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Universidade Federal de Goiás
O Poderoso Chefão

Grupo de pesquisa da UFG estuda interfaces entre literatura e cinema

Em 15/08/25 14:14. Atualizada em 15/08/25 14:14.

Análises baseadas na semiótica peirciana mostram que livros e filmes constroem sentidos próprios

 

O Poderoso Chefão

Marlon Brando como Don Vito Corleone, protagonista de O Poderoso Chefão, obra adaptada do romance de Mario Puzo  (Imagem: Reprodução)

 

Eduardo Bandeira

Cinema e literatura são formas de arte que se complementam em diversos aspectos. As adaptações de livros para o formato audiovisual, por exemplo, mostram como essas áreas podem se cruzar. Nesse contexto, um grupo de pesquisa da Faculdade de Letras (FL) da Universidade Federal de Goiás (UFG) investiga a relação entre literatura e cinema com base nos estudos da semiótica – área que analisa os signos e significados – a partir das ideias do filósofo Charles Peirce.

A professora Neuda Lago, coordenadora do projeto, explica que o objetivo é desenvolver nos estudantes um olhar analítico e intersemiótico sobre cinema e literatura, compreendendo os dois sistemas como linguagens e percebendo que toda escolha é um gesto de sentido: no cinema, do plano-sequência ao corte seco, da escolha de cores ao uso do silêncio, tudo comunica algo. E o mesmo vale para a literatura: o uso da primeira pessoa, o fluxo de consciência, o tempo narrativo – tudo passa a ser lido como construção intencional. Após a participação no projeto, os estudantes tendem a enxergar as obras cinematográficas não como meras cópias dos livros, mas como criações autônomas e com suas próprias identidades.

O projeto surgiu de uma inquietação intelectual em torno das interfaces entre esses dois sistemas sígnicos distintos, porém intercomunicantes. A professora Neuda percebeu uma timidez na academia quanto às abordagens da relação entre literatura e cinema, que frequentemente se baseavam em critérios de fidelidade do filme ao livro, como se o cinema fosse inferior à literatura. Como pesquisadora apaixonada por ambas as formas de arte, percebeu a urgência de investigar os mecanismos tradutórios envolvidos na transposição de uma narrativa verbal, essencialmente simbólica, para um meio predominantemente icônico como é o cinematográfico.

Iniciado timidamente em 2008 com uma única bolsista de iniciação científica, o projeto avançou nos estudos sobre intermidialidade, adaptação fílmica e teoria dos signos. Hoje, envolve um grande número de estudantes da pós-graduação, graduação e também do ensino médio, com diferentes modalidades de bolsas de iniciação científica,

"De 2008 para cá, se a gente fosse fazer um antes e depois, seria realmente impressionante, porque, quando o projeto começou, era bem raro se discutir intermidialidade nos cursos de Letras. Hoje, a gente tem uma geração inteira de estudantes que compreende muito bem que cinema e literatura não são hierarquias – são sistemas distintos, cada um com as suas potências de significação", explica Neuda.

A professora da FL Lílian Pôrto, uma das integrantes mais recentes do projeto, descreve o grupo como um ambiente de aprendizagem colaborativo, onde estudantes do ensino médio, graduação e pós-graduação atuam como colegas, com os mais experientes assumindo o papel de mentores. Para Lílian, essa estrutura favorece a troca de conhecimentos e habilidades: enquanto os orientadores contribuem com sua bagagem teórica e metodológica, os estudantes mais jovens trazem entusiasmo e novas perspectivas à pesquisa.

Neuda Lago
Neuda Lago, professora da Faculdade de Letras da UFG (Imagem: Reprodução TV UFG)

Semiótica peirceana

Inspirados na perspectiva semiótica de Peirce, os participantes do projeto adotam a visão do signo como um sistema triádico, constituído pela relação entre algo que representa (o Representamen), aquilo que é representado (o Objeto) e o efeito interpretativo que isso produz (o Interpretante).

Dentre as várias tricotomias peirceanas, se concentram especialmente naquela que classifica os signos conforme sua forma de se relacionar com o objeto: os ícones, que operam por semelhança; os índices, que mantêm uma conexão causal ou factual; e os símbolos, cuja ligação com o objeto se dá por convenção. Essa estrutura conceitual oferece ferramentas potentes para analisar como livros e filmes constroem sentido através de diferentes meios expressivos, revelando a complementaridade entre texto e imagem na articulação de narrativas e experiências.

Em relação à escolha da semiótica peirciana para orientar as pesquisas, o doutorando em Letras e Linguística Gabriel Gomes, participante do projeto desde a graduação até o doutorado, explica que a principal vantagem de sua utilização está na amplitude e flexibilidade da teoria, que não se limita a um campo específico.

