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Universidade Federal de Goiás
React Antropologia

Pesquisadores da Antropologia se reúnem para pensar crise ambiental

Em 24/11/23 10:52. Atualizada em 24/11/23 15:39.

9ª Reunião de Antropologia da Ciência e Tecnologia (React) foi realizada na UFG

Texto: Carolina Melo
Foto: Evelyn Parreira

Após quatro anos sem um encontro presencial, a Reunião de Antropologia da Ciência e Tecnologia (React) promoveu sua nona edição na Universidade Federal de Goiás (UFG) entre os dias 21 e 24 de novembro. A conferência de abertura, realizada na terça-feira (21/11), recebeu a pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) e quilombola, Ana Mumbuca, e a indígena, linguista e pesquisadora do Coletivo Mixe (Colmix), do México, Yásnaya Elena Aguilar Gil. Ambas trouxeram reflexões críticas sobre os conceitos e a prática da "ciência" e da "tecnologia", que contribuem para problematizar as crises ecológicas da atualidade, tema central desta edição do evento. A mesa de abertura contou com a presença do diretor da Faculdade de Ciências Sociais (FCS) da UFG, Luiz Mello, da coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFG, Suzane de Alencar Vieira, e da membra da comissão organizadora do React, Indira Nahomi Viana Caballero (UFG).

A professora da UFG, Suzane Alencar Vieira, apresentou a intenção dos idealizadores do evento de promover a diversificação do encontro para além dos eixos Sul-Sudeste do país, mirando nas conexões mais interiorizadas e em parcerias com a América Latina. Segundo ela, o objetivo foi além do esperado. "Ficamos surpresos ao nos deparar com esse evento tão diverso, com representantes de diferentes países da América Latina e diferentes regiões do Brasil, e com uma rica diversidade étnica, racial e de gênero", afirmou. Segundo ela, a composição tão diversa do evento contribui para o objetivo de "trazer uma nova ótica ecológica para a percepção da crise ecológica global". "Acreditamos que esse é o lugar para apontar e criar posicionamentos críticos e reflexivos sobre as catástrofes que são consequências da mudança climática, da mineração, da utilização inadequada dos recursos naturais. Trata-se de um alerta que se faz através da Antropologia, mas também que a ultrapassa", afirmou.

 

React Antropologia

UFG recebeu Reunião de Antropologia da Ciência e Tecnologia depois de quatro anos sem encontros presenciais

 

Por sua vez, o professor Luiz Mello, durante as boas-vindas, convidou os conferencistas para aproveitarem e experienciarem a UFG, "um lugar querido, público, gratuito e comprometido com a construção social" e, de forma irreverente, apresentou a dinâmica de convivência do Campus Samambaia com os macacos da região. "Cuidado ao transitar pelos espaços com comida", brincou. "Os encontros presenciais são parte da alma do que fazemos, que é discutir a ciência e contribuir com novas alternativas para a sociedade e para o mundo", disse.

Ana Mumbuca e Yásnava Elena Aguilar Gil, convidadas para a conferência de abertura, cada uma com o seu olhar e a sua experiência social, cultural e acadêmica, trouxeram uma reflexão crítica sobre o conhecimento produzido pela universidade, e problematizaram os conceitos e práticas da ciência e da tecnologia, em um cenário mundial de crescimento das desigualdades sociais e de acirramento das crises ambientais.

Linguagem das pedras

Quilombola do Jalapão, Ana Mumbuco iniciou sua fala com uma música de seu quilombo, que conta a história do carcará e do urubu. A partir da cantiga de roda, a pesquisadora teceu uma argumentação sobre a invisibilidade que se oferta para as culturas ancestrais do Brasil, que trazem ricos conhecimentos sobre uma vivência social de coexistência com a natureza.

"Gostaria que a minha espiritualidade e a de meu povo fosse entendida. Para falar de um tema tão importante, é preciso entender as linguagens faladas nos quilombos, terreiros e aldeias. Precisamos ser professores dos professores. Quando a gente vem para a academia, a gente se esforça muito para entender, mas a gente precisa fazer o caminho reverso. O quilombo está ecoando a voz daqueles que sempre viveram no caos. O desastre ecológico não está ocorrendo agora, começou quando nos retiraram do nosso lugar ancestral. Os quilombos conseguiram 'confluenciar' com os povos que aqui estão. O Cerrado também é quilombola, que reverbera a energia da resistência, com suas raízes que bebem as águas dos mananciais. E pergunto: quais são as fontes que estamos recorrendo para beber água? De onde estão saindo nossas raízes?".

 

React

Quilombola do Jalapão (TO), a pesquisadora Ana Mumbuco (UnB) iniciou sua fala com uma música de seu quilombo

 

Voltando aos dizeres da cantiga de roda de seu povo, Ana destacou: "Urubu é um pássaro que come carniça e as piores mazelas de nossa sociedade e da dele. Urubu vive tanto. Poderia não ser chamado. Mas o carcará chamou. Esse chamado de estar aqui, quando pego no microfone, sinto uma responsabilidade muito grande, pois a academia precisa se esforçar para nos entender, e não no sentido metafórico. As nossas escritas precisam ser lidas como uma escrita que traz um recado ancestral para uma sociedade em que o caos foi gerado, não por nós. Não é nosso. E não queremos o peso de ter que salvar o mundo, pois nosso mundo não foi destruído e sim invadido, e com a invasão estamos dançando na festa da amiga onça. Nós, povos quilombolas, temos uma linguagem de resistência dos territórios. A Antropologia e outras áreas da ciência precisam compreender, ao entrar em qualquer terra, que é necessário pisar devagarinho, e entender que estamos construindo dia após dia, segredos, e se, com os seus métodos, descobrirem nosso segredo, não revelem se isso for destruir um povo. Cada segredo é muito caro e não podemos dar ao sistema nossas defesas construídas com muitas mãos, decididas a não morrer. Qual a ética nova que podemos construir?".

