
A universidade pública como fator de desenvolvimento nacional
Tema foi debatido no Ciclo Nacional de Seminários Autonomia Universitária, encerrado na UnB
Mesa de abertura do seminário, com representantes da UFG, Udesc, UnB, UFPE, UFPA e USP (Foto: Luiz Roberto Serrano/Jornal da USP)
Luiz Roberto Serrano, do Jornal da USP
"Nossos seminários discutem a universidade pública como fator de desenvolvimento nacional. Onde há uma universidade pública a região se desenvolve". A observação foi de Arlindo Philippi Jr., chefe de Gabinete da Reitoria da Universidade de São Paulo (USP), na mesa de abertura do sexto encontro do Ciclo Nacional de Seminários Autonomia Universitária – Fator de Desenvolvimento do País, realizado na última quarta-feira (17/9), na Universidade de Brasília (UnB).
A realização desse sexto encontro, o último da série, também municiou a confecção de um texto condensando as reflexões e propostas de todos os seis seminários realizados, que será encaminhado ao Congresso Nacional como proposta de aperfeiçoamento do ensino superior brasileiro.
Sob o título Autonomia: a chave para as Universidades brasileiras de excelência, o texto que será encaminhado ao Congresso Nacional diz:
"A excelência universitária não é um luxo, mas um pré-requisito para o desenvolvimento. Ela é o elo que conecta a pesquisa científica à inovação tecnológica, a formação de profissionais qualificados à produtividade econômica, e o pensamento crítico à construção de uma sociedade robusta e democrática.
A autonomia é o alicerce fundamental para a excelência das universidades. A autonomia não é um privilégio institucional, mas uma condição indispensável para que a universidade cumpra sua função pública, democrática e transformadora" (leia a íntegra no final da reportagem).
Os seis encontros, que reuniram universidades estaduais, federais e municipais, desde o ano passado, foram realizados na Universidade Estadual de Santa Catarina (UFSC), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal de Goiás (UFG) e UnB.
Diferentes experiências
As discussões permitiram o cotejo das experiências de universidades que detêm ampla autonomia, como as estaduais paulistas, de outras, também estaduais, que convivem com restrições apesar de gozar de certo grau de independência legal, e das federais, que dispõem de grau restrito de liberdade frente ao governo central, principalmente em relação à questão financeira.
"Foi muito importante trazer a discussão do tema para Brasília para consolidar a educação superior como política pública no Brasil, discuti-la no Congresso Nacional", afirmou a reitora da UnB, Roseana Naves. "A educação superior envolve um projeto de país, a soberania nacional, a soberania científica, digital e social", acrescentou.
A tese tem apoios na Comissão de Educação da Câmara Federal: "Autonomia de cátedra não é possível sem a orçamentária. Universidade não pode viver de emendas. Temos que vigiar, debater, questionar", afirmou o deputado federal Reginaldo Veras (PSOL), vice-presidente da comissão, em exposição no seminário. "O governo federal anterior atacou a autonomia. Nós temos que articular, propor, resistir", acrescentou, referindo-se, principalmente, aos problemas das universidades federais.
"Autonomia é estratégica", acrescentou a reitora da UFG, Angelita Pereira de Lima. "Autonomia é importante em um país tão diverso", definiu.
Para o secretário de Educação Superior do Ministério da Educação, Marcus Vinicius David, os desafios que as universidades estão enfrentando no mundo todo – e os Estados Unidos, no momento, seriam exemplo disso – recomendam debater os modelos dessas instituições no Brasil.
Nina Ranieri, professora da USP, colocou uma preocupação: "Até que ponto a crença na autonomia se espalha pela sociedade?". Para ela, "universidade sem autonomia não é universidade". E deixou a pergunta: "O sistema de autonomia paulista funciona, mas como será depois da nova reforma tributária?".
Já para Christiano Coelho, reitor da Universidade Federal de Jataí (UFJ), uma das seis supernovas unidades de ensino superior no País, desmembrada da Federal de Goiás, a pergunta é mais básica: "De qual autonomia estamos falando?" – uma questão importante para uma instituição em processo de implantação.
"Aquele espírito inovador da Universidade de Brasília, contido pelo regime militar de 1964, não se realiza", criticou o ex-ministro da Educação Paulo Speller, que, atualmente, está na Universidade Afro-Americana da África Central, localizada na Guiné Equatorial. E sentenciou: "Me sinto de volta ao passado, pois o debate continua o mesmo de 20 a 25 anos atrás".
Para Alfredo Macedo Gomes, reitor da UFPE, as universidades federais "são politicamente dependentes, e tal dependência é gerida pelo grupo político que ocupa o poder, a partir da utilização e instrumentalização dos dois modelos, o que permite o exercício do poder e controle político sobre as universidades federais; não gozam de todos os pré-requisitos da autonomia universitária sendo politicamente dependentes". Para ele, "a dependência política é a mantenedora das demais formas de dependências: a administrativa, financeira, patrimonial e curricular".
