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Universidade Federal de Goiás
Prof. Romualdo Pessoa CampusFilho

Depois da crise, a guerra?

Em 01/02/12 17:11. Atualizada em 22/03/12 10:20.

 

Ao longo de todo o século XX, momentos de colapso na economia foram sucedidos por ondas totalitaristas e guerra entre nações. O que esperar em um futuro próximo tendo em vista a atual conjuntura de reestruturação do capital e crise estrutural global? O professor Romualdo Pessoa, do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA) da UFG, fala sobre este e outros temas.

“Não há futuro”, declara o professor do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA) Romualdo Pessoa. Como bom historiador, ele se refere , não a alguma sentença apocalíptica mas à dificuldade de, na vida e no contexto da sociedade, fazer-se previsões sobre o porvir. No entanto, há memória. E as experiências humanas deixam marcas que, se bem analisadas, podem gerar aprendizado para a vida que virá. Assim, o professor arrisca: “Se olharmos para a história, notaremos possibilidades de que esteja sendo preparada uma guerra”. Afinal, ao longo do século XX, as crises mais agudas foram resolvidas com a destruição da economia das nações. “É a ascensão do capitalismo de desastre”, complementa Romualdo. Em seu modo de compreender a realidade, o movimento de Estados, organismos multilaterais e grandes corporações do sistema financeiro sinaliza para a preparação de um conflito que teria a partir do Irã o seu estopim. Confira.

 

De que forma se pode analisar a atual crise econômica?

O capitalismo não apenas convive com as crises: ele depende delas. Retroalimenta-se disso. Costumo citar o livro de uma economista que é bem jovem e ativista, Naomi Klein: A doutrina do choque. Essa obra fala sobre a ascensão do ‘capitalismo de desastre’ e revela exatamente como, em determinada circunstância, a crise que normalmente acontece no capitalismo é potencializada a partir de determinada desgraça, ou um acontecimento muito complexo, de modo que as forças que agem no sistema (as grandes corporações) possam usufruir daquele desastre e obter dividendos financeiros e econômicos. Vamos usar o exemplo do Iraque: houve um problema no Iraque possível de se resolver politicamente, mas optou-se por invadir e destruir o país por completo. E essa invasão ocorreu em função da perda de espaço de investimentos econômicos. Em seguida, as megacorporações chegaram ao Iraque para ‘reconstruí-lo’. Isso acontece também nos lugares onde há desastre natural. Em Nova Orleans, por exemplo, em 2005, o furacão Rita provocou enchentes em várias cidades dos Estados Unidos, sobretudo em bairros pobres e/ou regiões desassistidas pelas políticas sociais, um dos casos estudados por Naomi Klein. A crise é instrumento de tentativa de reerguer as potências falidas e, como disse, fortalecer as grandes corporações. Uma grande contradição. É exatamente por isso que, quando se chega ao ponto em que é difícil haver retorno financeiro, vem logo a difusão de uma guerra. A guerra destrói por completo a economia dos países e, em seguida, recompõe-se tudo. Foi assim ao longo do século XX: sempre antes de uma grande guerra há uma crise de repercussão mundial.

 

Estamos vivendo tempos transformadores em termos de projeto social em todo o mundo, como se propagou em 2011 depois da chamada “primavera árabe”?

