*Silvia Zanolla

É de se espantar com um vídeo de pouco mais de um minuto produzido pelo presidente Donald Trump nos últimos dias. Pela lógica, seu conteúdo vulgar seria impensável, mesmo como ficção; ou poderia ser “Trash”, se não portasse alta produção pela Inteligência Artificial (IA) em termos de som, imagem e efeitos especiais nos mínimos detalhes. Um aparato midiático sofisticado contra princípios democráticos. E assim, o totalitarismo se atualiza com requintes de crueldade em tempos de IA.

Do ponto de vista cultural e comportamental, só recorrendo a Freud para compreender aspectos regressivos de tal conteúdo. A julgar pela psicanálise do desenvolvimento humano – o qual se dá pelas fases: anal, oral, fálica, latente e genital –, tal vídeo remete à regressão infantil narcísica primária da fase anal. Nesta, a criança volta-se para necessidades instintivas fisiológicas, representadas pelo controle do esfíncter, no qual o ato de evacuar e urinar se torna uma das principais funções da criança. Para Freud, a produção de fezes possui valor simbólico notável para o desenvolvimento humano social. Tal controle é elemento de superação ou regressão, pois indica avanços ou limites da constituição da personalidade e da sociabilidade.

À vista disso, o conteúdo do vídeo de Trump indica o retorno à fase anal não elaborada pelo prazer regredido, narcísico e infantil de “brincar com as fezes” como ganho secundário por satisfação sádica com atitudes nas quais prevalece o egocentrismo. Uma vez que o sujeito narcisista ignora suas regressões, a desumanização, a frieza e a falta de calor humano não têm limite: mira compulsivamente o prazer megalomaníaco, infantil e simbiotizado com o mundo (com ele mesmo). O vídeo de Trump, publicado na plataforma Truth Social chama a atenção não apenas pelo conteúdo vulgar, mas por refletir a obra de um presidente de um país considerado exemplo de desenvolvimento e poder mundial. O que expões a que ponto chega a racionalidade em meio à irracionalidade, como diria o filósofo frankfurtiano, Theodor Adorno.

Nas imagens do post, o presidente está a bordo de um avião militar, como um rei coroado que traja roupas de guerra. Na cena o avião levanta voo enquanto a música ao fundo reforça ritmicamente movimentos e símbolos de potência e poder. Trump, sozinho, opera a abertura de compotas do avião e despeja, literalmente, fezes sobre os ativistas em manobras que simulam, com detalhes, a própria máquina a defecar. Provocação, menosprezo aos movimentos sociais indicação de uma grave regressão da democracia. Trump desqualifica a experiência política civilizada, educativa e humanista de modo caótico.

Não se trata apenas do caos. A história do nazifascismo mundial desde as duas grandes guerras ensinou que intenções caóticas servem a interesses econômicos e políticos. Não por acaso governos totalitários reacionários investem em ideologias conspiratórias; as quais, segundo Adorno, não apenas desmobilizam organizações coletivas, mas destituem de autonomia instituições democráticas fragilizando-as infligindo medo e paranoia coletiva disseminados nas mídias.

O vídeo de Trump não é apenas uma versão “ordinária” da estética nazifascista, como símbolo máximo do que se considera abjeto na forma de fezes. É manifestação do progresso insuficiente, da tecnologia indiferente à dor, à desumananização. Uma obra que amplia a estética da barbárie no mais alto grau (ir)racional do desenvolvimento e do progresso cultural, pela qual se intensifica a frieza e a insensibilidade em meio à injustiça social. Logo, tal obra constitui projeção naquilo que seu autor se coloca. Reflete sua própria identidade. Postula o instinto agressivo em favor do princípio do prazer perverso: representação estética de si materializada por uma personalidade infantil autoritária.

*Silvia Rosa da Silva Zanolla é  é psicóloga e professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás