
Pesquisa revela efeitos tóxicos de nanopartículas e metais em girinos
Dióxido de titânio e cádmio provocaram alterações fisiológicas e aumento da mortalidade
Exemplar do girino rã-touro (A. catesbeiana), espécie utilizada na pesquisa (Foto: Arquivo Pessoal)
Maria Eduarda Silva
Uma pesquisa realizada no Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás (Iptsp/UFG) observou que nanopartículas de dióxido de titânio e cádmio provocaram alterações fisiológicas e aumento da mortalidade em girinos. As nanopartículas de dióxido de titânio e o cádmio são contaminantes provenientes de produções industriais em larga escala, que podem representar risco ao meio ambiente.
As nanopartículas de dióxido de titânio, por exemplo, estão presentes em protetores solares, nos quais agem como filtro dos raios UV, e em pastas de dentes, em que atuam como agentes clareadores. Já o cádmio é um metal tóxico e cancerígeno, utilizado na fabricação de baterias e na produção de pigmentos, além de estar presente na fumaça da queima de combustíveis fósseis e cigarros, e em sedimentos urbanos.
A contaminação na natureza por nanopartículas e metais é causada pelo seu descarte inadequado, principalmente em ambientes aquáticos, uma vez que suas partículas frequentemente se encontram em águas urbanas e industriais. O dióxido de titânio, quando encontrado em altas quantidades em sistemas de água, pode induzir mudanças comportamentais e danos ao material genético de peixes e anfíbios.
De acordo com o professor do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (Iptsp) da Universidade Federal de Goiás (UFG) Thiago Lopes Rocha, coorientador da pesquisa e membro do Laboratório de Biotecnologia Ambiental e Ecotoxicologia (LaBAE), a liberação dessas nanopartículas no meio ambiente pode afetar a biodiversidade local. Essas estruturas também são capazes de se acumular em espécies utilizadas na alimentação humana, o que gera preocupações sobre o consumo de alimentos contaminados e seus efeitos na saúde humana.
Já o cádmio, considerado um poluente persistente no meio ambiente, é capaz de se acumular no organismo dos animais, aumentando gradativamente o risco que apresenta à sua saúde.
Apesar dos efeitos de ambos os contaminantes serem conhecidos separadamente, os efeitos dos dois combinados ainda não foram profundamente estudados, fator que motivou a pesquisa. O estudo buscou analisar se a combinação com o metal poderia ser responsável por intensificar os efeitos negativos causados pela exposição de seres aquáticos a nanopartículas de dióxido de titânio.
A pesquisa foi realizada durante o mestrado da estudante Carolina Arantes de Moraes, no Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Animal (PPGBAN) da UFG, sob orientação das professoras Lucélia Gonçalves e Raquel Salla, e do professor Thiago Lopes Rocha.
O estudo foi desenvolvido no Departamento de Morfologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFG e no LaBAE, do Iptsp, em colaboração com o Departamento de Biologia e Bioquímica da Universidade de Houston, nos Estados Unidos.
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Equipe do grupo de pesquisa durante o processamento das amostras; girinos foram coletados em uma fazenda (Foto: Arquivo Pessoal)
Metódos
Para a análise, girinos de rã-touro (A. catesbeiana) foram coletados em uma fazenda comercial e transportados para o Laboratório de Pesquisa em Morfologia e Ontogenia da UFG. Os girinos foram mantidos sob condições controladas de temperatura e alimentação. Após o período de aclimatação, foram distribuídos em três aquários para cada grupo experimental, sendo 20 em cada.
Durante as análises, eles foram coletados aleatoriamente para garantir uma amostragem homogênea. Os girinos foram expostos a concentrações ambientalmente relevantes das duas substâncias, tanto isoladamente quanto em mistura, durante 30 dias e em período de metamorfose.
Resultados
A exposição de girinos aos contaminantes resultou em aumento da taxa de mortalidade no grupo de exposição combinada, o que demonstra o efeito sinérgico entre os dois contaminantes.
Para analisar o efeito das substâncias nas brânquias, as lesões histopatológicas foram identificadas e classificadas de acordo com seu fator de importância. Nesse levantamento, lesões como edema intracelular (acúmulo de água no interior das células), hiperplasia (aumento do número de células em um órgão ou tecido) e ruptura da membrana celular, entre outras, foram classificadas como lesões moderadas.
Em relação ao condrocrânio – a parte cartilaginosa do esqueleto da cabeça dos girinos –, a exposição ao cádmio foi tóxica para a formação dos ossos e cartilagens mais longos do aparato braquial dos peixes, os ceratobranquiais, afetando 60% dos indivíduos. Essa estrutura também foi afetada em 60% do grupo coexposto às nanopartículas de dióxido de titânio, o que sugere a influência do cádmio no processo de desenvolvimento das projeções reticulares.
Todos os grupos de girinos analisados, expostos a algum dos contaminantes, apresentaram alterações significativas de tamanho se comparadas ao grupo controle. No grupo de coexposição, o tamanho total dos girinos sofreu uma redução. A largura do corpo e a proporção da altura do corpo aumentaram no grupo exposto às nanopartículas de dióxido de titânio. Já no grupo exposto ao cádmio, a largura da cauda pela largura do corpo sofreu diminuição.
Já foi demonstrado que, em outras espécies, o cádmio causa estresse oxidativo, disfunção tireoidiana, redução da alimentação e crescimento prejudicado em girinos de diversas espécies. Quando combinado às nanopartículas de dióxido de titânio, os efeitos do metal podem ser ainda mais intensos, visto que podem aumentar a capacidade de absorção de cádmio no corpo ou intensificar a adsorção do metal.
A pesquisa demonstrou que a exposição isolada e conjunta a concentrações relevantes de nanopartículas de dióxido de titânio e cádmio causou danos às brânquias dos girinos, ao seu crescimento corporal e à formação da estrutura óssea da cabeça. Além disso, a exposição combinada aumentou consideravelmente a taxa de mortalidade, o que demonstra o efeito sinérgico entre os dois poluentes.
Thiago destaca que a pesquisa foi pioneira na avaliação da ecotoxicidade da mistura de nanopartículas de dióxido de titânio e do metal cádmio em girinos, o que destaca a importância de se estudar a interação entre os poluentes e seus efeitos combinados na saúde dos organismos aquáticos.
"O próximo passo da pesquisa é analisar o potencial efeito da exposição crônica dos girinos a esses poluentes, e fazer novas análises para compreender melhor o mecanismo de ação e toxicidade. Por exemplo, pretendemos analisar se a exposição induz dano ao DNA dos girinos, e como as células conseguem reparar esses danos", explica.
O professor também ressalta que o estudo contribui com dados sobre o impacto ambiental das nanopartículas, informações importantes para o estabelecimento dos limites ambientais seguros para seu uso.
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Fonte: Secom UFG
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