
Violência contra professores é fruto da precarização do trabalho e cortes de gastos
Relatório foi produzido pelo Observatório do Estado Social Brasileiro e propõe uma leitura dos casos de violência para além dos dados
Precarização do trabalho e dos espaços são sintomas que não podem ser dissociados dos casos de violência (Imagem Freepik)
Kharen Stecca
Diversos relatórios mostram que a violência contra professores vem crescendo no Brasil. Dados de um relatório da Unicef mostram que 1 em cada 10 docentes afirmou já ter presenciado atentados contra a vida em ambiente escolar, e 4 em cada 10 presenciaram agressões. No Rio de Janeiro, 16% dos professores relataram que suas escolas foram impactadas por tiroteios ou balas perdidas (UNICEF; Instituto Fogo Cruzado; GENI/UFF; CERES-IESP, 2025). Esses são apenas dados isolados de como a violência se infiltra nas escolas hoje.
Um novo estudo publicado em outubro de 2025 pelo Observatório do Estado Social Brasileiro, plataforma criada na Universidade Federal de Goiás, revela que a epidemia de violência contra professores do ensino básico brasileiro é, essencialmente, uma manifestação visível da precarização estrutural do trabalho docente. Segundo o professor do Instituto de Estudos Socioambientais da UFG, Tadeu Arrais, um dos coordenadores do estudo, o objetivo central da pesquisa foi analisar a condição de violência perene nos espaços escolares, rejeitando soluções individualizadas ou a militarização. O relatório conclui que a violência contra os docentes não pode ser analisada fora do contexto progressivo de precarização do trabalho e da sua responsabilização individual, onde agressões físicas ou verbais são sintomas dessa estrutura.
A pesquisa foi embasada na análise de dados públicos de larga escala, utilizando, principalmente, informações do Censo Escolar e de outros painéis estatísticos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), além de pesquisa documental e mapeamento das informações. Esses dados permitiram dimensionar as redes de atuação, que em 2024 totalizavam 2.535.510 docentes e 47.088.922 matrículas no Ensino Básico. Foram levantados indicadores importantes como a média de alunos por turma, os tipos de vínculos administrativos (efetivos versus temporários), as condições de infraestrutura (como salas climatizadas e bibliotecas), a remuneração (com base em dados de 2022 do Movimento Profissão Docente), e o nível de esforço exigido dos profissionais. O estudo também incorporou dados de relatórios sobre violência armada (como o "Educação Sob Cerco") para contextualizar a crise.
Questões estruturais
A pesquisa desloca o foco da violência do indivíduo ou de questões morais/geracionais para as situações estruturais do ambiente escolar. Ao diagnosticar a violência como correlata à omissões do Estado e às políticas de austeridade (cortes de gastos na educação), o estudo fornece a base para reivindicar mudanças sistêmicas. A conclusão segundo o estudo é que o caminho para a mudança passa necessariamente pelo investimento público em salários, infraestrutura e pela valorização da carreira docente, o que inclui a garantia da autonomia didática e avaliativa, que tem sido progressivamente retirada para atender a cobranças burocráticas e ranqueamentos.
Um dos dados mais preocupantes levantados no estudo foi a precarização progressiva dos vínculos empregatícios. O percentual de docentes concursados/efetivos nas redes públicas estaduais e municipais têm caído desde 2021. Em 2024, sete redes públicas estaduais registraram menos de 50% de docentes efetivos. Essa erosão das conquistas históricas é reforçada pelo uso de contratos temporários, que funcionam como um instrumento de coerção, gerando instabilidade psicológica e fragmentando o coletivo docente. Na Rede Estadual de São Paulo, por exemplo, professores temporários podem ter seus contratos encerrados se ultrapassarem 5% de faltas.
A sobrecarga de trabalho, medida pelo indicador de esforço docente, confirma a exaustão da categoria. No Ensino Médio, 57,6% dos professores estão nos níveis 4, 5 ou 6 de esforço, o que significa atuar em múltiplos turnos e escolas, e atender a um número elevado de estudantes, frequentemente mais de 250 alunos por docente. Essa sobrecarga é um fator direto do adoecimento generalizado. Resultado dessa realidade o estudo traz dados publicados em jornais como o dado de que na Rede Estadual de São Paulo, 112 professores eram afastados por dia por problemas de saúde mental nos primeiros seis meses de 2024, refletindo um aumento de 15% (G1-Globo, 2025). A Rede Pública Estadual de Goiás registrou 2.963 afastamentos por transtornos mentais e comportamentais em 2023 (Jornal Opção, 2025).
Os dados demonstram a correlação entre a violência estrutural e a falta de investimento em remuneração e infraestrutura. Em 2022, alguns estados pagavam salários iniciais abaixo do Piso Salarial Nacional do Magistério, como Rio de Janeiro (R$ 3.333,09) e Minas Gerais (R$ 3.917,48), para 40 horas semanais. Além disso, a infraestrutura é deficiente: em 2024, apenas 38% das salas de aula das redes públicas estaduais eram climatizadas, e somente 40,3% das escolas públicas municipais possuíam bibliotecas. Tais condições precárias consomem a energia e o entusiasmo dos profissionais, transformando a escola em um ambiente de medo e tristeza.
Observatório Social Brasileiro
O Observatório Social do Estado Brasileiro é uma plataforma de informações e dados sobre questões sociais brasileiras. O projeto tem financiamento do CNPq e parceria de diversos pesquisadores de instituições como Universidade Federal de Goiás, Universidade Estadual de Goiás, Instituto Federal de Goiás e Instituto Federal Goiano. O objetivo da iniciativa é oferecer ao público um instrumento político que permita discutir e acompanhar, por meio de um conjunto variado de informações, em diferentes escalas, as ações do Estado Social brasileiro.
Mais informações em https://obsestadosocial.com.br/
O estudo completo pode ser acessado aqui
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Fonte: Secom UFG
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