Icone Instagram
Ícone WhatsApp
Icone Linkedin
Icone YouTube
Universidade Federal de Goiás
Memes na educação

Engajados no aprendizado: o uso de memes na sala de aula

Em 01/07/25 14:29. Atualizada em 02/07/25 16:55.

Pesquisas mostram como professores e estudantes se beneficiam do recurso no ensino-aprendizagem

Kharen Stecca

O termo "meme" é da década de 1970, cunhado pelo biólogo Richard Dawkins e descreve uma unidade de informação cultural que se comporta de maneira similar aos genes, replicando-se e propagando-se através da imitação e da comunicação. Na concepção original de Dawkins, os memes seriam ideias, comportamentos, estilos ou práticas que se espalham de pessoa para pessoa dentro de uma cultura, atuando como um "gene cultural" que evolui e se adapta ao longo do tempo. Mas é na comunicação que esse termo ganha o significado que temos hoje, principalmente nas redes sociais.

Os memes adquiriram uma enorme dimensão na mídia, proliferando nas redes sociais com força viral. Como manifestações da cultura digital, eles representam mais do que simples entretenimento: são veículos de comunicação que refletem e influenciam as percepções sociais e educacionais. Os memes da internet tem natureza humorística, crítica e altamente referencial. Eles encapsulam e comentam aspectos da vida cotidiana, política, cultura popular e questões sociais com rapidez e perspicácia, usando o humor e a sátira. E assim: tudo pode virar meme!

Pela sua capacidade de chamar atenção, os memes são uma excelente estratégia no contexto educacional. Eles podem ser ferramentas utilizadas como recursos didáticos, favorecendo o processo de aprendizagem pelo engajamento. Também podem simplificar conceitos complexos, desenvolver o pensamento crítico e serem utilizados até na divulgação das notas, momento crucial no processo de ensino.

De forma planejada, o meme pode e deve ser uma importante ferramenta. E a academia está de olho nesse processo. Seja com foco nos estudantes ou nos professores, diversos pesquisadores têm estudado o uso dessa comunicação no processo de ensino-aprendizagem, mostrando os potenciais dessa ferramenta.

Elevando o level: memes como alternativa lúdica no ensino de inglês

Uma pesquisa do Programa de Pós-graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Goiás (UFG) mostrou que o trabalho com leitura e produção de memes em sala de aula de uma escola pública teve um potencial significativo para promover uma educação linguística crítica no ensino de língua inglesa. A pesquisa demonstrou que, ao interagirem com memes, os alunos desenvolveram um olhar mais reflexivo sobre questões sociais e culturais, analisaram discursos implícitos e problematizaram estereótipos, o que contribui para uma formação muito além da competência linguística.

"A escolha dos memes como ferramenta pedagógica se justifica pelo nível de engajamento e interesse entre os estudantes, por serem um gênero digital amplamente consumido", reforça a professora Karine Silva Souza, que também é professora da rede municipal de ensino. Além disso, ela afirma que a linguagem acessível e a multimodalidade dos memes, que combinam texto e imagem, oferecem uma oportunidade de explorar aspectos linguísticos e culturais de forma crítica.

Além de atrair a atenção dos alunos, o material é ponto de partida para discussões sobre temas sociais e culturais, possibilitando a problematização de relações de poder e estereótipos. "Especificamente no ensino de língua inglesa, trabalhar com memes permite conectar o aprendizado da língua com práticas comunicativas contemporâneas e desenvolver o pensamento crítico sobre o uso da linguagem em um contexto digital", afirma a professora.

Para conduzir a investigação, a professora e pesquisadora realizou um estudo de caso qualitativo em uma turma do 9º ano de uma escola municipal de Abadia de Goiás, com a participação de 25 alunos. Ao longo de oito aulas, foram utilizadas diversas fontes de pesquisa, incluindo questionários, gravações em áudio das interações em sala de aula, as produções dos alunos (os próprios memes), um diário de pesquisa da professora e uma roda de conversa ao final.

A análise do material empírico buscou compreender como os alunos interagiam com memes escolhidos por eles e com memes focados em estereótipos culturais, além de examinar as características dos exemplos produzidos pelos estudantes.

Letramento crítico

A pesquisa se fundamentou na abordagem da educação linguística crítica e no conceito de letramento digital crítico. O letramento digital crítico proposto no estudo visa habilitar os estudantes a frequentarem de forma autônoma e responsável o ambiente digital, compreendendo como significados e discursos são construídos e reproduzidos online. "Isso envolve a capacidade de interpretar, avaliar e produzir conteúdo digital, questionando informações e desconstruindo estereótipos", afirma a professora.

Ao ver os memes apresentados pelos estudantes e destacados no estudo, fica bem claro que, embora seja possível identificar rapidamente o humor e a crítica social explícitos, a mediação pedagógica é essencial para aprofundar a leitura crítica, auxiliando no reconhecimento de discursos implícitos e suas conexões com questões sociais mais amplas. "A orientação do professor foi fundamental para que os estudantes pudessem relacionar estereótipos culturais a contextos históricos e globais e para que evitassem a reprodução acrítica de preconceitos em suas próprias produções", afirma Karine.

A experiência relatada na pesquisa revelou desafios, como a resistência inicial de alguns alunos e a necessidade de maior suporte técnico. Contudo, a pesquisa reforça a relevância de práticas pedagógicas que valorizem os interesses e as experiências dos alunos, promovendo uma educação linguística crítica e reflexiva no ensino de inglês em escolas públicas.

