
Mulheres no Centro: a perspectiva feminina sobre o bairro goianiense
Pesquisadora da UFG analisa o Setor Central de Goiânia sob a perspectiva de gênero
Colagem digital feita por Beatriz Gonçalves, na qual a cabeça do Bandeirante foi removida deliberadamente para expressar repúdio
Anna Paulla Soares
Entre o abandono iminente e longos projetos de revitalização, o Centro de Goiânia resiste. No entanto, o mérito dessa resistência deve ser atribuído às pessoas que habitam e fortalecem o Setor Central diariamente, contribuindo para manter o espaço vivo. Dentre essas pessoas, estão elas: as mulheres.
Foi por meio de relatos intimistas das mulheres que frequentam o espaço urbano que a arquiteta e urbanista Beatriz Rezende Gonçalves desenvolveu a dissertação de mestrado intitulada "Habitar o Centro de Goiânia: narrativas sob a perspectiva de gênero". A pesquisa foi realizada no Programa de Pós-Graduação em Projeto e Cidade (PPG-PROCIDADE) da Universidade Federal de Goiás (UFG), sob orientação do professor Fernando Antônio Oliveira Mello.
A pesquisadora trabalhou com relatos pessoais e entrevistas profundas com mulheres que vivem e convivem no Setor Central, que pudessem proporcionar uma experiência imersiva e etnográfica.
A metodologia também incluiu a corpografia, que refere-se a como o corpo se adapta, se posiciona e se desloca dentro dos espaços; e o processo de errância, que descreve o ato de se deslocar de maneira não planejada ou espontânea dentro de um espaço urbano. Essa errância pode ser vista como uma exploração do ambiente.
Representação de mulheres no Centro de Goiânia (Fotos: Arquivo Pessoal)
As Donas do Centro
Por meio de codinomes, ela preservou a identidade das entrevistadas e as nomeou de acordo com o ambiente que cada uma protagoniza. A primeira, intitulada como a Dona do Boteco, é uma mulher de 66 anos, dona de um bar na rua 8. Além de administrar o bar, cozinhar e servir, ela também cuida da maior parte das atividades domésticas.
A segunda entrevistada foi a Dona da Rua, mulher que vive em situação de rua e faz do Setor Central sua morada e ambiente de trabalho. Seus relatos são sensíveis e reforçam o debate sobre a feminilização da pobreza.
A terceira narrativa foi sobre a Dona da Lanchonete, proprietária de uma rede de lanchonetes que iniciou na Avenida Goiás há mais de 45 anos, que além de administrar seu negócio também gerencia o espaço doméstico cuidando de sua família, o que corrobora o pensamento de que o cuidado é uma responsabilidade feminina.
A última entrevista foi com a Dona da Noite, a mais jovem entre as Donas, com 28 anos de idade. Ela relatou sua experiência na capital como uma mulher paraense que veio para Goiânia ainda criança, e hoje trabalha como DJ nas noites goianienses. A artista revela que, apesar de admirar e residir no Centro, o bairro ainda lhe desperta medo, especialmente no período noturno.
Em seus relatos, essas mulheres compartilham desafios diários que vão desde o assédio e violência até a invisibilidade nas dinâmicas urbanas. A pesquisa também discute como a arquitetura e a organização da cidade impactam na segurança e liberdade de circulação das mulheres. Nesse sentido, o planejamento urbano precisa considerar as perspectivas femininas, garantindo a criação de espaços públicos seguros, acessíveis e democráticos.
Segundo a pesquisadora, há uma certa falta de adaptação na cidade, que se dá pelo fato de a maioria das cidades terem sido pensadas e construídas por homens em um momento em que as mulheres ainda buscavam por possibilidades e, muitas vezes, eram invisibilizadas.
"Hoje, nós mulheres ocupamos espaços diferentes do que ocupávamos no momento em que as cidades foram pensadas, mas a cidade [de Goiânia], em muitos aspectos, não se adaptou a essa nova realidade", explica.
Arquiteta e Urbanista, Beatriz Gonçalves pesquisou o tema no mestrado em Projeto e Cidade na UFG, defendido em 2024 (Foto: Arquivo Pessoal)
Nomes de prédios
Durante o trabalho, Beatriz também mapeou os edifícios do Centro de Goiânia para analisar seus nomes. Dos 158 prédios com nomes próprios, 71 eram femininos e 87 masculinos. Um detalhe que chama a atenção nesse levantamento é o fato de que 83,1% dos nomes de mulheres estão presentes em edifícios residenciais, em contraste com os 49,4% dos homens neste tipo de imóvel. A maior parte dos nomes masculinos aparece em edifícios comerciais ou institucionais.
A pesquisadora ressalta que não vê seu trabalho como um produto final, mas como o início da produção de uma análise sobre esse espaço, que precisa de mais pesquisadores dispostos a contribuir com produções sobre o assunto.
Acesse aqui a dissertação "Habitar o Centro de Goiânia: narrativas sob a perspectiva de gênero".
Receba notícias de ciência no seu celular
Siga o Canal do Jornal UFG no WhatsApp e nosso perfil no Instagram.
É da UFG e quer divulgar sua pesquisa ou projeto de extensão?
Preencha aqui o formulário.
Comentários e sugestões
jornalufg@ufg.br
Política de uso
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal UFG e do autor.
Fonte: Secom UFG
Categorias: cidade Humanidades fav Destaque Notícia 1