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Universidade Federal de Goiás
Ipelab

O desenho do que falta

Em 17/11/23 16:22. Atualizada em 20/11/23 11:58.

Como o IPElab, laboratório da UFG, ajuda na montagem cotidiana de uma vida mais fácil, e talvez mais prazerosa, aos goianos

Luana Borges

A impressão de um mundo. Não aquela subjetiva, afeita ao que se sente quando se olha o outro. Não essa. A impressão objetiva de um mundo em três dimensões. Concretudes como esta: a moto na qual se anda é velha e não se fabricam mais os objetos que a compõem – ela não está mais na linha de montagem. O banco da Biz estragou? Conserta-se. Mas, depois de sucessivos remendos, desenha-se um banco novinho em folha, gerando-se um arquivo de escaneamento 3D com a finalidade de levar este objeto ao mercado novamente.

Lavar um banheiro muito sujo? Retirar aquelas marcas de água meio amarronzadas de um vaso sanitário com anos de uso? E lavar entre a porcelana e a parede? Vassoura não entra, o rodo é desproporcional, colocar a mão ali às vezes é duro. Depois de sucessivos agachamentos – e a sujeira resistindo ainda –, inventa-se: imprime-se na impressora Creality Ender 3 S1 um objeto versátil, adaptado àquele tipo de lavagem.

Mulheres e homens inventam. Recriam o mundo. O mundo é difícil: reconquistam-no para si. Não precisam ser físicos, nem astrônomos, nem engenheiros, talvez nem sonhem com glórias patenteadas. Talvez sonhem. Mas são seres simples, na luta cotidiana de subir na moto e ir trabalhar, de vender peças de que outros precisam, de abrir seus comércios, de compor quebra-cabeças com os objetos cotidianos. O ser humano cria. Wislawa Szymborska, a poeta Nobel de literatura em 1996, vê na criação os trecos e tropeços do mundo:

 

Aqui
Não sei em outros lugares,
mas aqui na Terra tem um bocado de tudo.
Aqui se fabricam cadeiras e tristezas,
tesouras, violinos, ternura, transitores,
represas, xícaras, piadas.
[...]
E sei o que mais você pensa.
Guerras, guerras, guerras.
Mas há pausas mesmo entre elas.
Atenção! – os homens são maus.
Descansar! – os homens são bons.
Na atenção são produzidos desertos.
No descansar com o suor do rosto se constroem casas
E logo nelas se mora.

 

No descanso, a invenção que não é de guerra. No descanso, a invenção de um mundo. A construção de objetos para o bem-viver. Imprime-se a mão perdida, recria-se o movimento no ausente dos dedos. A textura, a pegada, a aderência. Ainda falta: que perfeição a mão humana! Mas, no lugar do nada, na ausência do membro amputado, a prótese bem-feita, bem articulada. O suco enfim levado à boca. Esse é o objetivo.

Próteses de mãos. Aparelhos de limpeza para banheiros. Bancos de motos. São coisas. A maquinaria humana sobre a terra. Mas o que elas têm em comum?

Inquietude

Os objetos aqui descritos são apenas alguns produtos desenvolvidos na rede de laboratórios de Ideias, Prototipagem e Empreendedorismo (IPElab), da Universidade Federal de Goiás (UFG). Eles foram propiciados por uma articulação transdisciplinar voltada às necessidades práticas de um mercado que exige inovação. Além disso, os produtos foram garantidos pelo diálogo entre a UFG e pessoas da comunidade externa – combinação que, no linguajar acadêmico, é chamada de extensão universitária.

Esta nomenclatura talvez seja alheia à administradora de empresas Neide Teles. Para ela, não é necessário saber disso. Ela sabe mesmo é de seu propósito: a curiosidade incomodada de quem, no descanso em sua casa, provou a inquietude. A empresária trabalhou por toda a vida no comércio, dedicando-se, desde 1994, ao ramo de pneus, suspensão e regulagem eletrônica.

