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Universidade Federal de Goiás
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Participação popular: o ato mais importante do processo político

Em 15/08/10 23:34. Atualizada em 21/08/14 11:45.
Política e eleições são assuntos que remetem a diversas discussões paralelas. Veja mais conteúdo da entrevista com os professores José do Carmo, do curso de Direito do Câmpus da Cidade de Goiás, Adriano Correia Silva, da Faculdade de Filosofia e Pedro Célio Alves Borges, da Faculdade de Ciências Sociais da UFG.

 

O que caracteriza a democracia brasileira?
José do Carmo – Cada comunidade, cada ambiente social conduz o seu ideal de democracia. E no caso brasileiro tivemos altos e baixos, com processos de autoritarismo e sufocamento da participação popular. Então, isso fez com que surgisse uma nova democracia, nascida das mobilizações sociais e políticas ocorridas na primeira metade da década de 1980, que desencadeou um processo de ruptura com o regime militar autoritário. Então, temos aí pouco mais de 25 anos do que podemos chamar de uma experiência concreta de democracia. E eu insisto na ideia de que o direito de voto é um dos componentes do que podemos chamar de democracia, considerando o eleitor não só como aquele que vai lá votar, mas como um cidadão ativo, aquele inquieto mesmo, que incomoda e participa de tudo.

Adriano Correia
– Eu concordo com José do Carmo. Creio que não podemos escapar de um modelo de democracia representativa, em um cenário de um país ou mesmo de um municípios de dimensões que viabilizam uma participação direta, efetiva e simultânea de todos os cidadãos. Entretanto, creio que as dificuldades podem ser sanadas e eu concordo que uma das pretensões da Constituição de 1988 era canalizar para as vias institucionais as demandas oriundas da organização e da participação popular. De algum modo, também creio que um dos objetivos da Constituição era, não tornar essas manifestações e mobilizações atos que visassem minar a estrutura do próprio Estado, apesar de achar que a democracia brasileira, como sistema político, não corre grandes riscos, ainda sim, em termos de formação do cidadão para a participação ativa, temos uma dívida. Pelo menos no cenário eleitoral atual, majoritário, nacional, não creio que haja uma perspectiva de reforma política que aponte para um cenário melhor do que o atual. Quando se fala em reforma política, basicamente se fala em reforma eleitoral, e não creio que essa reforma vise absorver melhor, dar mais vigência a esse espírito da Constituição, que era incorporar a participação popular na estrutura do sistema político.

Como deve ser visto hoje o voto obrigatório
José do Carmo – Esse debate sobre a obrigatoriedade do voto foi muito ressaltado durante a Constituinte. Lembro-me de que o nosso atual presidente defendeu a desobrigação do voto. Mas também foi uma minoria naquela Assembleia Constituinte. Eu acredito que faz parte de um processo. Quando estivermos suficientemente maduros, vamos dizer: “olha, queremos a participação, nós acreditamos na força da participação”. E uma participação com um espírito mais coletivo, porque se pensar a participação com indivíduo, apenas uma participação individual, o resultado, o fruto que ela produz é um fruto comprometido. Então, precisamos ter esse comprometimento de participação por vontade, mas ao mesmo tempo somada a projetos e a processos coletivos de transformação, desde o espaço local – o bairro, uma escola, em que temos tido experiência exitosas de fomentar a democracia nos processos de escolha dos nossos dirigentes, temos de pensar a política como algo que está nas nossas veias o tempo todo.

Pedro CélioEu só quero ressaltar uma questão que é curiosa. Eu tenho trabalhado com algumas pesquisas e o que temos visto é a confirmação de uma atitude culturalmente enraizada. As pessoas, no senso comum, tendem a declarar, imediatamente, uma rejeição e uma repulsa à política e às instituições. Essas mesmas pessoas, à medida que a conversa avança, já no segundo ou terceiro argumento, defendem a política e sugerem soluções, dispostas a se comprometer com ações coletivas. É curioso isso. Uma pesquisa baseada nesse senso comum sobre a obrigatoriedade do voto poderia levar a uma rejeição achapante. Agora, a política é um sistema dinâmico, que presume envolvimento e experiência conjunta das pessoas, que presume interação, nos mesmos problemas e nos mesmos desejos de solução. É muito difícil isso. Eu duvido que teremos um momento ideal, como se fosse um momento ótimo do desenvolvimento histórico, em que poderia dizer: bom, agora o voto não precisa mais ser obrigatório.

Adriano Correia – Todos sabemos que a democracia é um ideal já antigo. Mas a democracia moderna é bastante distinta e um dos aspectos dessa distinção é a inevitabilidade da representação, o que não implica suprimir os mecanismos de participação direta. Uma característica central típica da compreensão moderna da democracia, independentemente da compreensão especificamente brasileira é a indistinção entre o que é propriamente político e o que é da ordem do econômico. E talvez isso esteja em seu momento mais agudo no Brasil, que é quando se compreende que uma das tarefas do Estado, ou talvez a tarefa central do Estado, é promover o bem-estar e uma vida de conforto, em grande medida, ou seja, uma distribuição dos benefícios associados àquilo que é a produção coletiva. Isso pode levar a supor que a política pode ser reduzida à imagem do corpo político como sendo de uma grande empresa que, se bem gerida, vai gerar conforto para todas as pessoas. Eu digo isso para chamar a atenção para o fato de que essa progressiva confusão entre o Estado como aglutinador de perspectivas e como o centro do debate, o centro das escolhas, se ele passa a ser compreendido como algo que, se bem gerido, distribui melhor os benefícios, acho que isso tem uma implicação direta na participação política. Então, eu creio que uma das tarefas do sistema político, do sistema eleitoral, é promover uma série de vínculos do cidadão com o próprio sistema político e, nesse sentido, também tem a função indutora. Em um cenário atual, por exemplo, em que eu acho que a participação política é bastante difusa e tem pouca participação efetiva nas ruas e, na organização popular, tem pouca efetividade, tem sido bastante ...., eu creio que a indução do sistema político para que o cidadão pense aquelas questões, ainda que ocasionalmente, no período eleitoral, ainda tenha uma função indutora.

