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Universidade Federal de Goiás
Literatura UFG

Na sala de aula, o olhar sensível do poeta

Em 11/07/24 15:18. Atualizada em 11/07/24 15:20.

Universidade estimula e inspira produção literária de estudantes e professores

Eduardo Bandeira

Além de ser berço de produção científica, o espaço universitário também é responsável por fomentar a produção literária. Seu ambiente diverso e multicultural inspira e propicia a fabulação e a poesia de novos e consolidados escritores, que muitas vezes passam despercebidos pelos corredores das unidades acadêmicas e salas de aula.

O Jornal UFG foi em busca de alguns desses autores e autoras, entre estudantes e professores da Universidade Federal de Goiás, para conversar sobre o envolvimento com a literatura, o processo de criação e o estímulo que encontram no ambiente universitário.

 

Pint of Science

Grupo Corpo de Voz durante o Pint of Science 2024: participantes realizam performance vocal dramatizada de poesia (Foto: Luana Borges)

 

Jamesson Buarque e a releitura da tradição popular nordestina

Poeta, professor e diretor da Faculdade de Letras (FL/UFG), Jamesson Buarque de Souza veio de Recife (PE) para Goiânia em 2001 para fazer mestrado e doutorado. Inspirado pela mãe, que, apesar de não ter terminado o ensino médio, era uma leitora assídua, a semente da literatura foi plantada em sua vida.

"Minha mãe sempre foi uma contadora de histórias de família, e as contava como quem conta uma narrativa épica. Também em Pernambuco, enquanto estava na cidade de Recife, era muito comum nas feiras populares, de rua, e no litoral, ouvir contadores repentistas", lembra.

Durante a adolescência, Jamesson começou a se interessar por atividades culturais. E foi no ambiente universitário que ele teve a oportunidade de disseminar sua produção. Sua poesia é resultado de uma mescla da tradição popular nordestina com um experimentalismo próprio. O autor costuma produzir trabalhos que fojem formalmente do padrão. Ele busca provocar outras sensibilidades e impactos, que dialogam com uma prática poética focada em preocupações políticas e que vêm de seu histórico de militância.

A principal dificuldade enfrentada pelo autor foi em relação à publicação de sua obra. Tanto que seu primeiro livro, "Os delírios", foi publicado de forma independente e com montagem completamente manual. Foi somente quando inscreveu sua produção em concursos que as publicações passaram a ser mais acessíveis.

Em 2008, já autor e docente, iniciou um projeto para realizar oficinas de poesias – o grupo Corpo de Voz. Os encontros, que no início eram quinzenais, ganharam maior proporção e, em 2010, motivaram as apresentações públicas. Atualmente, o grupo de literatura desenvolve criação e espetáculos de leitura com performance vocal dramatizada de poesia.

"No âmbito da Universidade, é importante que haja a organização em torno de uma unidade acadêmica, como é a nossa, que tem profissionais com a expertise para disseminar esse conhecimento. E a partir daí vamos para além de suas paredes, com o suporte e toda a comunicação da Universidade".

Para despertar o interesse de novos escritores, Jamesson, enquanto professor, aposta nas oficinas de escrita. São espaços, segundo ele, para se adquirir habilidades, conhecer perspectivas, gêneros de escrita e refinar o processo de criação. "Por meio das oficinas, as pessoas se conhecem, começam a fazer grupos, trocam informações entre si".

 

Literatura UFG

Poesia do professor Jamesson Buarque é resultado da mescla entre tradição popular nordestina e experimentalismo próprio (Foto: Arquivo Pessoal)


Piter Salvatore e a escrita independente

Na comunidade universitária, escondem-se e encontram-se jovens autores que, ao longo da jornada acadêmica, são inspirados a produzir e divulgar literatura, mesmo que de forma independente. Piter Salvatore, pseudônimo de Pedro Augusto Teixeira, graduando de Jornalismo na UFG, conta que desde muito novo gostava de inventar histórias. Como era uma criança muito solitária, criava universos e tentava encená-los de alguma forma.

"Meus primeiros livros eram bem amadores, porém fui me aperfeiçoando. De lá para cá, transitei por vários gêneros, mas achei no terror e na darkfantasy minhas paixões, e também no que chamamos de gótico". Pedro, que já escreveu em sites de fanfictions e histórias compartilhadas, considera seus textos, nessas plataformas, projetos experimentais.

Em 2023, o estudante encontrou sua voz literária. "Vi que meu objetivo e diferencial como escritor era trazer personagens alternativos para literatura, existências góticas, e também um pouco do Brasil e de Goiás". Nesse mesmo ano, o autor lançou sua primeira obra, com a publicação de "Renascimento Sombrio" em e-book.

Na Universidade, teve a oportunidade de aprender e explorar novas técnicas de escrita. As disciplinas de Crônica e Crítica Literária e de Produção de Texto Jornalístico III, por exemplo, estimularam sua prática na escrita cronística, na crítica de arte e na argumentação.

