
ESPECIAL
Luiz Felipe Fernandes
O ano era 1981. Prestes a completar 30 anos, Jos Leys, um engenheiro mecânico da Bélgica, usou o salário do mês para comprar aquilo que começava a ser o objeto de desejo entre os amantes da tecnologia: um computador portátil. Era um TRS-80 com 16 kilobytes de memória, fabricado pela empresa norte-americana Tandy Corporation. "E devo mencionar que não havia disco rígido – usava um gravador de fitas cassete – e a tela tinha 80 pixels de largura", relembra o engenheiro em entrevista ao Jornal UFG.
Hoje um computador pessoal comum pode ter mais de 500 mil vezes a memória RAM do TRS-80. Ainda assim, a máquina deu a Leys a oportunidade de criar e visualizar formas geométricas que, embora já estivessem no radar dos matemáticos desde a virada do século 19 para o 20, só haviam recebido um nome poucos anos antes. "As imagens eram como nada que eu já tivesse visto antes. Além disso, as técnicas matemáticas para gerá-las me pareciam muito interessantes, e acabei ficando completamente fascinado", conta Leys.
Eram imagens de fractais, termo criado pelo matemático franco-polonês Benoît Mandelbrot (1924-2010) há 50 anos para descrever formas complexas que fogem da geometria euclidiana tradicional – aquela criada pelo grego Euclides por volta do século 3 a.C., baseada em linhas retas, planos e figuras perfeitamente regulares.
A palavra, que vem do latim fractus (fragmentado, irregular), foi introduzida por Mandelbrot no livro Les Objets Fractals: Forme, Hasard et Dimension (Objetos Fractais: Forma, Acaso e Dimensão), de 1975, que ganhou uma versão ampliada – e ricamente ilustrada – em 1982, sob o título The Fractal Geometry of Nature (A Geometria Fractal da Natureza).
É nessa obra que o matemático apresenta o conceito de fractais em forma de manifesto, com uma de suas mais emblemáticas passagens: "Nuvens não são esferas, montanhas não são cones, linhas costeiras não são círculos, a casca das árvores não é lisa, e os relâmpagos não se deslocam em linha reta".
Mandelbrot apontava, em um tom quase provocativo, a incapacidade da "fria e seca" geometria euclidiana de descrever formas irregulares e fragmentadas, e convocava matemáticos a investigar "a morfologia do amorfo".
Figuras intrigantes de dimensões fracionárias
Mas nada em ciência acontece da noite para o dia ou de forma isolada. No fim do século 19, o matemático alemão Georg Cantor (1845-1918) já havia apresentado um conjunto obtido a partir da remoção sucessiva do terço central de um segmento de reta. Apesar de conter infinitos pontos, esse segmento possui comprimento total igual a zero. O Conjunto de Cantor, como ficou conhecido, desafiava a intuição geométrica clássica e introduzia a ideia de estruturas descontínuas com propriedades paradoxais.
Em 1904, o sueco Helge von Koch (1870-1924) introduziu ao mundo uma figura igualmente curiosa, também formada a partir de um simples segmento de reta: uma curva que, a cada iteração (a substituição de um segmento de reta por um triângulo equilátero), ganhava mais detalhes e aumentava de comprimento (veja Infográfico 1).
Intuitivamente, somos levados a imaginar que o aumento do comprimento necessariamente levaria ao aumento da área que essa figura ocupa. Mas aí é que a coisa fica estranha: mesmo ganhando mais detalhes e aumentando de comprimento, a curva nunca ocupava uma área infinita.
O Conjunto de Cantor e a Curva de Koch são alguns dos exemplos mais clássicos de fractais – nome que, como vimos, ainda não tinha sido inventado – e trazem uma de suas principais características: objetos que carregam complexidade infinita em escalas cada vez menores. Durante muito tempo, objetos como esses foram considerados "patológicos", uma "galeria de monstros", como relembra o físico e matemático inglês Freeman Dyson em um artigo de 1978.
Ainda no começo do século passado, em 1910, os estudos do matemático greco-alemão Constantin Carathéodory (1873-1950) forneceram fundamentos rigorosos na teoria da medida e das funções complexas. "Carathéodory passou a limpo a ideia de medida e dimensão, que, embora sejam conceitos muito intuitivos, não estavam devidamente formalizados", explica Carlos Possani, matemático e professor da Universidade de São Paulo (USP).
