
Selic sobe a 14,75% e pressiona economia em nome do controle da inflação
Política de juros do Banco Central visa conter demanda, mas levanta debate sobre eficácia da meta de inflação adotada no país
Edson Roberto Vieira
Antônio Marcos de Queiroz
A taxa Selic, que consiste na taxa básica de juros da economia brasileira, foi alçada ao nível de 14,75% ao ano (a.a.) na decisão tomada pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) na última quarta-feira (7/5). Essa taxa é a maior desde 2006 e governa todas as demais taxas de juros do país, uma vez que representa o custo básico de captação de recursos pelo sistema financeiro doméstico. Uma alteração na taxa Selic, portanto, provoca um movimento em cadeia nas demais taxas de juros do mercado financeiro, seja para cima ou para baixo.
Quem decide o patamar da taxa básica de juros no Brasil é o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom). Esse Comitê se reúne a cada 45 dias e é composto pelo presidente do Banco Central e por oito diretores com direito a voto. Após uma análise do cenário macroeconômico do país feita durante a reunião, cada diretor apresenta seu voto e a decisão é tomada, buscando estabelecer as medidas necessárias para atingir a meta de inflação. Essa meta, por sua vez, é definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que tem como referência o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado mensalmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Quando o Banco Central aumenta a taxa Selic, o objetivo é reduzir a demanda agregada (medida do Produto Interno Bruto – PIB – pela ótica da despesa) fundamentalmente por meio da diminuição do consumo das famílias, que reagem ao encarecimento do custo do crédito. Mas os impactos das alterações na taxa Selic não se circunscrevem ao consumo das famílias. Os reflexos das alterações dessa taxa também são importantes nos demais elementos da demanda agregada, quais sejam, os investimentos, despesas da administração pública, exportações e importações.
Os investimentos (construção e compra de máquinas e equipamentos) também são muito afetados por meio do encarecimento das operações de crédito e pela via da demanda de moeda. Quando os juros estão altos, além de tornar o custo do investimento produtivo mais elevado, desestimulando-o, o custo de oportunidade de manter a moeda aumenta e muitos agentes econômicos preferem aplicá-la no mercado financeiro, recebendo juros. O principal impacto desse aumento do custo de oportunidade de manter moeda se dá na redução do investimento produtivo, mas seu resultado também pode ser visto no desestímulo ao consumo das famílias, empurrando a demanda agregada para baixo.
As despesas da administração pública sofrem mudanças significativas com as alterações na taxa Selic por conta de seus impactos sobre o pagamento de juros da dívida interna. A Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG), que envolve o governo federal, o INSS e os governos estaduais e municipais, é de aproximadamente R$ 9 trilhões (76,0% do PIB) e mais da sua metade (55,6%) são indexados à taxa Selic. Com isso, somente em 2024, foram pagos cerca de R$ 1 trilhão em juros pelo governo federal por conta do patamar médio elevado da taxa Selic durante o ano.
As exportações e as importações também acabam sendo impactadas indiretamente pela taxa Selic em decorrência de seus reflexos sobre a taxa de câmbio. Quando há aumento dessa taxa básica, a diferença entre a taxa de juros brasileiros e as dos de outros países aumenta, atraindo os capitais externos que entram no Brasil para obter retornos financeiros com essa diferença. Em alguns casos, grandes especuladores tomam recursos emprestados em países com baixas taxas de juros, como o Japão, e os emprestam no Brasil, onde os juros são mais elevados, apurando grandes ganhos financeiros com essas operações, que são chamadas de carry trade. Mantendo tudo o mais constante, esse processo valoriza a moeda brasileira em relação às moedas de outros países, reduzindo a competitividade das exportações domésticas, ao tempo em que as importações ficam mais baratas, impactando a demanda agregada, que diminui por conta da redução das exportações e do aumento das importações.
Desde o início do regime de metas de inflação no Brasil, em 1999, até o final de 2024, a meta de inflação levou em conta o ano-calendário. A partir de janeiro desse ano, passou-se a utilizar no país a chamada "meta contínua", deixando de lado o ano-calendário para atingir o intervalo de inflação definido pelo CMN, em prol de um acompanhamento mês a mês da inflação acumulada nos últimos doze meses. Com isso, a meta só é considerada descumprida se o IPCA acumulado em 12 meses ficar acima do intervalo de tolerância por seis meses consecutivos. Trata-se de uma nova metodologia que já é utilizada em outros países, dando a possibilidade de a política monetária se ajustar melhor ao longo do tempo às flutuações da inflação causadas especialmente por choques de oferta.
O aumento da taxa Selic nas últimas reuniões do Copom tem sido provocado especialmente pelo fato de que o IPCA anualizado tem ficado acima do teto estabelecido pelo CMN, de 4,5% a.a. Isso vem acontecendo sistematicamente no Brasil nos últimos anos, tanto em razão de choques de oferta quanto por conta de aspectos relacionados à demanda. Os choques de oferta causados por fatores como a pandemia da covid-19, o conflito entre Rússia e Ucrânia e as mudanças climáticas parecem ser os principais motivos do aumento da inflação no país.
Os aspectos relacionados à demanda, como o aumento dos gastos públicos, principalmente com os programas de transferências de renda, aumentam a renda disponível das famílias e estimulam o consumo. Nessa mesma linha, situam-se as medidas que vêm sendo tomadas para reduzir o custo do crédito no Brasil, como é o caso do novo crédito consignado, por meio do qual o trabalhador pode usar até 10% do saldo do FGTS e 100% da multa rescisória, em caso de demissão, como garantia do empréstimo, o qual, por isso, trabalha com taxas de juros menores do que as de outras operações disponíveis no mercado financeiro nacional. Essas medidas auxiliam as famílias de baixa renda, dado que muitos trabalhadores se endividaram a taxas de juros proibitivas há muitos anos. Contudo, estimulam a demanda agregada e acabam por contribuir para que o Banco Central tenha que trabalhar com taxas básicas de juros mais elevadas para atingir a meta de inflação.
Além dos fatores relacionados à oferta e à demanda, o componente inercial ainda parece estar ainda muito presente na explicação da inflação brasileira. Dos 315 meses que se iniciaram em janeiro/1999, quanto teve início no Brasil o regime de metas de inflação, e se encerram em maio desse ano, em apenas 24 (7,6%) deles a inflação ficou abaixo do centro da meta, de 3,0% a.a., fixada pelo CMN para esse ano. Se for considerado o teto dessa meta, de 4,5% a.a., esse número aumenta para apenas 84 meses (26,7%). Isso tudo nos leva a questionar se a atual meta de inflação é adequada para o Brasil. O aperfeiçoamento do sistema de metas de inflação implantado recentemente, com a adoção da meta contínua, foi importante, mas não parece estar sendo suficiente para permitir que o Banco Central trabalhe com taxas de juros menos nocivas para a economia brasileira.
Boletim de Conjuntura Econômica de Goiás – N. 179/abril de 2025.
* Edson Roberto Vieira e Antônio Marcos de Queiroz são professores da Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e Ciências Econômicas (FACE) da UFG.
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Fonte: FACE
Categorias: colunistas Humanidades Face