Para Pedro, é importante que o ambiente universitário invista em iniciativas que estimulem a produção literária por parte dos discentes e docentes. Cursos de escrita valendo horas complementares, extensões, eventos, congressos, simpósios e iniciações científicas são oportunidades consideradas interessantes pelo autor.

 

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Piter Salvatore, estudante de Jornalismo da UFG, encontrou no terror e na darkfantasy suas paixões (Foto: Arquivo Pessoal)


Rose Carreira e o papel do letramento

Por mais que a paixão pela escrita possa ser a principal força motriz de um autor, a instrução adequada é indispensável. Nesse sentido, a professora do curso de Letras da UFG, Rose Carreira, discute o papel da Universidade na formação de bons escritores de literatura nesta entrevista para o Jornal UFG.

 

Qual a diferença entre ler e escrever no dia a dia e ler e escrever criticamente?

Rose Carreira – Existem funções na leitura, por exemplo, a função social, quando você lê por prazer, para estudar ou por curiosidade. Já no que diz respeito à produção, alguns obviamente têm um talento natural para a escrita, mas, mesmo aqueles que têm talento, precisam de aprimoramento. Às vezes o estudante chega com uma auto-imagem muito fragilizada em relação ao leitor e ao escritor que ele é. Também tem aquele aluno que acha que não é leitor, ele diz que ele não lê, e na verdade ele não lê aquilo que a escola gostaria que ele lesse. Mostrar para esse leitor que ele lê, e muito, e que existem outras leituras, de literaturas, e que essas literaturas também são acessíveis para esse tipo de leitor, é um trabalho que demanda tempo.

 

Como é possível ter indícios da afinidade de um jovem com a escrita?

Temos a escrita criativa. Nela, muitos começam imitando o estilo ou estética de algum autor. A fanfic é isso, a imitação de uma estética, a continuação, aquele desejo que o leitor tem de que o autor fizesse de outra forma. Então você se apropria dessa autoria para dar um outro caminho para o enredo.

 

Para você, o que é literatura?

Eu acho que a literatura é libertação. É resistência. Ela lê a gente, leva para outras culturas, para outros universos, outras realidades, então, de certo modo, a literatura liberta, protege. A literatura é acolhimento, é universal. A boa literatura se torna clássica porque ela resgata o que há de mais humano em nós.

 

Como você percebe as manifestações de leitura e escrita na comunidade acadêmica atualmente?

Nossos estudantes estão lendo ficção científica, estão escrevendo ficção científica, estão lendo horror, romance, humor, terror, romance policial, eles adoram linguística forense. Faz sucesso porque eles querem investigar, e eles escrevem sobre isso.

 

Como você percebe o papel do ambiente universitário para a composição de leitores e autores?

Eu acho que a universidade está se abrindo gradativamente para isso, ela já foi mais elitista, eu acho que ela vem mudando. Temos grandes projetos de produção e de leitura desenvolvidos em parceria com a residência pedagógica, como o Pibid [Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência], em diferentes unidades. Mas acho que ainda há muito para fazer. A gente ainda tem muito o que trabalhar até no sentido de emanar áreas de pesquisa, como literatura e linguística.

 

Literatura UFG

Professoras Neuda Lago e Rose Carreira: a boa literatura se torna clássica porque resgata o que há de mais humano em nós (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Qual a diferença entre a escrita acadêmica e a escrita literária?

Para as áreas das ciências é necessário mostrar a produção de conhecimento, pesquisas relevantes, e para isso nós precisamos produzir textos acadêmicos, precisamos ensinar nossos alunos. Nós entramos em uma grande dicotomia. Os alunos que vêm do ensino médio chegam com suas deficiências, então, você tem que trabalhar essas deficiências, escrever criativamente e academicamente. Muitos não conhecem o artigo científico, não sabem o que é uma resenha, o que é um fichamento, e o nosso papel é ensinar isso.

 

Qual a importância do letramento literário?

O letramento literário é preciso porque a literatura tem as suas características, tem características muito específicas que são relativas à estética, à forma como o autor se coloca, à pontuação. Não basta conhecer as figuras de linguagem, decorar, saber a métrica, saber expandir um poema, são características que são elementos estéticos, elementos que são relevantes para você conhecer o projeto literário. Mas não é só isso. É trabalhar as características de um determinado escritor, trabalhar toda a sua personalidade literária, sua identidade literária.

 

Como projetos de extensão voltados para a área de literatura, como o Reading Club UFG, contribuem para o letramento literário?

Projetos como o da professora Neuda Lago [professora de Literatura de Língua Inglesa da UFG], por exemplo, precisam existir e resistir. Se nós desistirmos deles, vamos fazer com que muitos alunos percam a oportunidade de ampliar o seu olhar. Às vezes o aluno vem desinteressado e ele percebe e se apaixona por aquilo, e começa a se ver como leitor, como produtor. O projeto Reading Club UFG, coordenado pela professora Neuda Lago, é aberto a todos, inclusive a nós professores. Ela discute textos de língua estrangeira em inglês, espanhol e outras línguas.

Fonte: Secom UFG

Categorias: literatura Humanidades FL Fic Notícia 2