Acostumada ao ritmo incessante do comércio há quase 30 anos, não aguentou – uma vez que não estava mais à frente da loja – o "paradão" da casa.

 

— Em maio eu estava caçando o que fazer. Até pesquisei franquia para abrir. Pesquisei loja de tudo! Um dia acordei e vi a notícia da invenção de um equipamento para as mulheres fazerem xixi em pé. Pensei: e por que não pego aquele equipamento que desenhei? E faço alguma coisa com isso?

 

A entrevista com Neide foi em um bar no setor Cidade Jardim, em Goiânia. Ativa, a empresária estava ajudando o dono do estabelecimento, que é um de seus afilhados, naquele início de noite, 6 de outubro. Chegou para a entrevista com o objeto que inventou nas mãos. Contou de sua angústia ao perceber a ineficiência dos equipamentos existentes para lavar vasos sanitários. E estava feliz. Na véspera, tinha acabado de depositar o pedido do registro do desenho industrial de seu produto.

Até chegar ao objeto feito – testado em cerca de 15 vasos, entre sanitários comerciais e residenciais –, a jornada de Neide envolveu uma combinação entre UFG e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Em um primeiro momento, foi uma profissional de consultoria do Sebrae que lhe informou sobre "um sistema de incubação que existia na universidade federal".

Orientada então a procurar o IPElab, Neide desenvolveu o seu produto e as testagens subsequentes. Em paralelo – a partir de uma parceria que se retroalimenta – retornou ao Sebrae para fazer um curso de Plano de Negócios, a fim de gerir a sua criação. Para colocar o limpador de sanitários no mercado, falta ainda uma parceria para a produção do aparelho em ritmo industrial, vez que o equipamento se mostrou uma novidade passível de êxito no mercado.

 

— Eu não encontrei dificuldade nenhuma! As pessoas certas caíram no meu caminho! No IPElab todos foram muito legais comigo. Se Deus quiser, vou encontrar um parceiro, uma empresa para produzir o produto.

 

As frases de Neide eram pontuadas por traços de fé. Naquele início de noite no bar do afilhado – o dia levemente findando –, com o objeto que inventou disposto à frente, não era diferente. Com uma haste de 50 centímetros – como mostrava a empresária – tratava-se de "objeto resistente, durável, fabricado com material de baixo custo", dizia ela. Era, de fato, um aparato que parecia muito mais higiênico do que aquelas escovas comuns. Uma réstia de sol persistia ainda, iluminando o rosto da empresária.

 

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A empresária Neide Teles quis inovar no ramo da limpeza e usou a UFG para isso (Foto: arquivo pessoal)

 

Na rodagem

Há quem ande de moto para trabalhar. Entregadores de toda a sorte de coisas. As coisas precisam ir e vir porque as pessoas precisam delas. João Piedade, 72 anos, dono de uma loja de acessórios para motocicletas e fabricante de bancos para esses veículos, explica sobre sua atividade. A partir das explicações, há uma síntese daquilo que é óbvio mas encoberto: na vida cotidiana todos precisam de um banco de moto. Todos que esperam chegar o alimento, o objeto encomendado, os boletos a vencer.

Da conversa com o senhor Piedade, ocorrida por telefone no dia 11 de outubro – uma quarta-feira –, houve três percepções: a de que uma coisa é sempre composta de várias outras partes coisificadas; a de que, na ordem cotidiana, inventar tudo isso é preciso; e, por fim, a de que o trabalhador é o tipo mais inventivo da espécie humana – este que, por não ter muita grana, precisa da reforma dos aparatos para a rodagem no dia a dia.

 

— Os nossos clientes são aqueles de moto comercial. O rico não reforma moto. Compra uma nova. O motoboy é o nosso público – entregador de peça, de sanduíche… Esse que aguenta o rojão.