Cicília Raquel Maia Leite, reitora da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e presidente da Associação Brasileira das Universidades Estaduais e Municipais, identificou uma dificuldade na construção da autonomia universitária no país onde ela não existe: "Falta uma agenda estratégica, talvez um plano de 15 anos, uma pactuação, há assimetrias no país".
"A universidade está abraçando o povo?", perguntou, por sua vez, o ex-senador e ex-reitor da UnB, Cristovam Buarque, em meio aos inúmeros questionamentos que alinhou durante as discussões do seminário, em que ressaltou que "vivemos em uma democracia em que o que existe na sociedade não dá para todos". Diante das dificuldades e distopias existentes, a autonomia seria fundamental para a universidade pensar "solto, livre, o novo". Para ele, a universidade "tem a grande chance de fazer a autocrítica de tudo", gerar um novo Iluminismo.
Autonomia: a Chave para Universidades Brasileiras de Excelência
A excelência universitária não é um luxo, mas um pré-requisito para o desenvolvimento. Ela é o elo que conecta a pesquisa científica à inovação tecnológica, a formação de profissionais qualificados à produtividade econômica, e o pensamento crítico à construção de uma sociedade robusta e democrática.
A autonomia é o alicerce fundamental para a excelência das universidades. A autonomia não é um privilégio institucional, mas uma condição indispensável para que a universidade cumpra sua função pública, democrática e transformadora. Ela protege a universidade de interferências externas indevidas e a capacita a agir com a agilidade, a liberdade e a responsabilidade necessárias para se tornar um verdadeiro impulsionador do desenvolvimento sustentável. As nações que conferem autonomia às suas universidades se dão melhor economicamente e desenvolvem sociedades mais justas e com maior bem-estar.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 consagrou a proteção da autonomia universitária como bem jurídico, protegido pela norma do artigo 207: "As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial (…)". Essa norma é de aplicação imediata e eficácia plena. A constitucionalização da autonomia universitária conferiu maior segurança e estabilidade às atividades universitárias em relação à legislação anterior.
O que pode passar despercebido nesse contexto é a relevância da autonomia financeira. Sem ela, a prestação de contas à sociedade e a possibilidade de se vir a cobrar os dirigentes universitários pela condução das atividades da universidade se diluem pelos caminhos da burocracia e da centralização. Essa condição debilita a responsividade institucional das universidades, independente dos controles a que sejam submetidas, porque seus gestores não podem responder inteiramente pelos resultados alcançados.
A experiência brasileira de autonomia financeira das universidades públicas é limitada, mas impactante. Limitada, por contemplar apenas universidades estaduais e em somente quatro unidades da Federação, mesmo assim, em alguns deles, com limites que podem ser superados. Mas impactante, pelo incremento expressivo nos seus resultados, como ilustra o sistema estadual que primeiro a implementou mediante aporte de fração definida da receita tributária. Os fatos: mais do que dobrou o número de títulos de graduação outorgados; o número de publicações é dezesseis vezes maior; o número de títulos de pós-graduação se multiplica por sete no doutorado e quatro no mestrado; e a presença geográfica se amplifica. Isso é conseguido com uma receita do Tesouro que, em termos deflacionados, aumenta 50% ao longo das três décadas iniciais no regime de autonomia financeira.
O financiamento está entre as questões centrais relacionadas à gestão das universidades federais. Esse sistema tem ampliado sua capacidade de formação e produção científica e extensão de serviços à sociedade mesmo diante de instabilidades políticas, descontinuidades de políticas públicas e ausência de previsibilidade orçamentária. Entretanto, esse sucesso institucional convive com desafios estruturais. A gestão das universidades federais permanece refém de um arcabouço normativo rígido e ultrapassado, que impede contratações ágeis, limita o uso dos recursos de custeio e inviabiliza o planejamento de médio e longo prazo. Esse é um ponto que exige ainda ampla reflexão e posicionamento ativo.
O contingenciamento de verbas, aplicado com frequência crescente, agrava os desafios de gestão e limita a capacidade administrativa dessas instituições. A autonomia financeira plena, com vinculação orçamentária regular, assegurando previsibilidade para planejamento de longo prazo, é um objetivo crucial para que as universidades federais possam planejar e tomar decisões que superem a dependência política. Ela deve vir acompanhada de compromisso proporcional com a responsabilidade de gestão e de alocação de recursos, garantindo que cumpram suas missões institucionais.
O momento de incertezas e transformações ambientais e sociais que estão sendo vivenciados globalmente, com evidentes reverberações no Brasil, renova a necessidade de ampliar e solidificar a autonomia universitária, aliada ao compromisso com a sociedade e a humanidade.
