Polarização faz pensamento econômico brasileiro ficar alheio ao debate internacional
Economista Sergio Duarte fala sobre os desafios de pensar a economia numa época de extremismos
Texto: Luana Borges
Foto: Talita Prudente
No contexto da guerra ideológica, o combate ao avanço das ideias antidemocráticas no Brasil envolve entender a economia nacional, seu processo histórico de desenvolvimento e sua dimensão atual no novo quadro político global pós-pandemia. Além disso, o investimento em bioeconomia passa a ser um vetor para aglutinar atores sociais de múltiplos interesses, podendo ser uma das chaves para deter a polarização no país. É o que demonstrou o professor Sergio Duarte, da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), em palestra realizada na noite de ontem (30/10), na sede do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais de Goiás (Adufg).
O evento faz parte da programação das Jornadas pela Prevalência das Ideias Democráticas e Progressistas, ação interinstitucional promovida por seis Instituições de Ensino Superior (IES) goianas, duas entidades de classe na área da educação e lideranças ligadas à democracia.
Sergio Duarte, que já foi secretário nacional de Desenvolvimento Regional do Ministério da Integração, ponderou que um dos problemas brasileiros, em um nível macroestrutural, é a falta histórica de um projeto de nação. Esta lacuna – somada a uma polarização política que impede um debate econômico produtivo – vem sendo, conforme a exposição do palestrante, os desafios para o Brasil.
Sem projeto
“A questão nacional nunca foi uma questão importante para as nossas elites”, disse Duarte. Segundo ele, outro problema é que “não se colocou a ideia de uma proteção social à população”. Essa ausência, conforme explica o professor, tem uma faceta estrutural e outra política: no nível estrutural, sempre houve muita mão de obra e, por essa facilidade, os empresários não se preocuparam em protegê-la. “No nível político, as elites brasileiras têm medo do povo”, salientou.
Para o economista, a falta de um projeto nacional e social – atrelada às complexidades regionais de um país imenso – faz com que exista dificuldade em se ter um pensamento econômico capaz de propor saídas criativas, voltadas à especificidade brasileira. Na exposição do palestrante, além da problemática estrutural, afigurou-se também o desafio da atualidade: a polarização impede que o debate econômico esteja antenado ao que se discute internacionalmente.
Histórico
A palestra começou com uma explicação sobre o desenvolvimento histórico do capitalismo em suas potências centrais. A retomada histórica, como intuiu Sergio Duarte, é fundamental para se compreender o momento atual e a fase em que o país se encontra.
Segundo o docente da PUC-GO, até meados do século XIX, liderados pela Inglaterra, os países europeus partilhavam uma visão econômica liberal internacionalizante, pela qual o mercado se expandiria de forma autorregulável. Já as nações que avançaram suas industrializações na segunda metade do século XIX – como a Alemanha, o Japão e, em certa medida, os Estados Unidos – emplacaram-se a partir de um modelo de autoproteção nacional, pelo qual a ideologia nacionalista e os sistemas de proteção social fomentaram o crescimento. “Com a expansão dessas novas potências, acabou-se criando um ambiente que permitiu uma forte crítica à noção liberalizante”, explicou Sergio Duarte.
Na linha histórica, o professor pontua os anos de 1970, já no século XX, como cruciais à nova virada de pensamento. “Depois dos 30 anos de ouro do capitalismo”, este sistema protetivo entrou de novo em crise. “Nos anos 70 e 80, com a inflação e o aumento das dívidas públicas, houve um consequente retorno do pensamento liberal. Agora chamado de neoliberal, de natureza internacionalizante. São os tempos da globalização”, ponderou.
Novo Consenso de Washington
A fala do pesquisador deixou evidente o movimento de sucessivas crises e retornos do capitalismo global. Depois de estabelecer os termos deste movimento histórico, Duarte alertou o público presente – cerca de 40 pessoas, dentre políticos, professores, reitores e lideranças sindicais – sobre o momento econômico contemporâneo, pouco divulgado na imprensa nacional: o novo Consenso de Washington.
Segundo ele, houve, de 2008 para cá, uma nova crise no neoliberalismo, ficando restabelecida a importância do aumento do investimento público direto, bem como a ineficiência “de se despejar dólares na compra de títulos privados”. De acordo com o pesquisador, a crise de 2008 e a crise da pandemia mostraram que a segurança nacional e a segurança sanitária – com a produção de vacinas, luvas e equipamentos de proteção – dependem de uma política industrial forte, via investimento nacional.