Planos e pesquisas

Iury Aragonez, doutorando em Letras e o primeiro coorientador do projeto, explica que os estudos de iniciação científica são desenvolvidos por meio da elaboração de um plano de trabalho para cada aluno, que escolhe uma obra literária adaptada para o cinema, define objetivos e metodologia. Esse plano tem que ser aprovado pelo Comitê Gestor da Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação (PRPI). A pesquisa ocorre em etapas: estudo teórico das relações entre cinema e literatura e da semiótica peirciana; análise individual das obras literária e audiovisual; e investigação dos elementos sígnicos escolhidos pelos próprios alunos.

A doutoranda em Letras e Linguística Ana Luísa Lucas, também coorientadora do projeto, destaca que os alunos têm liberdade para escolher as obras literárias que foram adaptadas para o cinema. Quando os alunos se formam, é comum que os novos estudantes deem continuidade a planos de trabalho já em andamento, utilizando as obras escolhidas por alunos anteriores. Contudo, para a criação de novos planos, os estudantes têm autonomia para definir tanto o plano quanto as obras que serão analisadas.

Para análises bem-sucedidas, é necessário que os alunos quebrem alguns preconceitos. Gabriel Gomes ressalta que o processo começa com o contato com a bibliografia básica específica para cada orientação. Ele salienta a importância de os estudantes romperem com a ideia de fidelidade entre a obra e sua adaptação cinematográfica.

Os participantes devem compreender literatura e cinema como sistemas distintos, cada um com suas próprias lógicas internas de articulação dos signos e modos de produzir efeitos interpretativos. O projeto atua nesse ambiente de ressignificação, onde os signos se deslocam, ganham novos sentidos ou são reinventados ao serem transpostos de um sistema para outro.

 

Adaptações audiovisuais

Adaptações audiovisuais de obras literárias costumam dividir opiniões dos fãs (Imagens: Reprodução)

 

O Poderoso Chefão

O doutorando em Letras pela UFG Pedro Verdejo, também coorientador do projeto, utiliza O Poderoso Chefão como exemplo para discutir as complexidades das adaptações cinematográficas. Para ele, o filme desafia a ideia de que o cinema seria um meio "inferior" em relação à literatura. "Eu diria que as obras não destoam no enredo, mas passam diferentes perspectivas de criação", afirma.

Segundo Pedro, a adaptação do romance de Mario Puzo é especialmente interessante por subverter o estereótipo do cinema como mero produto da indústria de massa. "O próprio Puzo alegou em entrevista que escreveu o livro com o objetivo de vendê-lo, para surfar na onda de histórias grandiosas", explica. No entanto, o filme dirigido por Francis Ford Coppola toma outro rumo.

"Existe uma tensão muito bem documentada entre Coppola – que era um diretor de uma cena mais autoral e caiu por acaso nesse projeto –, o estúdio Paramount e o próprio Puzo, que assina o roteiro. Essa tensão criativa e produtiva entre diferentes interesses gerou um filme com uma narrativa bem mais complexa do que a que está no livro", completa Pedro.

Entre as muitas camadas dessa adaptação, o pesquisador destaca uma cena específica como a mais emblemática: "Uma cena que eu gosto muito de chamar atenção é aquela em que o Michael se prepara para assassinar o Sollozzo. Acho que é a colaboração mais original do trabalho em relação ao livro".

Sobre o uso da fidelidade como critério para analisar uma obra cinematográfica, como muitos fãs de grandes sagas costumam fazer, o professor de inglês Gelson Bueno, graduando de Letras na UFG e coorientador dos alunos de ensino médio do projeto, argumenta que não existe uma forma correta de se adaptar uma obra literária para o cinema. Para ele, uma adaptação é, antes de tudo, uma nova leitura do material original, que abre espaço para diversas possibilidades interpretativas.

Gelson defende que a fidelidade não deve ser o critério de avaliação de uma adaptação, pois o resultado final é uma obra nova e autônoma. Ele explica que as adaptações são produtos do momento histórico e cultural em que são realizadas. Como exemplo, menciona a série mais recente de Percy Jackson, ressaltando que uma adaptação considera o público atual, a visão do diretor sobre a obra original e o contexto social vigente. Isso pode levar a interpretações e escolhas narrativas diferentes do livro. Gelson conclui que a literatura original permanece inalterada, e o cinema oferece uma nova interpretação dessa obra.

 

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Fonte: Secom UFG

Categorias: Audiovisual Arte e Cultura FL Notícia 1