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Universidade Federal de Goiás
Pint of Science

Ciência alegre, sem perder o rigor

Em 17/05/24 17:08. Atualizada em 27/05/24 13:42.

Pint of Science leva discussão científica à mesa do bar; casas cheias provam que goianienses se interessam pelo tema

Luana Borges

Com a proposta de popularizar a ciência, tornando-a acessível a diferentes públicos, a Universidade Federal de Goiás (UFG) encampou, no início desta semana, o Pint of Science em Goiânia. O evento, de origem inglesa, ocorre simultaneamente em vários países do mundo, e na capital foi organizado pela Secretaria de Comunicação (Secom) e pela Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PRPG) da UFG. Entre os dias 13 e 15 de maio, de segunda a quarta-feira, um público heterogêneo e animado celebrou a ciência na mesa dos bares Rock Uai, no Setor Nova Suíça, e Public 36, no setor Marista.

A programação geral foi coordenada por Márcia Araújo, servidora da Diretoria de Difusão da Produção Acadêmica da Secom, e, no Rock Uai, contou com a coordenação da professora Nádia Costa, da Faculdade de Odontologia (FO) da UFG. Neste bar, enquanto petiscavam e tomavam de sucos a drinks, de refrigerantes a chopes, as pessoas eram convidadas a uma escuta pouco provável no botequim: em vez de se contarem as costumeiras anedotas cotidianas na mesa de bar, ora se falava sobre inteligência artificial, ora sobre computação quântica, ora se ouviam poesias de autoras contemporâneas.

Foram três as apresentações no Rock Uai. Na segunda-feira (13/5) o professor Ricardo Limongi, da Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Ciências Econômicas (Face) da UFG, falou sobre o uso da inteligência artificial e sobre a interferência do ChatGPT na vida cotidiana da população. Na terça (14/5) foi a vez de Guilherme Luiz Zanin, docente do Instituto de Física (IF) da UFG, explicar sobre computação quântica, uma revolução tecnológica já presente, mas ainda pouco perceptível pelas pessoas no dia a dia.

Na quarta-feira (15/5) o encerramento do evento ficou por conta do projeto de extensão Corpo de Voz. O grupo é composto por 13 pessoas, dentre elas os docentes Jamesson Buarque, Tarsilla Couto e Wilton Júnior, da Faculdade de Letras (FL) da UFG. O Corpo de Voz, neste último dia, transformou poesias contemporâneas em um espetáculo sonoro intitulado o Livro das Águas. Revolta pelo massacre cotidiano, fé e axé, ternura, luta com a palavra para significar os anseios humanos, da dor do corpo às dores emocionais… Tudo isso pôde se ouvir naquelas mesas de bar.

 

Pint of Science

Público marcou presença no Rock Uai Bar e Pub e parte interna do bar ficou sempre lotada (Foto: Luana Borges)

 

Saber perguntar

 

O cérebro eletrônico comanda, manda e desmanda
Ele é quem manda, mas ele não anda
Só eu posso pensar se Deus existe
Só eu
Só eu posso chorar quando estou triste
Só eu
Eu cá com meus botões de carne e osso.
(Gilberto Gil)

 

Nem apocalíptica nem integrada, como diria o semiótico italiano Umberto Eco: para o professor Ricardo Limongi, a inteligência artificial (IA), embora transformadora das esferas de trabalho no mundo atual, não significará a derrocada apocalíptica da humanidade, tampouco a redenção integradora de todos para uma vida melhor. A verdade, para Ricardo, é que a sociedade tem de aprender a usar a ferramenta: tem de aprender a fazer boas questões.

"O grande desafio é nortear o uso da IA, é compreender como fazer a pergunta, é aprender a criticar o que se recebe. Tentem entender o que vocês estão perguntando. Por mais que seja cansativo, tentem entender a lógica de recomendação. A inteligência artificial não pode ser o fim. Ela tem de ser o meio do processo", pontuou o professor.

Para ele, outro desafio se refere às respostas emocionais. Ricardo citou o caso das casas de apostas em um jogo entre os tenistas Daniil Medvedev e Rafael Nadal. Os apostadores, mapeados pelas projeções feitas pela IA – que estimavam a chance de 64% de vitória do russo contra apenas 36% do espanhol Nadal –, não contavam com a garra do tenista da Espanha, que estava com a costela trincada, sendo dez anos mais velho que seu oponente. Segundo o professor, na transmissão pela TV, a câmera captou o movimento certeiro – e determinado – da boca de Rafael Nadal: eu vou ganhar esse jogo!