Atentos a este cenário e zelosos pelas finalidades e responsabilidades institucionais, gestores e investigadores de universidades públicas brasileiras reuniram-se em uma série de cinco seminários, correspondendo a cada uma das regiões do País, seguidos por um sexto seminário na Capital Federal. Sediaram os seminários a UDESC, a USP, a UFPE, a UFPA, a UFG e a UnB.
Em um momento em que se intensificam os desafios institucionais, políticos e sociais para o ensino superior público, os seminários revisitaram e debateram criticamente o conceito de autonomia universitária, não apenas como prerrogativa legal, mas como condição estruturante da missão institucional das universidades. As reflexões e discussões havidas em cada evento, naturalmente nuançadas pelas realidades e desafios específicos, convergiram no entendimento de que a defesa da autonomia universitária é também a defesa de um projeto de nação baseado na justiça social, no conhecimento científico, na diversidade cultural e na construção democrática.
No que se refere à autonomia financeira, há unanimidade na necessidade de uma política de financiamento com regras claras, que garanta uma fonte estável e protegida de orçamento para manutenção das atividades básicas e investimento para expansão e desenvolvimento institucional.
O momento atual e o cenário próximo apontam grandes oportunidades e desafios. No âmbito federal, registramos a recente notícia de que o Governo Federal está preparando um Projeto de Lei que visa a definir "orçamento fixo" para garantir sustentabilidade financeira de suas universidades e institutos. No âmbito das universidades estaduais que já gozam de autonomia financeira, a grande questão é a preservação pela reforma tributária em curso das condições que potencializaram o seu desenvolvimento exponencial. Propostas técnicas foram geradas pelas universidades, aguardando-se o aprofundamento do diálogo com os governantes respectivos.
A sociedade mundial, incluindo a brasileira, encontra-se num trecho complexo de sua trajetória, em que múltiplos caminhos se apresentam. Na encruzilhada civilizatória em que nos encontramos, a universidade é fator essencial como centro de pensamento e produção de possíveis soluções e, por isso, a sua autonomia é essencial.
Por sua vez, as mudanças profundas e rápidas impõem à universidade a obrigação de sempre se repensar e reformular, utilizando a autonomia de que gozam para, cada vez mais, produzir soluções que garantam o bem-estar da população, intensificando assim a contribuição para a sociedade da qual fazem parte. Pois a autonomia universitária não é só da universidade, mas da sociedade como um todo, que se beneficia de várias formas com o que a universidade produz em termos de formação de estudantes, pesquisa, inovação e extensão.
Cabe observar que a autonomia é parcial em vários aspectos, já que as universidades devem submeter as suas normas à legislação vigente. Mesmo as que gozam de autonomia financeira só podem aplicar os recursos financeiros conforme as normativas que regem as compras públicas no País. Elas não têm liberdade para contratação de profissionais, sendo obrigadas a seguir estritamente as regras aplicáveis ao serviço público em geral. Suas contas são permanentemente auditadas pelos órgãos de controle e sua atuação é observada pelo Ministério Público.
Esse aspecto deve induzir ainda mais as Universidades públicas, autônomas em observância constitucional, a adotar ações de gestão cognatas com a autonomia administrativa e acadêmica, como forma, inclusive, de recepcionar, a mais ampla e segura autonomia financeira. Dessa maneira o ordenamento de agendas de impacto à sociedade e ao bem econômico devem surgir na organização da pesquisa e da pós graduação e também da graduação, como forma de reordenamento urgente das estruturas curriculares, alcançando maior e mais ativa flexibilidade no aprendizado e proximidade tanto as fronteiras do conhecimento como a temas e requisitos profissionais contemporâneos, qualquer que seja a profissão pretendida, que envolva intensidade em conhecimento ou em atividades que requeiram inovação e complexidade transformadora.
As universidades, assim, devem se assegurar em permanecer um espaço de transformação social, aliado à produção de recursos humanos de alta qualidade, de pesquisa e conhecimento decisivos ao desenvolvimento humano e econômico. Estruturas conservadoras, clusters de carreiras ou distanciamentos despercebidos da sociedade e das demandas devem continuamente ser revertidos pela estrutura autônoma em posicionamentos e posturas capazes de reordenar processos restritos e pouco comprometidos com causas e razões do futuro do pais, referentes a expansão da educação superior brasileira.
A autonomia universitária plena, inclusive a financeira e administrativa, é imprescindível para o cumprimento do compromisso com aqueles que a financiam, ou seja, toda a sociedade. A autonomia universitária, como princípio constitucional fundamental, é um elemento indissociável do compromisso com o bem comum.
O Brasil precisa manter e ampliar a autonomia de suas universidades, a fim de propiciar um futuro melhor para as gerações vindouras!
Esta reportagem foi originalmente publicada no Jornal da USP.
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