Aprendemos na escola que medir é uma forma de quantificar o tamanho de algo. O comprimento de uma mesa é uma medida feita em uma dimensão; a área de um terreno envolve duas dimensões (comprimento e largura); e o volume de um copo com água depende de três dimensões (comprimento, largura e altura).
Essas medidas estão diretamente ligadas à ideia de dimensão, um conceito que indica quantas direções ou coordenadas são necessárias para descrever um objeto. Assim, uma linha é um objeto unidimensional, ou seja, basta um número para localizar um ponto nela. Uma superfície plana, como uma folha de papel, é bidimensional. Já um cubo ocupa o espaço tridimensional, pois exige três coordenadas para localizar qualquer ponto em seu interior.

Em 1918, o matemático alemão Felix Hausdorff (1868-1942) deu um passo decisivo para o entendimento moderno das formas complexas. Segundo Possani, Hausdorff percebeu que certos conjuntos matemáticos não se encaixavam bem nas categorias tradicionais – ponto (dimensão 0), linha (dimensão 1), plano (dimensão 2) –, e criou um novo conceito: a dimensão de Hausdorff.
Essa definição permitia que objetos matemáticos fossem medidos com dimensões não inteiras. Não, você não leu errado: a matemática de Haussorff revelou objetos com dimensões "quebradas", fracionárias. E adivinha que figura tinha essa característica? Isso mesmo, a Curva de Koch, que tem dimensão de aproximadamente 1,26, ou seja, algo no meio do caminho entre uma linha e um plano (veja Infográfico 2).
A década seguinte viu o surgimento de outro pilar dessa construção. Na França, Pierre Fatou (1878-1929) e Gaston Julia (1893-1978) mergulharam no estudo das funções complexas iteradas – operações repetidas diversas vezes sobre números complexos. Os Conjuntos de Julia, gerados a partir dessas repetições, formavam imagens com padrões intrincados, com estruturas autossimilares que lembravam galhos, raízes e rios vistos de cima. Faltavam ainda as ferramentas computacionais para explorar todas essas formas, mas as sementes estavam lançadas.
Ordem no caos: o despertar dos fractais
Em 1963 a ciência – e o mundo – se depararia com um fenômeno que desafiava frontalmente a separação entre ordem e desordem, previsibilidade e incerteza. Ao tentar modelar o comportamento da atmosfera, o meteorologista e matemático norte-americano Edward Lorenz (1917-2018) desenvolveu um conjunto de equações para descrever a convecção térmica, ou seja, o movimento do ar aquecido na atmosfera.
Durante uma simulação computacional, ele percebeu que pequenas diferenças nos valores iniciais inseridos no programa levavam a resultados radicalmente distintos. Essa descoberta revelou uma propriedade profunda dos sistemas dinâmicos não lineares: a sensibilidade às condições iniciais. "É o que nós chamamos de caos", resume o professor da USP.
Mas não se trata de um caos aleatório ou sem estrutura. Trata-se de um comportamento determinístico, regido por equações precisas, porém tão sensível a variações que se torna, na prática, imprevisível. Lorenz resumiria isso mais tarde com uma metáfora famosa: "o bater de asas de uma borboleta no Brasil pode causar um tornado no Texas". O que o meteorologista havia descoberto é que, em muitos sistemas da natureza, o acaso não é aleatório – ele tem forma.

Ao aprofundar suas análises, Lorenz visualizou o comportamento de seu sistema em um espaço tridimensional, representando as variáveis de temperatura, velocidade e pressão atmosférica. O resultado foi uma estrutura elegante e surpreendente, hoje conhecida como Atrator de Lorenz (veja imagem ao lado).
Trata-se de uma figura com formato semelhante ao de uma borboleta, composta por duas "asas", onde as trajetórias do sistema se enrolam infinitamente sem jamais se repetir, nem escapar. Soa familiar, não? Isso porque essa estrutura é fractal, com padrões autossimilares em diferentes escalas, revelando ordem dentro do caos.
Coube então a Benoît Mandelbrot, na década de 1970, dar nome a essas estruturas. Funcionário da IBM e com acesso privilegiado a computadores, o matemático usou a tecnologia para visualizar essas estruturas complexas. Ao reunir contribuições dispersas ao longo do tempo, ele percebeu que havia um padrão recorrente por trás de muitos desses conjuntos aparentemente caóticos. Em 1975, ele cunhou o termo fractais para descrever essas figuras, revelando que, por trás da desordem, havia uma geometria escondida – a geometria da natureza.
"A partir daí os fractais começaram a ser estudados por conta própria, ganharam vida e, com o avanço da computação, foi possível gerar essas figuras que são simplesmente deslumbrantes", conclui Possani.
Autossimilaridade, complexidade infinita e recursividade
Não existe um conceito único de fractal, mas hoje compreende-se que três características frequentemente aparecem nessas formas. A primeira delas – e a mais disseminada popularmente – é a autossimilaridade: a propriedade de um objeto repetir sua forma em diferentes escalas. Em resumo, a parte é similar ao todo.
Na natureza, a ramificação de uma árvore, por exemplo, segue um padrão em que o tronco se divide em galhos, que se dividem em galhos menores, e assim por diante. O mesmo vale para costas marítimas, sistemas vasculares, formações de nuvens e até colônias de bactérias.
Outra característica é a complexidade infinita. Diferente das figuras geométricas clássicas, como círculos ou triângulos, os fractais nunca se suavizam, não importa o quanto você amplie a imagem. Sempre haverá novos detalhes, novos contornos, novas ramificações. Essa complexidade infinita é o que torna os fractais tão poderosos na representação de fenômenos naturais caóticos.
A terceria característica é a recursividade, ou seja, o processo infinito de repetição, em que cada etapa do processo usa o resultado da etapa anterior, como um espelho refletido em outro espelho.
No vídeo abaixo é possível ver como essas três características dos fractais se manifestam. A cada novo nível de aproximação em um Conjunto de Julia, surgem formas que lembram o todo, revelando detalhes cada vez mais intrincados, como se a imagem nunca tivesse fim. Tudo isso é resultado da repetição de uma fórmula matemática simples aplicada incontáveis vezes.
Em The Fractal Geometry of Nature, Mandelbrot apresenta um conceito mais técnico: "Um fractal é, por definição, um conjunto cuja dimensão de Hausdorff-Besicovitch excede estritamente a dimensão topológica". Como vimos, dimensão topológica é uma medida mais convencional que indica quantas coordenadas são necessárias para descrever um ponto em determinado objeto.
Já a dimensão de Hausdorff, como você também deve se lembrar, permite atribuir dimensões fracionárias a objetos que apresentam detalhes em todas as escalas, como os fractais. Quando essa dimensão é maior do que a topológica, isso indica que o objeto "ocupa mais espaço" do que seria esperado, revelando uma estrutura interna rica, densa e muitas vezes infinita em detalhe.

Do simples ao complexo
Outra propriedade dos fractais que gera fascínio entre quem os estuda é a possibilidade de gerar imagens extremamente complexas a partir da iteração de funções relativamente simples. É o caso do próprio conjunto de Mandelbrot, um dos fractais mais famosos da matemática.
Segundo o professor do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da Universidade Federal de Goiás (UFG), Ronaldo Garcia, a ideia central parte de uma fórmula bem simples: você começa com o número zero e aplica uma operação matemática repetidamente. A cada passo, você eleva o número ao quadrado e soma um outro número, que pode ser chamado de c (veja Infográfico 3). Dependendo do valor de c, essa conta pode seguir dois caminhos: ou os resultados crescem em magnitude sem parar, indo para o infinito, ou permanecem limitados, oscilando sem sair de uma certa região limitada.
"É como se fosse uma maquininha: você coloca um número, ela devolve outro. Depois, você pega esse novo número e coloca de novo na máquina, e assim por diante", ilustra o professor. Para cada valor de c, essa máquina pode gerar uma sequência que explode ou que se mantém sob controle. O fractal de Mandelbrot surge justamente quando pintamos, em um gráfico, os valores de c que não fazem a sequência explodir. Esses pontos formam uma figura complexa, cheia de detalhes infinitos e padrões que se repetem.
Ciência e Arte
Apesar de sua origem teórica, os fractais têm aplicações concretas em diversas áreas do conhecimento e da tecnologia. Na medicina, são usados para modelar estruturas biológicas complexas, como vasos sanguíneos, pulmões e redes neuronais, que apresentam ramificações autossimilares. Na engenharia e na geologia, ajudam a descrever a distribuição de falhas sísmicas e a porosidade de materiais irregulares. Na computação gráfica, são capazes de gerar paisagens realistas em filmes e jogos, como montanhas, nuvens e árvores, com grande economia de memória. Já na economia e nas ciências ambientais, os fractais são utilizados para analisar séries temporais instáveis, como variações no mercado financeiro ou padrões climáticos.