"Se eu levasse em conta apenas a IA, eu não contaria com a vitória de Nadal. Mas ele ganhou por 3 a 2. Por conta disso, as áreas que mais avançam, no ramo da inteligência artificial, se referem ao Processamento de Linguagem Natural. Mas elas ainda não dão conta de compreender, por exemplo, o sarcasmo. Para a IA, o grande desafio é o tal do ser humano", ponderou, com certo alívio para a plateia, o docente.

No público, estavam pessoas como Alan da Rosa, analista de Pesquisa e Desenvolvimento do grupo Equatorial Energia. Ele foi aluno do professor Ricardo há 12 anos, quando ainda era graduando na UFG. "Estar neste evento e assistir a uma aula sua, depois de todo esse tempo, para mim é uma honra", disse.

A era da superposição

No primeiro dia do evento no Rock Uai Bar e Pub, a preocupação foi com a tecnologia que já está na palma das mãos, ao alcance de todos. Já no segundo dia, o assunto se deslocou para algo menos cotidiano: a computação quântica. Em suma, como explicou o professor e físico Guilherme Zanin, essa área se difere da computação clássica pelas capacidades de superposição e emaranhamento, que garantem um aumento poderoso na capacidade de processamento desses computadores e na precisão de seus cálculos.

Guilherme explicou que empresas como a IBM já estão investindo muito nessa área. As aplicações práticas? O cientista citou algumas: no desenvolvimento de novos medicamentos, a ciência quântica pode ajudar a descrever moléculas gigantes, que demandam cálculos super precisos, com um nível de exatidão que possibilita novas descobertas. "Você conseguiria compreender a dinâmica de toda a molécula, sem ter de sintetizá-la", explicou.

Para a compreensão de sistemas dinâmicos em tempo real – como a otimização logística de rotas no trânsito e de tráfego de mercadorias –, a mecânica quântica também é capaz de precisar o processo de forma bem menos complicada, se comparada à mecânica clássica. Outra aplicação é na área de proteção de dados. "As informações criptografadas com mecânica quântica são inquebráveis. Você não consegue copiar o dado", ponderou Guilherme.

 

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Professor Guilherme Zanin e ganhadores do quiz interativo na área de computação quântica (Foto: Luana Borges)

 

Nerds e leigos

No dia em que Guilherme Zanin fez sua apresentação, entre dezenas de mesas lotadas, havia, no mínimo, duas de "iniciados", ou seja, mesas compostas por físicos e químicos que ali apreciavam, além dos números, os petiscos, as bebidas e a boa prosa. Quem olhava de longe para este grupo parecia observar uma noite entre os amigos de Sheldon Cooper, o famoso personagem nerd da série cômica The Big Bang Theory. Houve muitas perguntas. E o professor se esforçou, com sucesso, para dar respostas aos entendidos, mas sem se esquecer do público leigo.

"Na computação clássica temos os bits: 0 ou 1. Isto é: pode passar ou não passar a corrente elétrica. Na mecânica quântica, isso pode ser simultâneo: pode ser 0 e 1. Pode passar e não passar energia ao mesmo tempo". Muda-se a conjunção. "Isso é o que chamamos de superposição: este estado maluco. Em vez de termos um estado que tem somente os valores 0 e 1, podemos ter estados de superposição. Assim, as coisas são probabilísticas, e não deterministas". Com essa explicação, o professor praticamente desenhava, aos de fora da área, os motivos para a alta eficiência dos computadores quânticos.

 

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Corpo de Voz vocaliza 12 poemas no encerramento do Pint of Science em Goiânia (Foto: Luana Borges)

 

Poesia-corpo

Do abstrato numérico – com números que dão precisão ao invisível – ao abstrato artístico: com palavras que captam o indizível. Este foi o salto que fez o Pint of Science no Rock Uai Bar e Pub, no último dia do evento. Com os artistas – todas e todos poetas atuantes – do projeto de extensão Corpo de Voz, o público escutou 12 poemas. Mas não se tratou de uma escuta passiva. O bar se silenciou e era visível, nas expressões dos rostos, que os ouvintes, de fato, sentiam o que diziam os poetas.

Foi o que contou a mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos (PPGCTA) da UFG, Shannon Perrone. Vinda da Califórnia, nos Estados Unidos, e com um português impecável para quem está no Brasil há apenas dois anos, Shannon estava no bar e se admirou com a apresentação do Livro das Águas.