Para exemplificar a convivência do homem com a natureza, Ana fez uma reflexão sobre a convivência da comunidade acadêmica com os macacos no campus da UFG. "Macaco não pula em galho seco e não pula em galho que não é dele. Nunca falam de quem é o destruidor, o invasor. Quem é o responsável por essa ameaça? O que vamos fazer com a humanidade? Precisamos saber o que fizeram com os macacos. Precisamos entender porque o carcará chamou o urubu. O que fazer com o chamado? Com essa nova ética que podemos construir? Não podemos trazer para o campo da autocobrança, mas pela cobrança de viver no coletivo. Conseguimos construir outra realidade? Precisamos compreender a linguagem das pedras, do carcará, dos macacos para viver além dos títulos. Viva o povo que vive de verdade!".

Tecnologia para quem?

A linguista, escritora e pesquisadora mexicana Yásnava Elena Aguilar Gil, ao falar sobre a tecnologia que move a sociedade, recorreu de forma metafórica a uma pintura em tela com três cores mescladas e as relacionou a três sistemas de opressão: o patriarcado, o colonialismo e o capitalismo. "A cada realidade de nossa existência nos deparamos com essa pintura, que gera sistemas de segregação. E devemos ficar atentos para como o nosso próprio ativismo pode reforçar um deles, em forma de outro. O colonialismo é um projeto profundamente patriarcal e foi a condição necessária para a acumulação do capital. Não dá para ser anticolonial e anticapitalista e à favor do patriarcado, por exemplo. Temos que pensar as nossas estratégias para não reforçar nenhum dos lados", disse.

De acordo com a estudiosa, a "tecnologia" como a conhecemos funciona "nos três sistemas de opressão" e tem como base a divisão entre a natureza e a humanidade. Trata-se, segundo ela, da perspectiva da "tecnologia como instrumento através do qual o homem instrumentaliza a natureza" e, portanto, da tecnologia funcional aos sistemas de opressão, "como se você não fosse e não fizesse parte da natureza". Para retratar o quão patriarcal é esse cenário, Yásnava trouxe os dados da porcentagem de aprovação de patentes internacionais que dizem respeito a inovações tecnológicas criadas por mulheres: "são apenas 16,5%, quando o número de solicitações é menor de 40%".

 

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Pesquisadora mexicana Yásnava Aguilar abordou os três sistemas de opressão: patriarcado, colonialismo e capitalismo

 

"O colonialismo e o desenvolvimento tecnológico têm relações muito próximas, assim como o capitalismo e a tecnologia desenvolvimentista. O capitalismo é necessário para o desenvolvimento tecnológico? A natureza se torna um bem de consumo, e justifica-se pelo avanço tecnológico". Mas as consequências, segundo a pesquisadora indígena, estão postas: "Essas ferramentas estão levando a humanidade a um sintoma, o aquecimento global, que está ameaçando a viabilidade da vida humana. O aquecimento global cresce assim como a desigualdade social, portanto, não se vislumbra a justiça social. A tecnologia não nos deu uma melhor qualidade de vida. Ela está trabalhando para a acumulação de renda. Vamos sentir cada vez mais os efeitos das ações. A emergência é um tsunami. Qualquer tema estará atravessado por esses três grandes sistemas de opressão".

Para pensar em outras formas possíveis de existência e organização social, Yásnava fez uma introdução sobre o significado do que é ser "indígena", que, segundo ela, é um conceito muito mais estratégico e que, portanto, deve ser questionado enquanto categoria cultural, uma vez que existem "indígenas" em diversas partes do mundo, com culturas absolutamente diversas. "Certamente não é uma categoria cultural, então é um conceito político e ligado à formação dos estados-nação. É necessário desculturalizar o conceito. Os povos indígenas são nações sem Estado que sofreram algum tipo de colonialismo. Portanto, é uma categoria política, não cultural e parcialmente identitária".

 

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Público presente ao evento acompanhou reflexões críticas sobre os conceitos e as práticas da "ciência e da "tecnologia"

 

Nesse sentido, segundo a pesquisadora indígena, apesar de existirem muitas opções de organização da vida em comum, como "república, estado-nação, estrutura tribal, comunalidade, estrutura clânica, entre outras", existe na atualidade uma "monocultura sócio-política", que é o estado-nação. "Estado-nação enquanto monocultura global, como um projeto não das mulheres, e sim um projeto patriarcal, vinculado ao colonialismo e à proteção da propriedade privada, e funcional aos três sistemas de opressão. Matam toda outra manifestação ou possibilidade de existir. Tem o controle das fronteiras, o direito espacial, que se projeta no espaço".

Entre outras opções, segundo Yásnava, há a comunalidade, uma dinâmica anticolonialista formada por indígenas de Oaxaca, no México, e descrita pelos antropólogos Floriberto Díaz e Jaime Marinez Luna. "Trata-se de um sistema que os povos indígenas da Mesoamérica desenvolveram durante o colonialismo para resistir à opressão. Para resistir, foram criadas comunidades mais ou menos autônomas, que funcionam sem partido político e todos devem fazer parte do governo local, de quatro em quatro anos. Tem como base, entre outras, a tecnologia da reciprocidade, a reciprocidade entre famílias e o trabalho em conjunto". Para a pesquisadora indígena, outras tradições tecnológicas precisam ser iluminadas. "A natureza e a humanidade não estão separadas. É necessário questionar as definições de progresso e desenvolvimento atuais".

Fonte: Secom UFG

Categorias: Humanidades REACT