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Universidade Federal de Goiás
Aula Emily Acessibilidade

 Acessibilidade na UFG: uma construção diária e coletiva

Em 15/09/25 14:33. Atualizada em 15/09/25 15:45.

Conheça a trajetória de Emily Silva e o papel do Núcleo de Acessibilidade na inclusão de estudantes com deficiência na UFG

 

Aula Emily Acessibilidade

Detalhe da estudante Emily Silva durante atividade de pintura no curso de Artes Visuais da UFG (Foto: Carlos Siqueira/Secom UFG)

 

Kharen Stecca

Compreender a acessibilidade na universidade vai muito além da simples adequação arquitetônica, como a instalação de rampas e elevadores. É um conceito muito mais amplo, que envolve não só o ambiente físico, mas também as pessoas que circulam nele e toda a sociedade. "A acessibilidade é sobre a convivência de pessoas com deficiência no mesmo ambiente que os demais, rompendo um longo processo de segregação que as mantinha invisíveis", ressalta a diretora de Acessibilidade da Universidade Federal de Goiás (UFG), Ana Claudia Antonio Maranhão Sá.

É nessa perspectiva que o Núcleo vem acompanhando a estudante do curso de Artes Visuais – Licenciatura, Emily Araújo Silva, de 23 anos. Ela é uma dos 157 estudantes acompanhados hoje pelo Núcleo. Recém-chegada na Universidade, Emily ingressou no curso em março de 2025. Ela tem paralisia cerebral, uma condição permanente que afeta os movimentos e a postura corporal. No caso específico de Emily, há alteração no controle de movimentos das mãos, pés, tronco, cabeça e fala. Dessa forma, ela consegue utilizar um tablet para se comunicar e participar das aulas de desenho utilizando os pés.

 

Aula Emily Acessibilidade

Emily e Surya, profissional de apoio, em aula prática de pintura na UFG (Foto: Carlos Siqueira/Secom UFG)

 

A Política de Acessibilidade da UFG vem sendo pensada e formulada desde 2008. Em 2017 foi oficialmente criada em defesa da democratização da educação em prol da oportunidade de acesso e permanência dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.

Mas, como lembra Ana Cláudia, a acessibilidade é um trabalho individualizado, feito caso a caso, porque cada estudante tem uma especificidade que precisa ser entendida para permitir a evolução desse estudante em sua trajetória acadêmica. "Alguns podem ser atendidos com pequenas intervenções; outros precisam de um maior apoio", explica.

Pensando nisso, a equipe do Núcleo de Acessibilidade tem realizado estudo contínuo, inclusive nas aulas da estudante Emily, para identificar o apoio da instituição para seu aprendizado. A equipe avaliou questões das mais diversas: análise da amplitude dos movimentos da estudante, o cavalete em que o desenho é apoiado, as rampas de acesso ao primeiro piso do prédio e, principalmente, como o acesso a alguns softwares específicos pode facilitar seu contato com os colegas da turma.

 

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Equipe do Núcleo de Acessibilidade participou da aula para pensar estratégias (Foto: Carlos Siqueira/Secom UFG)

 

Detalhes importantes

A história do cavalete que Emily usa, por exemplo, começa com a professora da disciplina de Desenho, Kelly Mendes, que levou um cavalete de mesa para a aula, que foi reproduzido pelo pai da estudante. Mesmo assim, ainda é preciso estudar a questão do posicionamento dele, de forma a torná-lo mais acessível a ela. Emily prefere usar o pé esquerdo, mas também usa o direito conforme sua preferência do momento ou cansaço do outro membro.

A estudante é acompanhada por profissional de apoio desde o primeiro semestre. No dia em que o Jornal UFG acompanhou a aula, a profissional estava em seu auxílio, fazendo a condução da cadeira de rodas e realizando sua higiene e alimentação. Também auxilia Emily nas atividades práticas, auxiliando nos movimentos que ela não consegue realizar, como por exemplo, posicionar os papéis e pincéis durante as aulas de desenho.