“Primavera árabe” é um termo inspirado na chamada Primavera dos Povos, que foi a tomada do poder pela burguesia por meio de várias revoluções na Europa do século XIX. No entanto, não há muito parâmetro de comparação entre ambos os movimentos, pois, atualmente, não estamos vendo nenhuma revolução. A expressão “primavera árabe” tornou-se muito usada pela mídia e isso faz com que terminemos por repeti-la. Contudo, se olharmos para esses acontecimentos que estão ocorrendo no norte da África e Oriente Médio, perceberemos que o pano de fundo também é a crise econômica. Esses países e essas ditaduras sempre tiveram boas relações com o Ocidente, são aliados históricos dos Estados Unidos. Até mesmo Muamar Kadafi, que, antes de ser morto, divulgou um termo de cooperação entre os Estados Unidos e a Líbia, permitindo que a CIA (agência de inteligência estadunidense) usasse as prisões do país para torturar membros da Al-Qaeda. O que ocorreu foi que a crise econômica fez com que os países europeus e os Estados Unidos reduzissem investimentos que sempre fizeram nesses países periféricos. O Egito sempre recebeu bilhões de dólares dos Estados Unidos. E vice-versa. A Arábia Saudita, anos atrás, salvo engano em 2010, assinou acordo com os Estados Unidos para renovar por completo todo o seu aparato bélico, como uma forma de “ajudar” a crise interna estadunidense. Então, quando essa crise que se arrastava desde 2006 estourou globalmente, já em 2008, travou por completo a economia de alguns países. A partir de então, isso repercutiu também na Europa, trazendo dificuldades. Os países considerados ricos não estão conseguindo resolver sequer seus problemas internos de equilíbrio fiscal, quanto mais manter o nível de “cooperação” que estabeleceram com outros países. Os programas sociais passaram a ser afetados. E a escolha que se faz, sempre, é a de manter a elite bem protegida. Assim é que as camadas populares, principalmente a juventude, são atingidas. Aumentou sobremaneira o porcentual de jovens desempregados e sem perspectivas em uma economia global que incentiva o consumo permanentemente. Trata-se de um barril de pólvora, não necessariamente de revolução. Os governos vão perdendo a capacidade de responder às reclamações dos indivíduos, pois o capitalismo, em essência, não é compatível com o Estado do Bem-Estar Social. As políticas sociais, de modo geral, levam o sistema financeiro ao colapso. No início da crise, a Arábia Saudita, que tem dinheiro, ampliou os benefícios e os programas sociais justamente para evitar rebeliões. Então, o que está acontecendo no mundo não é uma grande revolução, mas uma crise sistêmica cujas revoltas são pela falta de condições de os Estados manterem seus programas sociais.

 

Qual a situação do Brasil nesta crise que é estrutural, mas parte do nível econômico?

A crise econômica potencializa outras e a juventude é a primeira a sofrer seus efeitos, na medida, por exemplo, em que não se garante emprego para a juventude e essa se torna arredia, revoltada e propensa a ir para o embate nas ruas. Aliás, esta é a característica da juventude. Nos países em que há uma situação de instabilidade, a juventude ainda é cooptada pelo banditismo e pelo tráfico – esse é outro elemento. Quando a situação está muito crítica, há revolta e cooptação. Quando a situação é aparentemente estável, a juventude não se manifesta com a mesma força. No caso do Brasil, por exemplo, a situação econômica é equilibrada. Nos últimos anos, o desenvolvimento de programas sociais como o Bolsa Família e a elevação do salário mínimo contribuíram para a estabilização do país. O Programa Bolsa Família reordenou a economia local e o dinheiro do consumidor passou a circular e a ativar a economia. Foi criada a perspectiva de novos negócios locais. Além disso, novas empresas se deslocaram e geraram emprego fora do eixo industrializado do Centro-Sul. A estabilidade da economia sinalizou uma mudança real e, com isso, mudou o perfil de reivindicação dos movimentos sociais.

 

A atitude do Governo Dilma de assumir medidas de recessão, evitando, em 2011, a desapropriação de terras para novos assentamentos e a negociação de reajustes salariais para os servidores públicos, por exemplo, pode ser justificada pela crise econômica?

Não. É que o Governo Dilma sente-se seguro politicamente. Tem uma base forte e conquistou estabilidade, tem o apoio da sociedade. Os governos cedem quando estão mais fragilizados. Isso faz parte da política. Quando têm uma economia estável, até as ditaduras se mantêm. Em verdade, não há iniciativa democrática, mas sim rearranjos políticos para a manutenção de uma estrutura político-econômica hegemônica.