Professor Adriano Correia, o senhor acredita que o projeto Ficha Limpa resolve o problema de corrupção?
Adriano Correia – Eu ainda não examinei a lei, mas creio que ela atingirá principalmente um certo “público” daqueles que se envolvem com política – e não são poucos – de algum modo, para se proteger da Justiça. Ou seja, que usam o sistema político para garantir imunidade. Do ponto de vista mais amplo, eu acho que corre o risco de haver, sim, grandes injustiças no sentido de que, se pensarmos, por exemplo, em um Estado, o quanto é possível, num determinado âmbito desse Estado, alguém temporariamente comprometer-se juridicamente, ou seja, ter suas contas rejeitadas por algum termo técnico, por exemplo. Isso pode ter implicações que no momento acho difícil de avaliar.

José do CarmoAcredito que o Ficha Limpa não resolve o problema da corrupção. Primeiro, por ser uma lei complementar que trata de causa de inelegibilidade, mas é a Constituição que comanda o sistema e ele confronta a Constituição, que garante às pessoas serem aceitas, tidas, presumidas como inocentes até que haja uma sentença definitiva. E esse projeto vem na contramão. Então, o Ficha Limpa como é um mecanismo açodado, feito por uma pressão indevida de grandes veículos da comunicação e acho até que de entidades de classe, que deveriam ser mais ponderadas. Elas não podem ser tanto protagonistas de determinados processos de decisão, como a Assessoria dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Assessoria do Ministério Público foram no caso do Ficha Limpa. São instituições que, se elas se comportam de um modo muito açodado, e interferem na vida social de um modo absolutamente indevido. As pessoas precisam ter mais liberdade e tranquilidade para tomar as decisões. Quem tem de tomar as decisões são as pessoas que vão viver o dia-a-dia de eleitores, de candidatos, e ficam querendo criar obstáculos para que o povo saiba escolher. Fica aquela ideia de que o povo precisa ser tutelado o tempo inteiro. E eu não acredito em nenhum processo de tutelamento. Toda tutela, para mim, é um malefício, é uma coisa que atinge a dignidade da pessoa humana. Então, o que temos de fazer é fortalecer cada vez mais uma cultura política, generalizada. E isso os partidos políticos precisam aprender. É um dever inicial dos partidos políticos, mas também é das pessoas, que devem buscar se associar a um partido político. Temos de romper com essa ideia de que quem está na política está na lama, na corrupção. A política não é para isso. Pode acontecer, mas não é para isso. E para que, cada vez mais, não seja para a corrupção e que as pessoas que acreditam que é possível fazer política sem essa finalidade devem participar. Se não participarem, darão lugar a pessoas que querem se aproveitar do instrumental, do poder dos mandatos para se proteger de situações que são completamente opostas à finalidade da política.

Pedro CélioEu gosto muito de averiguar e de sentir o pulso dos motivos que existem na vida do país e que receberam com tanta simpatia o Ficha Limpa, mais até do que o próprio projeto. O professor José do Carmo registrou bem as ponderações necessárias para o entendimento do Ficha Limpa. Mas a questão que permanece é a moralização dos costumes políticos no Brasil. As nossas elites políticas têm dado mostras de um grande apego a levar vantagem, a se beneficiar da vida pública, a mentalidade patrimonialista tem predominado muito. E isso gera todos esses escândalos e mazelas de corrupção, alguns casos verdadeiramente abomináveis. E a decepção da opinião pública com relação à política vai sempre aumentando. É decepção em cima de decepção. Então é esse caldo de cultura que me preocupa neste instante, no sentido de reverter isso. Eu acho que a reversão desse aspecto, não se inicia pelo Estado e pelos partidos políticos, mas passa fundamentalmente por eles. As experiências de educação cívica e de melhoria da cultura política estão muito mais fora dessas estruturas institucionais do que dentro delas. A experiência fora dos partidos, fora da institucionalidade são um elemento promissor no sentido de fiscalização, no sentido de correção dos próprios males institucionais. E para isso a autonomia de sua ação é cada vez mais necessária. Então, que essas instituições sejam fortalecidas e que a participação fora do voto, fora dos partidos continue. Eu acho que vale a pena se, além dos intervalos entre uma eleição e outra as pessoas continuarem integradas à vida pública. E aí outras associações têm todo direito de propor no espaço público novos elementos para construir os consensos necessários.

Veja aqui o conteúdo impresso do Jornal UFG.

Fonte: AscomUFG