Equipe de produção do filme nas ruas da Cidade de Goiás, onde Leodegária de Jesus estudou (Foto: Divulgação)

Anna Paulla Soares

Aprovado pelo Edital Ruth de Souza em 2024, o longa-metragem de ficção intitulado Leodegária vai retratar a trajetória da primeira escritora do estado de Goiás, Leodegária de Jesus (1889-1978), contemporânea de Cora Coralina, mas vítima de apagamento histórico. Com a equipe de produção majoritariamente feminina e negra e previsão de lançamento para dezembro, o filme denuncia o racismo e a misoginia que marcaram a vida da artista.

A produtora-geral do filme, Rosa Berardo, é professora na Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (FAV/UFG) e conheceu a história de Leodegária por intermédio de sua colega Tânia Rezende, docente na Faculdade de Letras (FL) da mesma instituição, que citou o apagamento da escritora quando estavam em uma viagem a trabalho e despertou indignação na cineasta.

Incentivada pela conversa, Rosa buscou estudar sobre a história da autora, o que culminou na produção do curta-metragem Leodegária de Jesus – A primeira escritora a publicar um livro no Estado de Goiás, que, em tom documental e com abordagem pedagógica, busca estimular a discussão sobre racismo, misoginia e a opressão que as mulheres pretas ainda sofrem. O projeto contou com a participação de mulheres negras que narraram a vida de Leodegária, inclusive a professora Tânia.

Entretanto, ainda havia a necessidade de um olhar mais amplo sobre a vida dessa figura de resistência da literatura goiana que foi apagada devido ao preconceito. "Aí eu falei: nossa, a gente precisa contar a história dela. Uma história que existe e poucos conhecem". A professora Rosa Berardo juntou-se novamente a Tânia Rezende e convidou a roteirista Renata Mizrahi e a diretora Vanessa Goveia para trabalharem no longa-metragem Leodegária.

As gravações foram encerradas na última semana de maio. Segundo a produtora-geral, é possível que o filme seja finalizado – incluindo edição e pós-produção – até dezembro de 2025. O lançamento deve ocorrer, primeiramente, na Cidade de Goiás, onde Leodegária viveu a maior parte de sua vida. Depois, será enviado para festivais antes de ser distribuído nas salas de cinema. "Quando o filme é aceito nos festivais, isso dá credibilidade. As pessoas gostam de ir ao cinema e assistir a um filme que já foi aceito, selecionado em algum festival", explica a professora da UFG.

Os poemas de Leodegária que serão trabalhados no longa são alinhados com a imagem que o projeto constrói dela. De acordo com a consultora literária, haverá maior destaque para os escritos que ressaltam sua mulheridade negra.

Literatura de Leodegária

Em 1906, antes de completar 17 anos, Leodegária de Jesus publicou seu primeiro livro de poemas. Uma mulher negra publicando um livro no início do século 20 não era, definitivamente, o mais comum dos acontecimentos. Segundo a professora Tânia Rezende, a escritora escreveu sobre diversos temas e sua poética estava longe de ser "monoestética". "Há força política em sua literatura, desde os poemas religiosos, os dedicados à família, até os poemas de amor à terra".

Tânia ainda destaca a importância de Leodegária não só para Goiás, como para o Brasil. A atuação política da escritora na então capital do estado foi potente. Além de artista, ela também foi professora e jornalista. Leodegária presidiu o Grêmio Literário e participou da fundação do periódico A Rosa, considerada a primeira publicação da imprensa feita por mulheres em Goiás.

"Ela fez muito, foi e é digna de nós, e nós estamos sendo dignas dela?", questiona a docente da Faculdade de Letras. E completa: "Tudo em Leodegária é político, e não teria como ser diferente, porque a literatura é política".

Bastidores da gravação do longa-metragem sobre Leodegária de Jesus; filme deve ser finalizado no fim de 2025 (Foto: Divulgação)

Homenageada pela UFG

Em 8 de agosto de 2023, dia em que completaria 134 anos de idade, Leodegária foi homenageada pela UFG com o título de Doutora Honoris Causa in memoriam. A solenidade ocorreu no Colégio Sant'Ana, na Cidade de Goiás, onde a escritora estudou durante a adolescência.

Na cerimônia, a reitora da UFG, Angelita Pereira de Lima, afirmou que a homenagem era um pedido de desculpas a todas as mulheres que foram afetadas pela negativa ao ingresso de Leodegária na Faculdade de Direito. A escritora não teve a oportunidade – pois lhe foi negada – de entrar no curso que desejava e, por conta disso, não pôde ser a primeira mulher advogada do estado de Goiás.