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Universidade Federal de Goiás
MATÉRIA SUZANE

Como a mídia vende a violência?

Em 13/10/25 10:49. Atualizada em 03/11/25 14:38.

Estudo da UFG analisa imagem de Suzane Von Richthofen como produto cultural

 

Suzane
Cartaz dos dois filmes que retratam o caso Suzane Von Richthofen, lançados em 2021; obras foram analisadas na pesquisa | Imagem: Divulgação

 

Piter Salvatore

Uma pesquisa desenvolvida pelo mestre em Comunicação João Pedro Felix Ortiz analisou produtos midiáticos relacionados ao caso criminal de Suzane Von Richthofen, investigando como a indústria criativa faz uso de temas violentos ao transformá-los em mercadorias para entretenimento. O estudo foi realizada no Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal de Goiás (FIC/UFG), orientado pelo professor Alexandre Tadeu.

O pesquisador buscou entender como o público participa ativamente da narrativa do crime e como os meios de comunicação moldam as narrativas sobre o caso, analisando vários materiais diferentes. Ele analisou uma entrevista de 2006 concedida ao programa Fantástico, um livro, três filmes, uma série e notícias do jornal Folha de S.Paulo, além de fotografias e conteúdos criados por pessoas na internet.

João Pedro conta que a escolha do caso Richthofen surgiu de uma discussão com seu orientador sobre selecionar "personas criminais" para a pesquisa. Ambos concordaram que Suzane Richthofen seria uma personagem pertinente, dada sua forte presença no imaginário de muitos brasileiros e o constante interesse que ela desperta em diversas produções. "O caso aconteceu numa época em que o jornalismo ainda se limitava muito ao acesso físico dos jornais impressos ou televisivos", afirma. Vinte e três anos depois, o crime se consolidou como um caso conhecido de parricídio na cultura brasileira.

Segundo o pesquisador, na atualidade, é como se Suzane fosse transformada em uma marca, uma persona pública. "Ela se tornou um objeto de escrutínio social, uma celebridade". Qualquer movimentação na vida de Suzane, mesmo de caráter pessoal, pode se tornar pauta para a mídia. "O jornalismo transforma uma identidade em algo comercial. Ele funciona como um pêndulo publicitário muitas vezes", explica o especialista.

Vestígios

João Pedro Félix
Pesquisador João Pedro Felix Ortiz | Foto: Arquivo pessoal

Publicado em 2016 pela Darkside, o livro Casos de Família: arquivos Richthofen e arquivos Nardoni, de Ilana Casoy, foi uma das principais fontes para a análise documental do estudo de João Pedro, ao trazer consigo anexos de documentos criminais. O pesquisador também se dedicou à investigação de entrevistas de Suzane em diversos veículos e à análise de um acervo de matérias jornalísticas da Folha de S.Paulo, somando 1.317 itens. O autor explica que escolheu o veículo jornalístico pelo impacto "social, geográfico e político".

O autor destaca que a principal contribuição da pesquisa está em "perceber que produzimos muito conteúdo sobre violência", o que estimula questionamentos sobre as causas desse fenômeno. Para os jornalistas, João Pedro comenta que a dissertação pode despertar "uma cobertura mais ética dentro do jornalismo policial; pensar em como noticiar o crime sem focar numa identidade pessoal, sem personalizar, sem buscar tornar algo quase político".

Mídias violentas

Tendo em vista o status do caso como mercadoria, a dissertação discute a chamada "cultura da convergência", termo elaborado pelo teórico Henry Jenkins em seu livro de mesmo título, publicado pela primeira vez em 2006. Jenkins descreve a existência de uma cultura participativa na web e no ambiente midiático. Para ele, o público-consumidor é naturalmente engajado e capaz de incitar novos significados a objetos, pessoas e lugares.

De acordo com João Pedro, a cultura da convergência "busca entender as mudanças tecnológicas em vários meios, como o celular, a televisão e os dispositivos 'inteligentes' ou 'devices'", como ele prefere chamar. O conceito explora de que maneira as pessoas interagem nas redes sociais e como os meios de comunicação estão todos interligados em um processo descrito pelo pesquisador como "transmidiático".