Mesmo com todas as limitações, Emily consegue se comunicar com os colegas por aplicativo de mensagem, acessar os textos da aula e ler os materiais enviados pelos professores. Pedimos à Emily que desse um depoimento por escrito sobre como tem sido sua experiência na universidade, como ela chegou até aqui e quais as suas expectativas. Em seu relato fica claro que há um mundo novo se abrindo com sua presença na graduação:

 

"Ingressar na UFG foi o começo de um grande sonho que sempre tive. Escolhi o curso de Artes Visuais – Licenciatura. Na verdade, eu queria Artes Plásticas, mas só havia esse curso em Minas Gerais. No fim das contas, descobri que era praticamente a mesma coisa. Tenho o apoio de locomoção e alimentação, o que já ajuda bastante. Minha interação com os colegas de turma tem sido mais agradável do que eu imaginava, o que me deixa feliz e acolhida. O que eu espero para o futuro com essa formação é poder mudar a vida das pessoas com a minha história e com a arte. E, claro, montar o meu ateliê! Meu conselho para outras pessoas com deficiência que têm vontade de fazer um curso superior é: vá em frente, siga seus sonhos e seja feliz".

(Emily Araújo Silva, estudante de Artes Visuais – Licenciatura na UFG, 23 anos)

 

Uma das aulas teóricas de Emily no semestre passado foi de História da Arte, ministrada pela professora Patrícia Bueno. A professora conta que tem aprendido muito com ela, mais do que ensinado: "É um sentimento que começou como um desafio e tem se tornado um grande aprendizado. Eu percebo o interesse dela pela matéria e como ela, às vezes, parece ter até mais atenção que outros colegas. No início ela estava mais retraída, mas, passado o primeiro momento, ela participou das aulas e já se sentiu segura para comentar", explica a professora.

No caso das aulas teóricas a adaptação se dá pela exposição de áudios sobre os textos, vídeos e também os textos em formato PDF para que ela leia pelo tablet.

Já nas aulas práticas o desafio é maior, mas não tem desmotivado os professores. Kelly ressalta que tem aprendido muito com ela. Sua experiência inclusive motivou um projeto de extensão em que a estudante participou junto com outros alunos que foram convocados a pintar com o pé como ela, a pintar de olhos vendados (o que ela também fez) e a pintar ouvindo músicas com sons diferentes dos ocidentais: a ideia era causar algum incômodo ou limitação para que o estudante refletisse sobre sua experiência na produção.

"Acho importante que a experiência de Emily seja mais do que apenas integração; queremos conectá-la com a proposta da aula para que o fazer dela seja também reflexivo e ela possa evoluir em seu aprendizado. Quero que ela pense dentro do que estamos discutindo na aula, e não só do que ela já fazia, para que ela aprimore sua técnica", considera Kelly.

Ela ressalta que não é arteterapia. O curso visa que o estudante tenha a experiência da produção de arte e essa é a intenção dessa inserção da estudante no contexto da disciplina.

 

Aula Emily Acessibilidade

Patrícia destaca que o desafio de ser professora de Emily é um grande aprendizado (Foto: Carlos Siqueira/UFG)

 

Família e orientação pedagógica

A família de Emily é grande apoiadora de sua graduação e a tem auxiliado muito. O Núcleo de Acessibilidade oferece, no turno vespertino, apoio pedagógico, mas Emily nem sempre consegue participar. Mesmo assim ela tem conseguido acompanhar as disciplinas. A equipe do Núcleo ressalta que o apoio familiar é imprescindível no sucesso desses estudantes.

Um problema que afetava não só Emily, mas também outros estudantes com dificuldade de locomoção, era a acessibilidade ao primeiro andar do prédio. Na Faculdade de Artes Visuais (FAV) existe um elevador, que constantemente estava fora de serviço, pois é um equipamento que exige cuidados específicos, evitando, por exemplo, o transporte de pesos maiores que o suportado.

