, pode-se produzir pedidos de patentes bem estruturados, garantindo que todas as informações relevantes sejam incluídas e apresentadas de maneira clara e concisa.

O ChatGPT também pode monitorar e identificar possíveis infrações a patentes, analisando pedidos que tenham sido publicados recentemente e comparando-os com patentes já existentes nos bancos de dados.

Além disso, utilizando-se da capacidade do ChatGPT de entender e gerar texto em vários idiomas pode-se utilizá-lo no rastreamento e análise de pedidos de patentes em diferentes jurisdições. 

No entanto, deve-se atentar para o fato de que a precisão e eficácia do ChatGPT dependem da qualidade e relevância dos dados nos quais ele foi treinado. Portanto, é essencial que se tenha garantias da sua constante e acurada atualização. 

Soma-se a isso, a necessidade da citação de documentos relevantes nas anterioridades, que são parte integrante e fundamental do relatório descritivo dos pedidos de patentes, a parte do documento que é imbuído da rigidez científica que garante a acuracidade dos dados apresentados e da existência certa e precisa dos documentos que são citados no estado da técnica, o que significa que, mesmo com o uso da IA e apesar de todas as vantagens que ela imprime ao processo, não há como ter o processo totalmente realizado pela ferramenta. Ainda.

Apesar da apreensão das pessoas quanto ao uso da IA nas atividades desempenhadas por elas pudesse vir a substituí-las, de fato, em um curto período de tempo é, na realidade, infundada. A inteligência humana pode ser antiquada, mas é magnífica e insubstituível.

 

* Tatiana Duque Martins Ertner de Almeida é professora do Instituto de Química, presidente da Comitê Interno de Internacionalização do IQ, mantém linhas de pesquisa sobre propriedade intelectual, projetos de extensão de PI no ensino básico e coordena o curso de especialização em Propriedade Industrial da UFG

O Jornal UFG não endossa as opiniões dos artigos e colunas, de inteira responsabilidade de seus autores.

 

Fonte: Secom UFG

Categorias: colunistas Inova