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Universidade Federal de Goiás
1º dia Jornadas Pela Democracia

Polarização faz pensamento econômico brasileiro ficar alheio ao debate internacional

Em 31/10/23 16:24. Atualizada em 03/11/23 11:32.

Economista Sergio Duarte fala sobre os desafios de pensar a economia numa época de extremismos

Texto: Luana Borges

Foto: Talita Prudente 

No contexto da guerra ideológica, o combate ao avanço das ideias antidemocráticas no Brasil envolve entender a economia nacional, seu processo histórico de desenvolvimento e sua dimensão atual no novo quadro político global pós-pandemia. Além disso, o investimento em bioeconomia passa a ser um vetor para aglutinar atores sociais de múltiplos interesses, podendo ser uma das chaves para deter a polarização no país. É o que demonstrou o professor Sergio Duarte, da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), em palestra realizada na noite de ontem (30/10), na sede do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais de Goiás (Adufg).

O evento faz parte da programação das Jornadas pela Prevalência das Ideias Democráticas e Progressistas, ação interinstitucional promovida por seis Instituições de Ensino Superior (IES) goianas, duas entidades de classe na área da educação e lideranças ligadas à democracia.

1º dia Jornadas Pela Democracia
Sérgio Duarte, doutor em Economia pela Unicamp, explica cenário econômico atual

 

Sergio Duarte, que já foi secretário nacional de Desenvolvimento Regional do Ministério da Integração, ponderou que um dos problemas brasileiros, em um nível macroestrutural, é a falta histórica de um projeto de nação. Esta lacuna – somada a uma polarização política que impede um debate econômico produtivo –  vem sendo, conforme a exposição do palestrante, os desafios para o Brasil.

Sem projeto

“A questão nacional nunca foi uma questão importante para as nossas elites”, disse Duarte. Segundo ele, outro problema é que “não se colocou a ideia de uma proteção social à população”. Essa ausência, conforme explica o professor, tem uma faceta estrutural e outra política: no nível estrutural, sempre houve muita mão de obra e, por essa facilidade, os empresários não se preocuparam em protegê-la. “No nível político, as elites brasileiras têm medo do povo”, salientou.

Para o economista, a falta de um projeto nacional e social – atrelada às complexidades regionais de um país imenso – faz com que exista dificuldade em se ter um pensamento econômico capaz de propor saídas criativas, voltadas à especificidade brasileira. Na exposição do palestrante, além da problemática estrutural, afigurou-se também o desafio da atualidade: a polarização impede que o debate econômico esteja antenado ao que se discute internacionalmente.  

Histórico

A palestra começou com uma explicação sobre o desenvolvimento histórico do capitalismo em suas potências centrais. A retomada histórica, como intuiu Sergio Duarte, é fundamental para se compreender o momento atual e a fase em que o país se encontra.

Segundo o docente da PUC-GO, até meados do século XIX, liderados pela Inglaterra, os países europeus partilhavam uma visão econômica liberal internacionalizante, pela qual o mercado se expandiria de forma autorregulável. Já as nações que avançaram suas industrializações na segunda metade do século XIX – como a Alemanha, o Japão e, em certa medida, os Estados Unidos – emplacaram-se a partir de um modelo de autoproteção nacional, pelo qual a ideologia nacionalista e os sistemas de proteção social fomentaram o crescimento. “Com a expansão dessas novas potências, acabou-se criando um ambiente que permitiu uma forte crítica à noção liberalizante”, explicou Sergio Duarte.

Na linha histórica, o professor pontua os anos de 1970, já no século XX, como cruciais à nova virada de pensamento. “Depois dos 30 anos de ouro do capitalismo”, este sistema protetivo entrou de novo em crise. “Nos anos 70 e 80, com a inflação e o aumento das dívidas públicas, houve um consequente retorno do pensamento liberal. Agora chamado de neoliberal, de natureza internacionalizante. São os tempos da globalização”, ponderou.

1º dia Jornadas Pela Democracia
Cerca de 40 pessoas se reuniram na sede da Adufg para debater questões econômicas nacionais

 

Novo Consenso de Washington

A fala do pesquisador deixou evidente o movimento de sucessivas crises e retornos do capitalismo global. Depois de estabelecer os termos deste movimento histórico, Duarte alertou o público presente – cerca de 40 pessoas, dentre políticos, professores, reitores e lideranças sindicais – sobre o momento econômico contemporâneo, pouco divulgado na imprensa nacional: o novo Consenso de Washington.

Segundo ele, houve, de 2008 para cá, uma nova crise no neoliberalismo, ficando restabelecida a importância do aumento do investimento público direto, bem como a ineficiência “de se despejar dólares na compra de títulos privados”. De acordo com o pesquisador, a crise de 2008 e a crise da pandemia mostraram que a segurança nacional e a segurança sanitária – com a produção de vacinas, luvas e equipamentos de proteção – dependem de uma política industrial forte, via investimento nacional.