Por isso, no primeiro semestre os docentes faziam a movimentação de equipamentos do primeiro andar para uma sala no térreo, de forma a garantir o acesso à estudante. Esse problema foi solucionado com a inauguração de um novo elevador no último dia 22 de agosto.

Info Acessibilidade

Núcleo de Acessibilidade

O Núcleo foi criado em 2008 justamente para funcionar como ponte entre esses estudantes que acessam a Universidade, dando o suporte necessário para que eles tenham as devidas condições para a promoção de sua autonomia na trajetória acadêmica.

"É crucial educar as pessoas para conviver com a deficiência, refletindo constantemente para que sentimentos como a dó ou pena não se sobreponham à relação de apoio, amizade ou ensino. Além disso, a acessibilidade não se destina apenas a quem nasce com uma deficiência, mas a todos, visto que qualquer pessoa pode se tornar uma pessoa com deficiência a qualquer momento e necessitar dela", lembra a diretora do Núcleo,  Ana Claudia Antonio Maranhão Sá.

Segundo ela, a Universidade tem recebido esses estudantes de diversas formas de ingresso. "Aqueles que entram por cotas são identificados pelo Núcleo desde o início. No entanto, muitos chegam pela ampla concorrência, podem nem saber da existência do Núcleo até que uma crise, um adoecimento ou um conflito se instale".

Para casos de maior necessidade de apoio, o Núcleo realiza o estudo de caso, conforme previsto na lei brasileira de inclusão (13.146/2015), assim que o estudante se matricula e caso seja de sua vontade.

Essa avaliação inicial é multidisciplinar, com atendimentos individualizados com psicóloga, psicopedagoga e técnico em tecnologias assistivas, com o intuito de mapear primeiramente as potencialidades da pessoa e as barreiras que ela pode enfrentar em seu curso.

"Ao fim da triagem, a equipe elabora um relatório detalhado que é disponibilizado no Sigaa para a coordenação de curso e docentes das disciplinas nas quais o estudante estiver matriculado", explica a professora.

O Núcleo oferece apoio contínuo, incluindo atendimento psicopedagógico para dificuldades de aprendizagem, e pode interagir com a família para explicar o papel da Universidade. No entanto, um desafio significativo é que muitos professores não estão preparados para lecionar para estudantes com deficiência e precisam ser educados para lidar com essa realidade.

 

Aula Emily Acessibilidade

Professora Kelly Mendes (FAV/UFG): "queremos que ela aprimore sua técnica" (Foto: Carlos Siqueira/UFG)

 

O panorama atual da Universidade em relação aos estudantes com deficiência, segundo a diretora do Núcleo, é desafiador. Há um aumento significativo de estudantes procurando o Núcleo, com todos os tipos de diagnósticos: deficiências físicas, visuais, auditivas, intelectual e transtorno do espectro autista. O Núcleo, cujo projeto inicial era focado na compra de equipamentos, passou ao longo dos anos para a necessidade de construção da cultura de acessibilidade.

"A Universidade ainda está despreparada para lidar com certas situações, como o planejamento de aulas que precisam ser fluidas para todos, sem prejudicar o aprendizado dos demais estudantes. A responsabilidade pela acessibilidade não recai apenas sobre o núcleo ou o docente, mas sobre toda a Universidade, desde a Reitoria até a equipe de limpeza, exigindo uma mudança cultural de todos para considerar, por exemplo, o posicionamento de carteiras ou lixeiras nos corredores", afirma.

Setembro Verde

Evasão

O combate à evasão de estudantes com deficiência é um dos focos da UFG. Os estudantes podem enfrentar barreiras relacionadas à deficiência e também às dificuldades sociais. Por isso, a acessibilidade envolve a superação das barreiras arquitetônicas, informacionais, pedagógicas, atitudinais, mas também acesso às políticas de assistência estudantil.