 

Após explicar sobre o público-alvo de sua loja e fábrica, que está no mercado desde 1981 e se situa no setor Mansões Rosa de Ouro, em Goiânia, João Piedade disse de uma cadeia produtiva complexa que, graças à sua curiosidade de procurar o IPElab, teve o ritmo de produção aprimorado.

 

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O fabricante de acessórios para motos, João Piedade, viu no IPElab uma forma de agilizar o processo de produção (Foto: arquivo pessoal)

 

O fabricante pontua que um banco, na verdade, é composto por outras partes confeccionadas em separado: a capa, a espuma e a base. Para se chegar a tais produtos intermediários, além da compra de um PVC em rolo para a costura da capa, são necessários sucessivos moldes. O IPElab entra no processo justamente ao fornecer a malha de escaneamento que gerará os moldes necessários ao banco pronto.

 

— Eu levo o modelo no 'IPÊ' e digo: 'quero copiar essa base'. O 'IPÊ' a escaneia e manda o arquivo para mim, que é a malha. Eu trabalho nessa malha e faço a engenharia reversa. Com o modelo pronto, faço o projeto de construção e o jogo no centro de usinagem, confeccionando o molde para a injeção da espuma. Antes, a gente desenvolvia o scanner fora. Eu mandava fazer em Araraquara. Mas no IPElab – e pagando uma taxa simbólica – não preciso mandar para lá.

 

Há, conforme explica o empresário, de 30 a 40 modelos de banco com os quais trabalha. Mas, a cada motocicleta fabricada e depois retirada de linha, o ciclo de produções aumenta, em uma espécie de eterna rodagem de produtos que, ausentes nas montadoras oficiais, são as estrelas nas mãos de João Piedade.

 

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Da malha enviada pelo Ipelab (à esq.) ao molde depois da usinagem (à dir.): o ciclo de produção de bancos (Foto: arquivo pessoal)

 

Mão humana

No IPElab, imprimem-se das pequenas às grandes faltas. É assim que, sob a coordenação do professor Pedro Henrique Gonçalves, a estudante Laura Duarte Santana, do curso de Design de Produtos da Faculdade de Artes Visuais (FAV) da UFG, vem pensando na melhoria das próteses de mãos, com consequente impacto na qualidade de vida de pessoas amputadas.

A discente faz parte do projeto de pesquisa "Desenvolvimento de produtos baseado no design circular", e estuda o aprimoramento da aderência das próteses feitas por meio da prototipagem rápida em impressoras 3D. Nos experimentos prévios – que envolveram próteses feitas com material de baixo custo, como o EVA, o PVC, o látex e o silicone –, o látex suportou maior peso, obtendo melhor aderência aos objetos.

Laura, que está no IPElab desde setembro de 2022, explica que o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece próteses estéticas e que elas, geralmente, são estáticas. São mais parecidas com a mão humana, mas, em contrapartida, como não se mexem, perdem em funcionalidade.

 

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Próteses feitas no Ipelab podem ser mais baratas e funcionais (Foto: Luana Borges)

 

— Já as outras próteses – as mioelétricas – são muito caras. São menos acessíveis. O avanço da tecnologia de impressão em 3D pode tornar o produto mais barato. A gente tenta melhorar essa tecnologia para que ela propicie, além da acessibilidade financeira, um produto de qualidade. Não adianta ser acessível e não ser funcional – detalhou a discente.

 

O professor Pedro Henrique Gonçalves, que também é coordenador-geral do IPElab, explica que o laboratório tem um funcionamento profundamente interdisciplinar. Segundo ele, há a perspectiva de se fechar uma parceria com o Centro de Readaptação e Reabilitação Dr. Henrique Santillo (Crer) no sentido de se estudar a adaptabilidade das pessoas ao uso de próteses com impressão em 3D.

Pedro explica também que qualquer pessoa interessada nos serviços do IPElab – da indústria à saúde – pode entrar em contato pelo site do projeto. "Não há segredo algum! Pode procurar a gente! A gente buscará entender as necessidades e ver nossa capacidade para atendê-las".