Mas é na arte que os fractais ganham uma dimensão especialmente sensível e estética. Artistas visuais exploram formas fractais para criar composições com profundidade, movimento e repetição hipnótica, muitas vezes evocando elementos da natureza.
Expoente da arte abstrata nas décadas de 1940 e 1950, o pintor norte-americano Jackson Pollock, por exemplo, utilizava a técnica do gotejamento (dripping) para lançar tinta sobre a tela em gestos espontâneos e enérgicos. Décadas depois, descobriu-se que seus traços aparentemente caóticos revelavam estruturas fractais, com diferentes níveis de autossimilaridade, no que hoje é denominado expressionismo fractal.
Essa mesma inquietação levou o artista plástico Danilo Moveo a analisar sua própria obra em sua pesquisa de mestrado. Hoje doutor em Neurociência Cognitiva e Comportamento, Danilo começou a dar os primeiros passos na arte em 2007, na mesma época em que iniciava o curso de Biologia na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) – uma dupla formação decisiva para a sua carreira como artista e cientista. Em seus estudos, ele busca compreender o "cérebro artístico".
No mestrado, Danilo registrou, com o uso de um sensor no pulso, as medidas de seu próprio sistema límbico enquanto produzia suas obras. O sistema límbico é uma região do cérebro responsável pelas emoções e comportamentos sociais. "Minha pergunta primordial era saber se essa medida fisiológica que eu tinha enquanto pintava se refletia na minha obra – uma espécie de 'impressão digital' dos quadros", explica o artista ao Jornal UFG.
Ao aplicar análises fractais às suas pinturas e aos registros de condutância da pele, Danilo identificou padrões de autossimilaridade e complexidade que sugerem uma possível correspondência – ou isomorfismo – entre os processos internos do artista e as formas externas da obra. Esses resultados indicam que a dinâmica caótica e recursiva da criação artística pode refletir os mesmos princípios que regem sistemas naturais e biológicos, como os descritos pela geometria fractal.

Ciclotramas
As propriedades dos fractais também estão na obra de Janaina Mello Landini. Em sua série Ciclotramas (que ilustra o material gráfico produzido para esta reportagem), essa artista plástica mineira usa fios – barbantes, lãs e cordas – para evocar a relação entre o "um" e o "todo".
"Acabei entendendo que a lógica de seguir uma sequência algorítmica, dividindo repetidamente os grupos de fios em dois, torcendo para criar tensão e resistência, e separando novamente, criaria um padrão ou uma linguagem que está em vários campos da natureza e na dinâmica dos fluxos em geral, dentro e fora da gente, fisicamente, metaforicamente e até mesmo na forma tecnológica da 'árvore binária'", detalha.
Os rastros matemáticos em seu trabalho não são fortuitos. Janaina é formada em Arquitetura pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde também estudou Belas Artes. Assim como nos fractais, em que funções simples geram objetos complexos, o gesto simples da artista de dividir fios gera o "caos".
"Me lembra também a primeira transformação filosófico-conceitual que a matemática me causou: o cálculo integral e diferencial. Foi lindo realmente – tipo filosoficamente, mesmo – compreender que a soma de infinitas partes infinitesimais chegam a um todo finito ou que qualquer complexidade pode ser desdobrada em partes mínimas e depois reintegrada, e ainda a noção de infinito em relação ao limite. A beleza está em tudo isso".
Mas o que explica, afinal, esse encantamento gerado pelos fractais? Para Jos Leys, nosso engenheiro belga "com um interesse acima da média por matemática", trata-se da beleza visual e da diversão em descobrir novas técnicas para gerar padrões. Para Danilo Moveo, reside na possibilidade de revelar o inconsciente por meio da arte. Para Janaina Landini, é a universalidade capaz de dialogar com os mundos das outras pessoas.
Talvez o segredo esteja justamente na fronteira entre ciência e arte – esse espaço onde fórmulas matemáticas e sensibilidade estética se encontram. E, para a emoção, nem sempre é preciso haver respostas. Afinal, como disse Mandelbrot, "a arte pode ser apreciada por si só".
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Fonte: Secom UFG
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