O livro se abre assim: às oito da noite, na quarta-feira, 15 de maio, os artistas do Corpo, com voz forte, entoaram – não só cantando, mas bradando – os versos de Pedro Amorim e Paulo César Pinheiro:

 

Quanto nome tem a Rainha do Mar?
Quanto nome tem a Rainha do Mar?
Dandalunda!Janaína!
Marabô! Princesa de Aiocá!
Inaê! Sereia! Mucunã!
Maria! Dona Iemanjá!

 

Segundo a mestranda, a referência aos orixás foi o que mais a impressionou. "É muito importante que o Pint of Science traga também essa questão. Eu vi hoje que a [cantora] Anitta perdeu muitos seguidores com o clipe sobre as religiões africanas. Para mim, que sou estrangeira, é importante ver que a cultura brasileira não pode ser restrita à cultura branca. Ela vai muito além disso: todas as culturas que compõem esse país precisam ter visibilidade, especialmente nestes tempos", disse Shannon.

 

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Professor Wilton Júnior em performance no Livro das Águas no bar Rock Uai (Foto: Maria Ritha Paixão)

 

Livros volantes

O professor Jamesson Buarque, coordenador do Corpo de Voz desde o seu início, há 15 anos, explicou que a emoção sentida pelo público é decorrente de muito trabalho: a peça completa tem 33 poemas, divididos em três atos. No Rock Uai, foi apresentada uma versão pocket, com 12 textos escritos por mulheres atuantes na contemporaneidade – entre indígenas, negras e brancas. Jamesson ponderou ainda que o trabalho de seleção para compor os livros vocalizados requer muito estudo. Conforme explicou, estuda-se muito em nível teórico, com o objetivo de se fazer uma seleção com coesão e, ainda, uma curadoria inteligente – capaz de descobrir, no cotidiano, novas poetas. Para ele, quando o espetáculo chega ao público, vê-se apenas o resultado, que deve parecer fluido e simples, de um processo que é complexo.

Além dos estudos referentes à seleção e à crítica, estuda-se em nível cênico. "Você lê, mas não faz uma leitura reta. Você faz uma interpretação", explicou, dizendo da importância de se apresentar com a folha em mãos. De acordo com Jamesson Buarque, a ideia é mostrar que se trata de poesia vocalizada, e não de um texto dramático teatral: daí a importância das mãos que seguram o papel. Na peça, o efeito é realmente potente: o próprio tremelicar da folha nos dedos da artista, a passagem da palavra escrita de lá para cá, o branco das vestes e o branco dos blocos à mão emprestam dramaticidade à leitura.

Fora o Livro das Águas, apresentado em versão reduzida no Rock Uai, o Corpo de Voz vai vocalizar, ainda neste ano, o Livro do Fim do Mundo – a ser interpretado no dia 20 de junho na Casa Liberté – e o Livro das Monstras – no dia 8 de agosto, no Tô Bar. Mas não há um objeto físico a que o leitor tenha acesso, manuseável: os livros são letras volantes, são leituras escutadas, têm corpo na voz.

"O grupo surgiu nas oficinas que eu dava, no curso de Licenciatura, na disciplina de estágio em Língua Portuguesa. Eu levava estudantes às escolas públicas de periferias. O nome surgiu dos alunos: eu falava muito de corpo e de voz, sobre essa coisa orgânica da performance vocal… E os alunos me perguntavam: vai ter oficina? Vai ter corpo de voz? E assim ficou", explicou Jamesson.

 

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Reitora da UFG, Angelita Pereira de Lima, também prestigiou o Corpo de Voz (Foto: Maria Eduarda Arruda)

 

Respeito pela ciência

A reitora da Universidade, professora Angelita Pereira de Lima, e o vice-reitor, professor Jesiel Carvalho, estiveram presentes por todos os dias do Pint of Science no Rock Uai. Para Jesiel, que é doutor na área de Física, o evento integra uma gama de esforços, por parte da UFG, para mobilizar a população em torno de suas áreas de atuação.

"Um dos grandes desafios da modernidade é exatamente este: fazer com que a população em geral tenha algum nível de educação científica não formal e, portanto, desenvolva um sentimento de apreciação, de respeito pela ciência. Porque o nosso futuro, o futuro da humanidade, depende de que a sociedade reconheça a relevância da ciência para as nossas vidas", alertou o vice-reitor.

 

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Reitora Angelita Lima e vice Jesiel Carvalho com organizadores e participantes (Foto: Maria Eduarda Arruda)

Fonte: Secom UFG

Categorias: divulgação científica Institucional PRPG