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Universidade Federal de Goiás
Inova

INOVA

Em 06/03/24 10:47. Atualizada em 06/03/24 10:50.

Por que a mulher não tem (mas deve ter) expressão na propriedade intelectual?

Tatiana Ertner*

Quer seja em sua dedicação ao incentivar seus familiares, amigos, colegas de trabalho a por em prática sua criatividade, quer seja na comunicação de saberes tradicionais, advindos de gerações anteriores, ou na batalha para colocar as próprias ideias em prática, as mulheres exploram suas inegáveis habilidades naturais para também impulsionar desenvolvimento social e econômico. O problema é que, na maioria das vezes, o fazem por meios diferentes dos reconhecidos pelo mercado.

Infelizmente, a forma de atuar com respeito à utilização da criatividade para inventar e inovar é ensinada diferentemente a meninos e meninas. As sociedades preparam os meninos para se expor em seu meio, com o intuito de que os meninos se tornem dominantes e sejam confiáveis como provedores da família. Isso quer dizer que os meninos são ensinados, desde o berço, a serem corajosos e autoconfiantes.

O mesmo não ocorre com as meninas. Elas são ensinadas, em todos os seus ambientes, a promoverem os seus próximos, a reconhecerem as virtudes dos outros e a usar as suas para viabilizar os feitos dos demais.

Na verdade, não há nada de errado nisso, inventores autoconfiantes mudam vidas, pessoas altruístas, que reconhecem as habilidades de outros e os ajudam a desenvolvê-las, também mudam vidas e são igualmente necessárias. O problema, no entanto, está no fato de que se acredita haver uma "predisposição" masculina a ter o primeiro perfil e uma feminina ao segundo. Será isso mesmo? Ou isso é resultado de um doutrinamento?

De todo modo, os dois últimos séculos foram transformadores para as mulheres. Temos visto mais e mais mulheres atuando no mercado de trabalho, desempenhando papéis-chave, tendo sua liberdade financeira, entre outras importantes, não sem luta. Mas há desigualdades que têm se mostrado difíceis de mitigar, entre elas, a desigualdade, principalmente no que diz respeito à formação das mulheres nos temas da ciência, tecnologia, matemática e engenharia (STEM), o que torna a participação das mulheres, também na proteção da propriedade intelectual, bem inferior à dos homens.

O British Council e a Unesco, em seu relatório sobre a participação das mulheres em STEM na América Latina (relatório completo "Uma Equação Desequilibrada: Aumentar a participação das mulheres em STEM na América Latina e Caribe") , em 2021, identificaram alguns fatores responsáveis por essa desigualdade, entre eles:

- Falta de conscientização entre as gerações mais jovens sobre o potencial dos estudos da área STEM;
- O sexismo da sociedade que afeta o desenvolvimento dos estudos de nível superior, influenciando, portanto, o acesso aos altos cargos em empresas;
- Falta de modelos femininos para aumentar o interesse na área de estudo;
- A carência de informação no dia a dia sobre as carreiras em STEM, que são compreendidas como sendo mais difíceis.

Para enfrentar esses desafios, o relatório propõe que sejam estabelecidas políticas públicas que viabilizem projetos inclusivos, e sugerem uma abordagem de ciclo de vida que inclua pesquisadoras iniciantes, mas envolvam as mais experientes também.

Embora se saiba diagnosticar as causas das desigualdades da formação e do interesse das mulheres nas áreas STEM e haja programas e políticas direcionados mundialmente a mitigar essa desigualdade, o fato é que, enquanto essas ações não considerarem as peculiaridades do papel desempenhado pelas mulheres nas diversas culturas e sociedades, não haverá o resultado esperado, infelizmente.

Devemos considerar que as mulheres representam quase 50% da população mundial e, no Brasil, segundo o Censo de 2022, representam 51,5% da nossa população. Ainda assim há uma participação ínfima das mulheres na proteção do produto intelectual, o que também significa baixa participação na produção de conhecimento e desenvolvimento tecnológico. A WIPO aponta que, em 2021, 16,5% das patentes com depósito internacional foram realizados por mulheres e que, de acordo com o ritmo de crescimento, a paridade de número de depósitos de patentes via tratado de cooperação em matéria de patentes (PCT) só será alcançada em 2053. Isso significa que as mulheres também estão à margem das empresas que produzem conhecimento e tecnologia e não têm representatividade nas atividades produtivas similar à sua representatividade quantitativa.

Aqui, tenho uma crítica particular, não precisam concordar. Embora com o intuito de evidenciar um problema que precisa ser tratado, ao apresentar esses dados, a WIPO está se comunicando com a porção da sociedade preparada para reagir, ou seja, a porção masculina, criada para isso. A comunicação para a porção feminina só é recebida como: "não, não é na geração de vocês, meninas, que vocês se tornarão igualmente produtivas". E é assim que sempre temos visto todas as comunicações: voltadas para os que leem as provocações para agir com confiança.

Quem se comunica com as mulheres? Como se comunicariam com elas? Afinal, a mudança desse cenário não está nas mãos masculinas (a não ser que assumamos que a mudança só ocorrerá com a interferência masculina), mas nas mãos das mulheres que acreditarão em si mesmas, inventarão, se sentirão autoconfiantes, buscarão a proteção do seu patrimônio intelectual e farão valer os seus direitos!

Como comunicar esse dado a elas?

Que tal, invocando seu senso de pertencimento, mostrando que são necessárias e que todos contam com seu envolvimento? Que tal dizer: "meninas, também precisamos de vocês!".

O papel da mulher como a promotora da união familiar, a educadora, a zeladora do bem-estar do seus não muda, mesmo quando o seu parceiro no comando da família se dispõe à divisão dos papéis. As prioridades ensinadas às mulheres e praticadas nas diversas culturas são as de sua responsabilidade para com outrem, não aquelas voltadas à sua própria formação, ao seu preparo para atuar no mundo.

Elas aprendem, sim, o mundo tem exemplos de mulheres desempenhando papéis primorosos, por exemplo, no comando de indústrias, no âmbito da pesquisa científica, mas isso nunca é alcançado por meio da mesma trilha que um homem trilhou. Para que a mulher realmente tenha sucesso no mundo da área STEM e da produção intelectual, é preciso que as ações e políticas olhem diferentemente para a realidade feminina, respeitem a mulher no seu papel gerador da vida, educador de novas mentes produtivas, acolhedora e mantenedora dos saberes de seus ancestrais e, principalmente, respeitem também seu impulso e desejo de liberar sua criatividade e ver suas invenções mudarem o mundo com as mesmas oportunidades que aquelas advindas de um homem. Igualdade não significa ter as mesmas oportunidades, mas ter as mesmas chances, considerando suas peculiaridades.

 

* Tatiana Duque Martins Ertner de Almeida é professora do Instituto de Química, coordenadora de Internacionalização do IQ, mantém linhas de pesquisa sobre propriedade intelectual, projetos de extensão de PI no ensino básico e coordena o curso de especialização em Propriedade Industrial da UFG.

 

Os artigos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a opinião do Jornal UFG.

Fonte: IQ

Categorias: colunistas Tecnologia IQ