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Universidade Federal de Goiás
Frei Marcos - Pietro Sassatelli

Homenagem aos 63 anos da UFG

Em 27/12/23 11:18. Atualizada em 27/12/23 12:17.

Nas comemorações de aniversário, Frei Marcos Sassatelli propõe o debate da não-neutralidade da Ciência

Frei Marcos Sassatelli*

Frei Marcos - Pietro Sassatelli

Como professor de Filosofia aposentado da Universidade Federal de Goiás (UFG) - com muita honra - uno-me aos estudantes, funcionários e funcionárias, professores e professoras, pesquisadores e pesquisadoras da UFG nas homenagens prestadas à Universidade pelos seus 63 anos de existência.

Não pude estar fisicamente presente na sessão solene da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego), proposta pela deputada Bia de Lima (06/12/23) e da Câmara Municipal de Goiânia (14/12/23: dia do aniversário à noite), mas estou unido a todos e todas vocês. A UFG merece! 

Na sessão solene da Câmara Municipal de Goiânia, a reitora Angelita Pereira de Lima, em seu discurso, lembra-nos que a Instituição “mesmo sendo uma Universidade jovem, figura entre as mil melhores do mundo em todos os rankings”. E conclui: “Temos muito que comemorar e celebrar e, principalmente, muito a agradecer à Comunidade externa” (O Popular, 15/12/23, p. 20). No artigo “A UFG nasceu para ser de Goiás”, a reitora escreve: “Em 2023, a UFG posicionou-se nos principais rankings internacionais entre as 5% maiores e melhores do mundo” e “está entre as 20 melhores do país” (Ib., 20/12/23, p. 3).

Como eterno aprendiz de filósofo - em homenagem à UFG pelos seus 63 anos de existência - coloco para nossa reflexão (no breve espaço de um artigo) uma questão que considero de fundamental importância, sobretudo hoje, na vida das Universidades: a questão da “não-neutralidade” ou da “não possibilidade da indiferença política” da ciência. 

Embora essa questão refira-se a todos os momentos do processo do conhecimento - comum (a maioria dos nossos conhecimentos, mesmo dos cientistas, são do conhecimento comum), científico, filosófico e teológico - devido ao extraordinário desenvolvimento das Ciências - ela é particularmente sentida e debatida quando se trata do conhecimento científico. 

Em sentido amplo, conhecimento científico é todo conhecimento metódico e sistemático; em sentido estrito, é o conhecimento metódico e sistemático que se fundamenta na observação rigorosa e na verificação experimental dos fatos ou fenômenos. O objeto do conhecimento científico pode ser a realidade natural (o mundo material e vivente) e/ou a realidade humana (o mundo especificamente humano). O sujeito do conhecimento científico é sempre o ser humano.

Portanto, do ponto de vista do objeto do conhecimento, podemos distinguir as Ciências em "Ciências naturais" e "Ciências humanas"; do ponto de vista do sujeito do conhecimento, todas as Ciências são "Ciências humanas".

À postura da chamada “neutralidade científica” podemos fazer uma "crítica externalista" e uma "crítica internalista".

A "crítica externalista" procura revelar os mecanismos que condicionam externamente a prática científica. "Esse tipo de crítica, que investiu contra a concepção ingênua, segundo a qual a ciência seria um produto do espírito desligado das situações socialmente determinadas, tem mostrado que as ideias científicas partem necessariamente de um contexto social, são favorecidas ou entravadas por ele, mas, de qualquer forma, dependem dele como contexto de gênese, como o solo do qual brotam. Com mais ênfase, esse tipo de crítica tem mostrado que a atividade científica não se esgota em puro conhecimento, pura ideia, mas retorna ao meio social na forma concreta de utilização prática de seus resultados. Dessa maneira, a crítica à neutralidade científica situa a atividade científica no contexto social mais amplo mostrando que ele é, ao mesmo tempo, o contexto de gênese e de utilização do conhecimento científico" (MENDONÇA, W. Sobre a Neutralidade Científica, em "Encontros com a Civilização Brasileira", 12 (1979) 226. Cf. também: JAPIASSU, H. O mito da neutralidade científica. Imago, Rio de Janeiro, 1975).).

A "crítica externalista" à “neutralidade científica” é "muito sensível aos aspectos institucionais da prática científica, frequentemente deixados de lado pelo discurso da Filosofia da Ciência". Ela contribui "para orientar uma ação política a respeito da ciência" e representa "um verdadeiro progresso para a compreensão das implicações sociais do conhecimento científico" (Ib.). Não consegue, porém, vincular definitivamente conhecimento científico e sociedade, negando, assim, a possibilidade da neutralidade científica.

A "crítica internalista" à neutralidade científica - mesmo reconhecendo a importância da crítica ideológica ao contexto social de gênese e de utilização do conhecimento científico - estende esta mesma crítica ao contexto específico da prática científica, isto é, ao espaço interno da ciência.

Ela mostra que "antes de qualquer aplicação específica do conhecimento, há uma ligação profunda entre o projeto científico e o projeto social. Uma tentativa neste sentido exige que o universo do discurso científico, por um lado, e o universo da palavra e da ação correntes, por outro lado, sejam postos em correspondência como regidos pela mesma lógica. Segundo este modo de ver as coisas, as regras que definem as práticas sociais operam também nas abstrações do conhecimento científico, isto é, operam internamente no discurso da Ciência. Somente assim resulta eliminada a separação entre conhecer e valorar, ou entre saber e agir; numa palavra, somente assim mostra-se que o conhecimento científico é fato político" (Ib., p. 229).

Falamos aqui do conhecimento científico como atividade humana e não dos produtos materiais obtidos através dele (exemplo: o computador). Estes, enquanto formulações acabadas das teorias científicas, são os resultados finais da pesquisa científica, ou seja, de todo o processo do conhecimento científico e não têm conotação político-ideológica (Cf. Ib., p. 227-228).

Por fim, podemos dizer que - na Filosofia da Ciência - todas as ciências ganham um sentido mais profundo e mais humano.

*Marcos Sassatelli é frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP), professor aposentado de Filosofia da UFG

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