
Quebra de patentes como resposta ao tarifaço?
Resposta do Planalto ao tarifaço pode resultar em benefícios para a população brasileira
*Por Tatiana Ertner
O Brasil vende petróleo, ferro, aço, café, suco de frutas e carne aos EUA. O Brasil vende aviões. Vende madeira. Vende celulose. E os EUA são o 2º maior parceiro comercial do Brasil, atrás somente da China. O Brasil tem muito a perder com o tarifaço de 50% que entrará em vigor no próximo dia 1º de agosto. O Brasil está à mercê...será?
A resposta do Planalto ao comunicado da Casa Branca foi indicar a reciprocidade à alta tarifação impostas aos produtos brasileiros importados pelos EUA, com ações que envolvem a exploração do sistema de proteção da propriedade intelectual. Uma proposta de mestre!
O que ocorre é que os EUA são o 2º maior depositante de patentes no mundo, depositando mais de 600 mil pedidos de patente em 2023 e são os maiores depositantes de pedidos de patentes em países estrangeiros, enquanto o Brasil deposita menos de 30 mil pedidos de patentes anualmente. No entanto, o Brasil é um mercado bastante promissor para as empresas farmacêuticas norte-americanas, principalmente, tendo movimentado, em 2024, mais de R$150 bilhões.
Essa indústria investe vultuosos montantes em pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos todos os anos e se utiliza da proteção por patentes para essas inovações, como forma de buscar por retorno financeiro de seus investimentos, principalmente, objetivando lucro para reinvestimentos em novas pesquisas e, assim, movimentar o ciclo da inovação. Em suma, são as patentes as reconhecidas responsáveis pelos elevados preços dos medicamentos de marca.
Quando a vigência de uma patente termina, esses desenvolvimentos patenteados se tornam de domínio público e aí as indústrias de genéricos podem produzir medicamentos idênticos por preços muito mais acessíveis. É essa a fase em que as indústrias brasileiras operam. Elas não inovam propriamente, mas acompanham a vida das patentes para estarem preparadas para produzir os medicamentos genéricos. Como não investem em novos medicamentos, não arriscam, sua margem de lucro tem que ser menor, utilizam a contribuição tecnológica desenvolvida pelas indústrias inovadoras, e por isso, os preços dos genéricos devem ser menores que os dos medicamentos recíprocos de marca.
As indústrias que inovam, no Brasil, são principalmente, as americanas. Os medicamentos que desenvolvem chegam no país a preços elevados e só serão produzidos ao preço do genérico ou após 20 anos, que é a vigência de uma patente; ou quando licenciam a patente à indústria de genéricos, mas isso depende de negociações sobre royalties e o que, de fato, está liberado pela detentora da patente para a indústria de genéricos; ou ainda quando há uma emergência de saúde pública, porque nossa legislação prevê a possibilidade de licenças compulsórias, o que as pessoas chamam de quebra de patente. Isso está posto no artigo 71 da lei de propriedade industrial brasileira (9279/96) e que se respalda no artigo 31 do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionadas ao Comércio (TRIPS, na sigla em Inglês).
Além disso, durante a pandemia, o Governo Bolsonaro sancionou a lei 14.200/2021 que estabeleceu regras para as licenças compulsórias de patentes de vacinas e medicamentos em situações de emergência em saúde pública. Ao sugerir uma reciprocidade utilizando o dispositivo legal e de acordo com a OMC, o Brasil infere nos EUA a mesma apreensão que nos abateu ao sermos apresentados aos termos do tarifaço. Mesmo que não seja levado à cabo, o Brasil assim provou ser soberano em seu próprio país, não aceitando ser alvo de medidas econômicas divergentes dos acordos internacionais à revelia.
O Brasil, em 2007, teve a única ação de licença compulsória sobre o medicamento Efavirenz para tratar a AIDS, da Merck Sharp & Dohme, para quem o Brasil pagou royalties de 1,5%, mas o custo do tratamento caiu de US$ 580 para US$ 168 por paciente por ano. Isso gerou uma economia de mais de US$ 235 milhões para os cofres públicos até 2012, quando a patente do Efavirenz expirou. O Brasil, no entanto, sofreu diversas retaliações da Big Pharma por causa dessa ação, a última delas foi não ter sido incluído entre os países participantes de uma licença de não exclusividade da americana Gilead para produzir o Remdesivir durante a pandemia para combater a COVID-19 (para mais, acesse: https://cee.fiocruz.br/?q=node/1176 ) e existe uma preocupação sobre novas retaliações se a licença compulsória a outros medicamentos relevantes de empresas americanas for levada à cabo.
Mas, será mesmo que devemos nos preocupar? Será que faltarão medicamentos no mercado brasileiro? As nossas empresas são capazes de produzir genéricos com as licenças compulsórias ou podem se adaptar, o que pode, de fato, resultar num impulso benéfico para a indústria brasileira. Devemos nos lembrar que a licença compulsória não é usurpação, é uma obrigação de haver acordo. O governo paga royalties e negocia transferência de tecnologia e outros termos da licença. As indústrias não entregam suas patentes, mas são obrigadas a negociar. No entanto, não podem mais executar as margens de lucro que operam normalmente. Isso é um impacto no mercado americano, não no brasileiro. Aqui, os medicamentos seriam ofertados no mercado, imediatamente, a preços menores, inclusive, ou seja, essa ação não impactaria negativamente a inflação, o que ocorrerá se o mercado interno tiver que sobretaxar os produtos de exportação para arcar com os prejuízos do tarifaço.
Outra ação relacionada ao exercício dos direitos de propriedade intelectual é sobretaxar os produtos culturais americanos, como filmes e músicas. Esses têm e fazem jus a direitos autorais que, se sobretaxados, levariam a um menor consumo dentro do nosso país, sendo uma ação, também, de resultado imediato no mercado americano.
Alguns têm expressado a preocupação com uma insegurança jurídica que pode nascer da preocupação de empresas farmacêuticas em operar no Brasil, mas acredito que esse é um risco muito pequeno. Isso porque, em 14 de abril, a lei da reciprocidade econômica (Lei 15.122/2025) foi sancionada e em 14 de julho, foi regulamentada com o decreto 12.551/2025, o que permite que o Brasil adote medidas em resposta a ações unilaterais de outros países que prejudiquem a competitividade brasileira. Ele estabelece esses critérios relacionados aos direitos de propriedade intelectual que está sendo alardeado e foi publicado no DOU hoje, 15/07/2025.
Infelizmente, em um mundo que antes procurava a globalização de modo a erradicar a pobreza, nos vemos buscando formas de fazer valer nossa soberania e manter nossa economia em funcionamento saudável. De todo modo, a resposta do Planalto à Casa Branca é inteligente e preserva o povo brasileiro dos grandes prejuízos que a irracionalidade de uma pessoa com poder demais pode causar. Então, perguntei anteriormente, o Brasil perde? Sim, porque em disputas, todos perdem algo e avalia-se que sai vencedor aquele que perde menos! Confuso? Nem tanto! O Brasil perde, mas os EUA...bem... eles que avaliem!
*Tatiana Duque Martins Ertner de Almeida é professora do Instituto de Química, coordenadora de Internacionalização do IQ, mantém linhas de pesquisa sobre propriedade intelectual, projetos de extensão de PI no ensino básico e coordena o curso de especialização em Propriedade Industrial da UFG
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Fonte: Secom UFG