
Streaming transforma maneira de fazer e assistir novela
Nova geração de novelas, como Beleza Fatal, adapta o melodrama para o consumo sob demanda
Camila Queiroz, Camila Pitanga e Giovanna Antonelli no pôster de Beleza Fatal (Foto: Reprodução/Série Maníacos)
Eduardo Bandeira
Lolovers, Lolaland, Lolindo. Essas três palavras entraram na cultura pop brasileira após a exibição de Beleza Fatal, novela experimental produzida pelo serviço de streaming Max. Estrelada por Camila Pitanga, Camila Queiroz e Giovanna Antonelli, o projeto conta a história de Sofia (Camila Queiroz), sobrinha de Lola (Camila Pitanga), que parte em uma jornada de vingança contra a tia após ser vítima de uma grande injustiça.
Com apenas 40 episódios, transmitidos em blocos de três a cada segunda-feira, a produção chamou atenção por apresentar ao público uma novela que estava à sua disposição no momento que quisesse, com ritmo intenso, roteiro bem estruturado e elementos estilísticos de qualidade.
A repercussão de Beleza Fatal foi grande: as redes sociais foram inundadas de memes e o público foi conquistado pela atuação de Camila Pitanga como a icônica vilã Lola Argento. No entanto, a percepção da ideia de contar uma novela para streaming levantou a questão: qual o impacto da era do streaming para as novelas?
A relevância histórica e cultural da novela
De acordo com Anne Vilela, graduada em Cinema e Audiovisual pela Universidade Estadual de Goiás (UEG) e doutoranda em Artes, Culturas e Tecnologias na Universidade Federal de Goiás (UFG), a popularidade das novelas no Brasil tem relação com o fato de abordarem questões centrais para a identidade e a cultura das pessoas.
Originárias da radionovela, as telenovelas tornaram-se um produto cultural capaz de unificar diferentes faixas etárias, classes sociais e regiões do país. "Para o brasileiro, a novela é importante, pois reflete e discute questões sociais, políticas e culturais daquele momento", afirma Anne.
Beleza Fatal não se tornou popular por acaso. Em cada episódio, a novela trazia reviravoltas impactantes e fazia com que seus personagens se movessem para caminhos que os desafiassem em suas angústias. Segundo Anne, até mesmo os vilões precisam ser bem construídos, com motivações e traumas, podendo até gerar empatia no público. "Hoje em dia o vilão não é só uma pessoa má por si só, é uma pessoa que sofreu alguma coisa e que tem seus traumas e suas dores", explica a doutoranda.
Além disso, as novelas precisam gerar identificação e despertar emoções no público, seja conforto ou irritação. Beleza Fatal apresentou uma gama de personagens com desafios psicológicos complexos e trajetórias envolventes, garantindo a empatia e o envolvimento do público, principalmente por meio das redes sociais.
De acordo com a pesquisadora, outro fator que contribui para a popularidade das novelas no streaming – e que foi essencial para o crescimento de Beleza Fatal – é o fato de que a antiga adequação ao horário (novelas das 6h, das 7h, das 9h...) perdeu força, o que exige que as telenovelas atraiam um público mais diversificado a qualquer momento.
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Personagem Gisela (Julia Stockler) levanta debate sobre dismorfia corporal (Foto: Reprodução)
Diferenças entre telenovelas para TV e streaming
As telenovelas produzidas para plataformas de streaming têm se distanciado do formato tradicional exibido na TV aberta, especialmente em relação à sua natureza e recepção. De acordo com a pesquisadora Anne Vilela, enquanto a telenovela clássica mantinha um caráter quase documental ao retratar o contexto social de sua época, o streaming propõe uma adaptação da matriz melodramática e das estratégias de identificação.
Essa transformação impacta tanto a estrutura narrativa quanto a recepção global das obras. No streaming, as novelas precisam considerar temas universais e características transnacionais para atingir públicos diversos fora do Brasil. Além disso, há uma participação mais ativa do público, que deixa de ser apenas telespectador e passa a comentar, criticar e engajar nas redes sociais em tempo real.
Essa mudança estimula a cultura do fandom, onde fãs interagem intensamente com o conteúdo. As tramas passam a incluir personagens mais complexos e moralmente ambíguos, rompendo com a dicotomia clássica entre o bem e o mal.
A migração das telenovelas para o streaming tem exigido mudanças significativas na forma como essas narrativas são estruturadas. Conforme destaca a pesquisadora da UFG, há uma necessidade de adaptar o número de capítulos e o ritmo da trama para manter a atenção de um público cada vez mais acostumado a conteúdos rápidos e dinâmicos. O formato mais enxuto e ágil dialoga melhor com os hábitos de quem prefere maratonar episódios e consumir tudo de uma vez.
Essa tendência também está ligada ao comportamento da geração Z, que consome múltiplos conteúdos ao mesmo tempo e demonstra menos paciência para histórias que se desenvolvem lentamente. Segundo Anne, essa geração valoriza a complexidade das narrativas, mas tende a rejeitar o excesso de duração. Essa mudança de perfil do público tem impacto direto nas escolhas de roteiristas e produtores, que precisam encontrar novos caminhos para manter o engajamento.
Formato flexível
Para a jornalista formada pela UFG Jéssica Valério, assistir a Beleza Fatal em uma plataforma de streaming foi uma experiência positiva, especialmente pela flexibilidade que esse formato oferece. "Apesar da minha correria, eu podia assistir à novela no horário, no dia e quantos episódios eu quisesse", conta.
A comunicadora destaca que a narrativa se diferencia das telenovelas tradicionais: com um ritmo mais acelerado, Beleza Fatal apostou em finais de episódios impactantes e na complexidade de personagens que rompem com o maniqueísmo clássico de mocinha versus vilã. "Na verdade, as duas protagonistas são vilãs, e isso conquistou o público", analisa.
Jéssica observa que o streaming não representa exatamente uma substituição da TV aberta, mas sim um novo caminho para o formato. Para ela, a recepção do público tem sido positiva pela liberdade de consumo e pela qualidade das produções, que têm investido em elenco, cenários e roteiros envolventes. "Não é só uma transição das novelas da TV aberta, é o streaming oferecendo algo novo para um público que já ama novela".
Outro ponto observado por Jéssica diz respeito ao ritmo mais enxuto das novelas produzidas para o streaming. Segundo ela, a estrutura de Beleza Fatal, com apenas 40 episódios, contrasta fortemente com a duração tradicional das telenovelas exibidas na TV aberta, que costumam se estender por três a quatro meses ou mais. Para a jornalista, essa concisão contribui para manter o interesse do público em um cenário onde o tempo e a atenção se tornaram recursos disputados.
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Fonte: Secom UFG
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