Entre as temáticas destacadas pelos estudantes na escolha dos memes estão a dependência digital, questões de desigualdade social, escolhas políticas, mercado de trabalho e estereótipos culturais (veja exemplos abaixo).

 

Memes na educação

 

BNCC

A pesquisa também considerou o contexto da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e como o uso de memes pode se alinhar às suas diretrizes, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento de competências críticas e interculturais. A BNCC é criticada, segundo mostra a pesquisa, por promover uma padronização curricular que desconsidera a diversidade regional e local do Brasil, dando pouca atenção ao contexto social dos estudantes​. No entanto, a pesquisadora mostra que é possível trabalhar dentro das diretrizes da BNCC de forma crítica, adaptando as práticas pedagógicas, como o uso de memes.

Acesse aqui a dissertação Leitura e produção textual de memes na escola pública: possibilidades para uma educação crítica em língua inglesa.

 

A opinião dos educadores sobre os memes na aprendizagem

Uma pesquisa do Programa de Pós-graduação em Arte e Cultura Visual da UFG, produzida pelo professor do Câmpus Goiás da UFG Iram Leandro da Silva aponta que os memes da internet se consolidaram como ferramentas pedagógicas eficazes no ensino médio, com potencial para aumentar significativamente o engajamento dos alunos e facilitar a compreensão de conceitos complexos. O estudo demonstrou que, quando integrados de forma planejada e com objetivos claros, os memes atraem a atenção dos estudantes e promovem um ambiente de aprendizado mais dinâmico e colaborativo.

No entanto, a pesquisa constatou que a maioria dos professores utiliza memes "às vezes" em suas aulas. Mesmo com o consenso de que auxilia o pensamento crítico e a criatividade, com o consenso entre os docentes de que os memes melhoram o aprendizado, ainda há, segundo o pesquisador, necessidade de estimular esses professores a fazer esse uso, o que pode ser feito por exemplo por meio de formações continuadas desses professores.

Iram, que mora em Goiás e é também professor da UFG no curso de Administração, conta que sempre se interessou pela educação, mesmo tendo formações em áreas distintas como Administração, Contábeis e Direito. Ele explica que escolheu uma escola pública de Goiás do ensino médio por sua representatividade no município.

Os achados da investigação mostram que os memes na sala de aula não são apenas entretenimento, mas pontes entre o conteúdo acadêmico e a cultura digital contemporânea dos jovens. Os professores que participaram da pesquisa relataram que o uso de memes tornou conteúdos abstratos, como frações e fusos horários, mais acessíveis e atraentes, integrando a vivência digital com o currículo escolar.

Essa abordagem visual e humorística desperta a curiosidade dos alunos e ativa múltiplos processos semióticos, envolvendo a leitura de imagens, associações culturais e linguísticas. Contudo, a pesquisa também mostra uma preocupação desses professores com o uso consciente e planejado dos memes, evitando o excesso de humor que possa desviar o foco pedagógico.

Uma curiosidade interessante revelada pelo estudo é a diversidade de memes utilizados em sala de aula, que vão desde os memes de humor até os educativos e aqueles diretamente relacionados ao conteúdo da disciplina. "Alguns professores demonstraram criatividade ao incorporar memes até mesmo na divulgação das notas das provas, utilizando uma linguagem digital familiar aos alunos para aliviar a tensão e aproximar a educação da realidade digital", explica o pesquisador. Essa prática destaca o potencial dos memes como ferramentas pedagógicas alinhadas ao conceito de educação em cultura visual.

A pesquisa adotou uma abordagem quali-quantitativa, combinando a aplicação de questionários direcionados a professores de uma instituição de ensino médio com a revisão de literatura sobre o tema. O questionário foi feito com 14 docentes de diversas áreas do conhecimento e explorou a frequência do uso de memes, a percepção dos professores sobre seu impacto no engajamento e na compreensão dos alunos, as estratégias de incorporação e os desafios enfrentados. A análise dos dados coletados permitiu quantificar aspectos específicos do uso de memes e compreender os contextos e as percepções docentes sobre essa prática.

Curioso destacar que o autor usou memes em sua tese para explicar conceitos de Foucault que foram utilizados em sua pesquisa (veja abaixo).

 

Memes na educação


Como explica o autor ao utilizar a imagem, na análise foucaultiana, o meme pode ser interpretado como uma metáfora para os discursos de poder e a maneira como a informação é apresentada e percebida: "Michel Foucault, em sua obra, questiona 'quem fala?' e 'com que autoridade?'", enfatizando que o discurso é sempre uma forma de exercício de poder.

"A imagem clara (Foucault) representa a transparência e a nitidez que o poder deseja apresentar em seus discursos, enquanto a imagem desfocada (Desfoucault) pode simbolizar a confusão e a opacidade que muitas vezes ocultam as verdadeiras intenções por trás dos discursos". É neste contexto que o meme emerge como uma forma de auxiliar o entendimento de informações que nem sempre são de fácil compreensão.

Acesse aqui a tese Os memes da Internet e a Cultura Visual Contemporânea como elementos pedagógicos na educação do Ensino Médio.

 

Receba notícias de ciência no seu celular
Siga o Canal do Jornal UFG no WhatsApp e nosso perfil no Instagram.

É da UFG e quer divulgar sua pesquisa ou projeto de extensão?
Preencha aqui o formulário.

Comentários e sugestões
jornalufg@ufg.br

Política de uso
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal UFG e do autor.

Fonte: Secom UFG

Categorias: educação Humanidades FL fav