Sem informação, trabalhadores rurais com câncer procuram atendimento em estado grave
Agricultores não associam os sintomas à intoxicação com agrotóxicos e chegam ao hospital muito doentes
Texto: Luiz Felipe Fernandes
Fotos: Carlos Siqueira
Há dez anos o Laboratório de Mutagênese (LabMut) do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Goiás (UFG) estuda danos e mutações genéticas em pessoas e animais expostos a agrotóxicos. Além de já terem constatado que trabalhadores rurais goianos apresentam 4,5 vezes mais lesões no DNA e que a exposição aos agrotóxicos pode estar relacionada a uma maior incidência de câncer entre esses agricultores, as pesquisas também têm constatado um cenário de precariedade na assistência à saúde.
Doutora em Genetica e Biologia Molecular pela UFG, Thays Millena Alves Pedroso explica que, além de estarem mais expostos, a falta de informação faz com que muitos trabalhadores não procurem assistência médica no início dos sintomas. Ela conta que, ao serem questionados se já se intoxicaram, muitos trabalhadores respondem que não. Mas quando perguntados sobre determinados sintomas, como dor de cabeça, dificuldade para dormir, fadiga muscular, problemas gastrointestinais e depressão, a resposta é quase sempre afirmativa. "Eles têm os sintomas, mas não sabem que são decorrentes da intoxicação", afirma a pesquisadora.
A coordenadora do LabMut, Daniela de Melo e Silva, conta que, sem orientação, essas pessoas já chegam ao hospital muito doentes. "Há casos em que o trabalhador procura atendimento com um ou até dois anos de sintomas, com o tumor avançado e o câncer em estágio terminal". Laura de Sousa Lopes, que dá continuidade às pesquisas no mestrado em Genética e Biologia Molecular da UFG, acrescenta que essa demora na busca por tratamento contribui para a alta taxa de mortalidade entre esses agricultores.
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Veneno na mesa
Nos questionários e nas conversas com os agricultores, os pesquisadores observam que a falta de informação tem levado ao uso incorreto dos agrotóxicos. Eles contam que em muitos locais os produtos são armazenados de forma inadequada até mesmo dentro de casa. "Um trabalhador chegou a colocar o veneno, como ele chama, em cima da mesa, junto aos alimentos", diz Thays. Nessa casa, segundo ela, a mulher do trabalhador, de 28 anos, estava grávida, com linfoma não Hodgkin e exposta ao agrotóxico.
Outro problema está na aplicação desses produtos. Muitas vezes a falta de informação leva ao uso de doses superiores ao recomendado e ao descarte inadequado das embalagens. Em algumas propriedades, a equipe se deparou até mesmo com a manipulação dos frascos de agrotóxicos por crianças e a utilização das embalagens para colocar água para animais de estimação.
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Parte da equipe de pesquisadores do LabMut, coordenado pela professora da UFG Daniela de Melo e Silva
Informação no campo
Por causa disso, um dos eixos de atuação do LabMut tem sido a divulgação científica. Nas visitas às propriedades rurais de Goiás, as equipes do laboratório levam informações sobre as formas adequadas de manuseio, aplicação e armazenamento de agrotóxicos, a importância do uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e a identificação de sintomas de intoxicação.
Além disso, o LabMut conta agora com um site e um perfil no Instagram. Informações sobre exposição a agrotóxicos e câncer também são produzidas para a revista Genética na Escola, publicação de apoio ao ensino da Sociedade Brasileira de Genética. A revista publica conteúdos voltados para o ensino e a divulgação da genética que podem ser utilizados por professores da educação básica e superior.
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Fonte: Secom UFG
Categorias: destaque ICB LabMut Ciências Naturais