 

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Professor Pedro Gonçalves vê na parceria com o Crer chance para próteses mais adaptáveis (Foto: Luana Borges)

 

Nas escolas

A falta de um produto no mercado. Recompõe-se o item perdido. A ideia de algo que não existe ainda. Desenha-se o novo. A abrupta perda de um membro do corpo. Pensa-se na acoplagem mecânica de um objeto, agora uma mão, afeita à necessidade humana de se agarrar às coisas.

Todo o leque de invenções. A criatividade potencializada pela tecnologia. E é na infância que os seres são mais abertos à livre potência do criar. Foi pensando nisso, isto é, na necessidade de se formar pessoas interessadas na inovação, que o IPElab saiu de suas unidades fixas e empreendeu uma nova iniciativa: o IPEvolante.

O projeto, desenvolvido por meio de uma parceria entre UFG e Secretaria de Estado de Educação (Seduc), foi criado para estimular a ideia de empreender e inovar nas escolas públicas estaduais no interior goiano. A equipe do IPE já mostrou as possibilidades de criação e prototipagem em cidades como Caiapônia, Palestina de Goiás, Iporá, São Luís de Montes Belos, Turvânia, Guapó, Trindade, Piracanjuba, Silvânia, dentre outras.

Canetas 3D, hologramas, pequenos robôs, olhos robóticos, óculos de realidade virtual, peças impressas, carrinhos automatizados, impressoras funcionando em tempo real: tudo isso se dispõe aos olhos do alunado.

 

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Objetos impressos em 3D ajudam no processo didático em escolas (Foto: Luana Borges)

 

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Os professores da rede estadual têm acesso a células táteis; IPEvolante torna ensino mais lúdico (Foto: Luana Borges)

 

— Os alunos ficam muito empolgados. Com os óculos de realidade virtual, você pode, por exemplo, entrar em uma célula, ir para dentro de um átomo. É possível reconstruir Roma, nos tempos antigos, e sair andando por ela... Você sai do papel e vai para uma outra escala de interatividade. É muito mais legal do que só na folha de papel! A imaginação, em um ambiente virtual, se potencializa – ponderou o professor Pedro.

 

Para a bióloga e engenheira ambiental Raquel Mashtue e para o arquiteto e doutorando Geovane Marques – os dois bolsistas no IPElab –, a maior alegria do laboratório é o IPEvolante. Raquel explica que os professores com foco em estudantes com autismo ou síndrome de Down veem uma possibilidade de se inserir, nas salas de aula, um formato dinâmico, criativo, interativo. Além dos elementos robotizados, fazem muito sucesso as impressões em 3D de peças do sistema solar ou de estruturas das células humanas. A escola inteira se movimenta.

 

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Raquel Mashtue e Geovane Marques destacam o IPEvolante como a grande vivência no IPElab (Foto: Luana Borges)

 

— Os alunos descobrem que a tecnologia não é algo tão distante assim! E é incrível ver os professores mentalizando as oportunidades de ensino que eles têm. São as classes especiais as que mais aproveitam – enfatizou Geovane.

 

17 de outubro. Senador Canedo. Último dia de apuração. Estudantes aguardavam a sua vez de visitarem, no estande do IPElab no Espaço das Profissões, a Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês). Transformavam-se, com os óculos de realidade virtual acoplados ao rosto, em astronautas presos à maquinaria da ISS. Mergulhavam em uma cena estrelar. E saíam maravilhados.

No laboratório de Inovação, Prototipagem e Empreendedorismo da UFG, a tecnologia reinventa o espaço.

 

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Em Senador Canedo, jovens "viajam" para a estação espacial ao colocarem os óculos do IPElab (Foto: Luana Borges)

Fonte: Secom UFG

Categorias: Inovação IPElab Tecnologia