Estabeleceu-se neste contexto o novo consenso de Washington. O palestrante explicou: “até o FMI disse: basta, é preciso investir para combater o agravamento deste processo. É um consenso radicalmente diverso da receita neoliberal para os países periféricos. Tem, claramente, um tom protecionista e nacionalista. Os países precisam de estratégias nacionais, pelas quais o governo intervém para tributar e para investir em infraestrutura, ciência e tecnologia”.
Sérgio Duarte lamentou que o debate econômico no Brasil esteja, segundo ele, completamente descolado desta questão. “A política neoliberal e ortodoxa, exigida pela extrema direita e defendida na grande imprensa, está exatamente na contramão do que vem acontecendo no restante do mundo, está completamente deslocada do novo Consenso de Whashington”.
Debate irreal
Para o economista, o debate do momento chega a uma espécie de contrassenso profundo. “Chega a ser tosca a discussão deste quesito no Brasil”. Duarte explica que os setores de extrema direita falam como se o protecionismo e o investimento de dinheiro público – em áreas estrategicamente importantes – “fossem interessantes e ousados apenas nos Estados Unidos”.
Segundo o estudioso, eles argumentam que tal política econômica não se aplicaria ao Brasil, uma vez que o país estaria com a dívida pública muito alta e sem condições de aumentar gastos. “Isso é irreal. O princípio econômico por trás deste Novo Consenso é exatamente a ideia que a dívida e a questão fiscal estão associadas ao crescimento e à estratégia: criam-se condições de financiamento na medida em que se investe. É o oposto”, enfatizou.
Desafio algorítmico
Outro desafio posto ao pensamento econômico atrelado ao crescimento social, segundo o professor, é a eficiência dos algoritmos em se produzir uma realidade paralela. Pela rede, há, conforme explica Sergio, irrealidades massivamente divulgadas. De acordo com o docente, são divulgadas ideias absurdas, tais como a desigualdade social como um processo natural ou a crise climática como forma moderna de marxismo.
“Neste ponto, há uma questão central: é preciso criminalizar os algoritmos sem diversidade. Pode-se colocar ali a ideia que se quiser. O que não é possível, o que não pode ser, é aprisionar os cidadãos em ideias únicas: as pessoas não podem ficar presas nestas bolhas”, ponderou.
O vice-reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG), professor Jesiel Carvalho, presente na plateia, provocou: “há um enfraquecimento das estruturas organizacionais da sociedade – a exemplo dos sindicatos. Ao mesmo tempo, há uma sofisticação do domínio dos mecanismos tecnológicos contemporâneos. A questão que se coloca, nestas Jornadas pela Democracia, é a seguinte: como criar condições para se restabelecer a hegemonia das ideias democráticas e progressistas, incluindo aí as diversas áreas, como a econômica”.
Neoindustrialização verde
A solução é, conforme se aventou na palestra, o pensamento sistêmico, sem falsas dicotomias. Sergio Duarte usou seus estudos de pós-doutorado na Università Degli Studi de Roma Ter, na Itália, sobre bioeconomia avançada, para defender este ponto de vista.
“Pela primeira vez o Brasil está tendo a oportunidade de liderar. De criar novas perspectivas econômicas na área verde. Todas as grandes nações, hoje, têm estratégias muito claras e definidas, enxergando o caráter de futuro do campo da bioeconomia avançada. E o Brasil é enxergado por todos esses países como aquele de melhor potencial nesta área”, situou.
No entanto, para que se caminhe por este viés, é necessário, segundo Duarte, evitar as falsas dicotomias, abandonar a polarização e o debate desnecessário, garantindo um processo amplo que galvanize múltiplos interesses.
“Muitos membros da esquerda ainda são presos em dicotomias: e isso dificulta para que falemos para todo mundo. Fica-se muito enredado em questões como: a bioeconomia está apenas nas comunidades tradicionais, na agricultura familiar. Ora, está lá também. Mas também está na nova bioindústria, na inovação. Esses pensamentos dicotômicos têm de cair por terra”. Segundo o economista, é isto que se exige do Brasil.
Programação
Na noite de hoje (31/10), há a continuidade das Jornadas pela Democracia. O tema da vez será “partido político e religião”, com a presença dos professores Alberto Moreira (PUC/GO) e Moab César Costa (UemaSul). Além deles, participa o poeta e jornalista Adalberto Monteiro, presidente da Fundação Maurício Grabois. O evento ocorre a partir das 19h no auditório da Adufg-Sindicato A entrada é franca e, aos discentes, haverá emissão de certificado.
Fonte: Secom UFG
Categorias: política Humanidades