"Apesar dos desafios, a missão é oferecer formação com acessibilidade e qualidade, com condições para que cada pessoa tenha seu melhor desenvolvimento e contrua as competências necessárias para o mundo do trabalho. O Núcleo, apesar de ser uma equipe menor que o necessário, trabalha incansavelmente para enfrentar esses problemas, juntamente com todas as instâncias da UFG", ressalta Ana Claudia.

O caso de Emily é um exemplo claro dos múltiplos desafios da acessibilidade. Devido à sua necessidade de apoio, o Núcleo iniciou o estudo de caso assim que ela se matriculou. "Emily não precisa apenas de rampas ou de alguém para conduzir sua cadeira de rodas; ela necessita de apoio constante na sala de aula. Suas aulas precisam ser totalmente planejadas com antecedência, idealmente com o professor contatando o Núcleo para preparar materiais, como por exemplo, uma prancha de comunicação, a fim de garantir maior fluidez", explica.

Outra barreira significativa é a dificuldade de fala da Emily, exigindo dela mais tempo e esforço. Para isso, o Núcleo está estudando o uso de tecnologias assistivas que permitam que ela se comunique mais rapidamente. "O caso de Emily requer mais apoio e ela encontra mais barreiras do que outras pessoas, demandando um esforço contínuo do Núcleo para eliminar ou ao menos transpor essas barreiras", detalha Ana Cláudia.

 

Gabriel
Gabriel com a mãe e servidoras do Núcleo de Acessibilidade (Foto: Arquivo Pessoal)

Êxito da graduação na UFG com inclusão e acessibilidade

Em agosto de 2025, o estudante Gabriel Camilo da Silva formou-se em Design Gráfico. Ele tem deficiência intelectual e, tal qual Emily, é um dos estudantes que foram acompanhados desde o início pelo Núcleo de Acessibilidade da UFG. Sua formatura é a concretização desse processo de inclusão de estudantes.

Logo após sua formatura, Gabriel destacou: "Se fosse preciso, faria tudo de novo. Que realização, que sonho!". Ele também destacou a ajuda do Núcleo de Acessibilidade apoiando em suas atividades acadêmicas. Sua mãe, Antônia Camilo da Silva, também emocionada, destacou que se realizou por meio da formatura de seu filho.

Gabriel Camilo teve o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) orientado pelo professor Flávio Gomes de Oliveira. Segundo o professor, foi um estudante exemplar, com algumas limitações, mas com muita força de vontade.

"A inclusão de estudantes com deficiência dentro da Universidade é sem dúvida um grande desafio. Nós, professores, precisamos nos adaptar constantemente. Tenho dito que os casos que temos na FAV são verdadeiras escolas para nos preparar para um futuro muito mais inclusivo. O desafio nos faz aprender", explica.

Para o professor, Universidade é uma instituição em constante transformação e os desafios são contínuos. "Fico muito feliz por estarmos vivendo essa etapa neste momento. Isso me faz acreditar que a educação pública de qualidade pode, sim, ser emancipadora – na prática, e não apenas na teoria", afirma.

Ele conta que no TCC Gabriel trabalhou em um curta-metragem de animação junto com dois colegas de turma. O resultado foi o melhor esperado: um grupo coeso, que colaborou o tempo todo, dividindo tarefas e compartilhando os resultados. "O curta ficou lindo, poético, com uma técnica arrojada e pautada em uma estética regional bem elaborada e respeitosa", conta.

O professor também destaca o apoio da família na superação dos obstáculos. "Receber estudantes com esses desafios tem nos feito muito bem. Estamos aprendendo com eles, e o convívio com os colegas é essencial para construir esse senso de inclusão".

 

Acessibilidade Gabriel

Gabriel com o tio e figura paterna Manoel Messias e a mãe Antônia Camilo (Foto: Arquivo Pessoal)

 

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Fonte: Secom UFG

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