Estabeleceu-se neste contexto o novo consenso de Washington. O palestrante explicou: “até o FMI disse: basta, é preciso investir para combater o agravamento deste processo. É um consenso radicalmente diverso da receita neoliberal para os países periféricos. Tem, claramente, um tom protecionista e nacionalista. Os países precisam de estratégias nacionais, pelas quais o governo intervém para tributar e para investir em infraestrutura, ciência e tecnologia”.

Sérgio Duarte lamentou que o debate econômico no Brasil esteja, segundo ele, completamente descolado desta questão. “A política neoliberal e ortodoxa, exigida pela extrema direita e defendida na grande imprensa, está exatamente na contramão do que vem acontecendo no restante do mundo, está completamente deslocada do novo Consenso de Whashington”.

Debate irreal

Para o economista, o debate do momento chega a uma espécie de contrassenso profundo. “Chega a ser tosca a discussão deste quesito no Brasil”. Duarte explica que os setores de extrema direita falam como se o protecionismo e o investimento de dinheiro público – em áreas estrategicamente importantes – “fossem interessantes e ousados apenas nos Estados Unidos”.

Segundo o estudioso, eles argumentam que tal política econômica não se aplicaria ao Brasil, uma vez que o país estaria com a dívida pública muito alta e sem condições de aumentar gastos. “Isso é irreal. O princípio econômico por trás deste Novo Consenso é exatamente a ideia que a dívida e a questão fiscal estão associadas ao crescimento e à estratégia: criam-se condições de financiamento na medida em que se investe. É o oposto”, enfatizou.  

Desafio algorítmico

Outro desafio posto ao pensamento econômico atrelado ao crescimento social, segundo o professor, é a eficiência dos algoritmos em se produzir uma realidade paralela. Pela rede, há, conforme explica Sergio, irrealidades massivamente divulgadas. De acordo com o docente, são divulgadas ideias absurdas, tais como a desigualdade social como um processo natural ou a crise climática como forma moderna de marxismo.

“Neste ponto, há uma questão central: é preciso criminalizar os algoritmos sem diversidade. Pode-se colocar ali a ideia que se quiser. O que não é possível, o que não pode ser, é aprisionar os cidadãos em ideias únicas: as pessoas não podem ficar presas nestas bolhas”, ponderou.

O vice-reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG), professor Jesiel Carvalho, presente na plateia, provocou: “há um enfraquecimento das estruturas organizacionais da sociedade – a exemplo dos sindicatos. Ao mesmo tempo, há uma sofisticação do domínio dos mecanismos tecnológicos contemporâneos. A questão que se coloca, nestas Jornadas pela Democracia, é a seguinte: como criar condições para se restabelecer a hegemonia das ideias democráticas e progressistas, incluindo aí as diversas áreas, como a econômica”.    

Neoindustrialização verde

A solução é, conforme se aventou na palestra, o pensamento sistêmico, sem falsas dicotomias. Sergio Duarte usou seus estudos de pós-doutorado na Università Degli Studi de Roma Ter, na Itália, sobre bioeconomia avançada, para defender este ponto de vista.

“Pela primeira vez o Brasil está tendo a oportunidade de liderar. De criar novas perspectivas econômicas na área verde. Todas as grandes nações, hoje, têm estratégias muito claras e definidas, enxergando o caráter de futuro do campo da bioeconomia avançada. E o Brasil é enxergado por todos esses países como aquele de melhor potencial nesta área”, situou.

No entanto, para que se caminhe por este viés, é necessário, segundo Duarte, evitar as falsas dicotomias, abandonar a polarização e o debate desnecessário, garantindo um processo amplo que galvanize múltiplos interesses.

“Muitos membros da esquerda ainda são presos em dicotomias: e isso dificulta para que falemos para todo mundo. Fica-se muito enredado em questões como: a bioeconomia está apenas nas comunidades tradicionais, na agricultura familiar. Ora, está lá também. Mas também está na nova bioindústria, na inovação. Esses pensamentos dicotômicos têm de cair por terra”. Segundo o economista, é isto que se exige do Brasil.

1º dia Jornadas Pela Democracia
Professor Jesiel, vice-reitor da UFG, vê nas Jornadas ação estratégica no âmbito político e educacional

 

Programação

Na noite de hoje (31/10), há a continuidade das Jornadas pela Democracia. O tema da vez será “partido político e religião”, com a presença dos professores Alberto Moreira (PUC/GO) e Moab César Costa (UemaSul). Além deles, participa o poeta e jornalista Adalberto Monteiro, presidente da Fundação Maurício Grabois. O evento ocorre a partir das 19h no auditório da Adufg-Sindicato A entrada é franca e, aos discentes, haverá emissão de certificado.

1º dia Jornadas Pela Democracia
Jornadas têm organização da UFG, IFG, PUC, IFgoiano, UFCat, UFJ, além do Sintego e da Adufg

 

Fonte: Secom UFG

Categorias: política Humanidades