Outra contribuição importante para a pesquisa foi uma entrevista, realizada em 2023, com o diretor dos dois filmes sobre o caso, Mauricio Eça, por meio do coletivo Cine Fórum. Na ocasião, o pesquisador e o cineasta conversaram sobre o processo de produção dos longas A Menina que Matou os Pais e O Menino que Matou Meus Pais.

Violência e entretenimento: o violentremê

Ainda do ponto de vista do autor, no ambiente digital a figura de Suzane transforma-se em matéria-prima para o humor característico da comunidade on-line. Um perfil dedicado a memes sobre o caso na rede social X ilustra como ela e outras personalidades criminais são elevadas ao status de figura cultural na internet. Segundo João Pedro, "a conta reúne conteúdos que oscilam entre a ironia e a exaltação. Tal fenômeno reforça a relação intrínseca entre a espetacularização do crime e o ambiente das mídias sociais".

Citando um analista do comportamento contemporâneo, o filósofo Byung-Chul Han, o pesquisador ressalta que a violência "se regula de acordo com cada constelação social". Dessa forma, o acadêmico chama atenção para as implicações políticas que permeiam as decisões da mídia, como a preferência por casos envolvendo pessoas brancas e de classes sociais mais abastadas. "Não faltam crimes nas tabelas, mas o jornalismo prefere focar em crimes na alta sociedade", arremata.

 

MATÉRIA SUZANE
Perfil na rede social X dedicado ao acervo de Suzane Von Richthofen | Imagem: Reprodução

 

True crime

Algumas das mídias sobre o caso de Suzane são classificadas como true crime (gênero midiático que explora crimes reais). Constantemente, as definições do gênero atribuem a ele um caráter de não ficção. Contudo, João Pedro já havia trabalhado anteriormente com o true crime em seu Trabalho de Conclusão de Curso, analisando a relação entre mídia e serial killers. Para ele, o gênero se localiza entre o ficcional e o real, e sua popularização se deve principalmente à expansão digital.

Além disso, o autor destaca que o true crime frequentemente "se ancora na especulação", pois "muito se especula de como aconteceu o crime, como a vítima se sentiu ou como o criminoso se sentiu a partir de documentos reais, sejam esses jornalísticos ou oficiais".

Faits divers
Jornal francês e o estereótipo do "ladrão de criança" | Imagem: Reprodução

Violência

O interesse da humanidade pelo tema da violência, do ponto de vista de João Pedro, tem raízes históricas. Ele comenta que, antes mesmo do true crime, os faits-divers ("fatos diversos", em tradução livre) descritos por Roland Barthes, escritor francês, em um ensaio de 1964, já anunciavam notícias sobre crimes com o objetivo de entreter a população. As publicações descreviam, nos mínimos detalhes, homicídios, assassinatos e outros casos sórdidos.

Voltando ainda mais no tempo, no século XIX, as penny dreadfuls (em tradução livre, "centavos do terror") também entretiam os ingleses com histórias de horror, mistério e suspense. "Havia também os folhetins e contos sombrios como os de Edgar Allan Poe, Lovecraft e Conan Doyle, dentre outras manifestações de crimes ou da violência oculta como ferramenta narrativa, que antecipavam o consumo e interesse", ressalta o pesquisador.

"Não diferente, no Brasil, o programa Linha Direta, da Rede Globo, se destacava, abordando casos criminais reais, especialmente sem solução, buscando tanto sensibilizar a audiência quanto mobilizar denúncias do público para auxiliar nas investigações", acrescenta.

Para João Pedro, a violência é uma temática recorrente e inevitável. "Mas como é que nós, profissionais da comunicação e da indústria criativa, vamos lidar com isso? A gente vai tentar produzir algo de maneira mais ética ou vamos tentar seguir o fluxo mais lucrativo?", questiona o pesquisador.

Acesse aqui a dissertação Do jornalismo ao streaming: a cultura da convergência e a narrativa criminal de Suzane von Richthofen.

 

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Fonte: Secom UFG

Categorias: violentremê Humanidades Fic destaque