 

Em termos de geopolítica, o Brasil estaria em uma fase imperialista, subimperialista ou dependente?

O Brasil é um país de vasta extensão territorial, de muita riqueza mineral, maior biodiversidade e potencial hídrico do planeta, alta produtividade. Então, tem todos os quesitos para tornar-se uma potência. Só não existe uma ofensiva dos países ricos nessa região porque estão preocupados com o Oriente Médio. O Brasil sequer precisa expandir suas fronteiras para alcançar sua riqueza. Comparado a outros países da América Latina, naturalmente, se impõe. Por isso e pelo alto crescimento econômico dos últimos anos podemos dizer que o país tem uma característica imperialista? Não. O imperialismo caracteriza-se pela exportação de capitais e pela atitude assumida de controlar a produção e os capitais de outros países - capitais aqui não são só dinheiro, são também o estabelecimento de grandes corporações que agem no sentido de controlar econômica e politicamente as nações. Não é o que o Brasil faz. O Brasil estabelece parcerias importantes com a América Latina, principalmente a América do Sul. Está em andamento um projeto de integração polêmico, que visa exatamente abrir saídas entre as fronteiras dos países como Peru, Chile, Bolívia, Paraguai, Uruguai e parte da Argentina, em direção ao oriente, ao Oceano Pacífico, para ampliar a integração e a produção em conjunto. É um projeto de integração em que o Brasil é o principal responsável, porque tem o principal banco da região, que é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O BNDES financia grandes obras, como a construção de estradas na Bolívia. É um projeto que significa um desenvolvimento rumo à autonomia produtiva. A respeito da dependência, estamos falando de economia capitalista. Não existem hoje multinacionais, mas sim megafusões, grandes conglomerados. Algumas delas têm uma riqueza maior do que o PIB de muitos países. É difícil uma nação, atualmente, ser independente dessa cadeia. No Brasil, internamente, existe essa dependência. Por exemplo, os estados atraem empresas para gerar emprego. Como ceder aos incentivos que podem ser dados pelas empresas? No entanto, se essa empresa fecha e abre em outro lugar, com mais atrativos fiscais, tudo para.

 

Quais as chances de vivenciarmos em breve uma grande guerra?

O mundo está a caminho do conservadorismo e do fundamentalismo religioso em vários países, entre eles, os Estados Unidos. A manifestação dos 'indignados' de Wall Street abre espaço para o discurso do fundamentalismo. E qual o caminho da Espanha depois das manifestações? O caminho conservador. E na Itália? Na Grécia? Nos Estados Unidos? O mesmo. Quem faz a cartilha da ordem são os bancos e a ordem é conservadora, para salvar o sistema financeiro. As soluções não são para salvar as pessoas. Como historiador e estudante da geopolítica, identifico a experiência recente de duas grandes crises que exatamente geraram duas guerras. No final do século XIX, com o fim dos impérios, novos países surgiram e foi gerada a Primeira Guerra Mundial. Mas essa divisão territorial não foi de comum acordo, deixou marcas. Houve o crescimento do papel dos Estados Unidos como liderança política e econômica. Esse país tornou-se o grande financiador e comprador do mundo. Só que algumas circunstâncias eram impossíveis de se controlar. Por exemplo, o caso da Alemanha. A Alemanha dependia dos recursos dos Estados Unidos e ao mesmo tempo comprava seus produtos. Com a grande depressão, a Alemanha entra em crise juntamente com seu financiador. Diante desse quadro, surge o risco de os países europeus dependentes aderirem ao crescimento do socialismo. No caso da Alemanha, a solução interna é sequestrar dinheiro de grupos étnicos que vivem no próprio país. Foi o que aconteceu com os judeus. A economia foi recuperada e instaurou-se o período chamado de Paz Armada. A Europa toda estava em crise e se armando. Aumentou a influência do socialismo e o capitalismo mudou justamente para frear esse desenvolvimento. Atualmente, o risco parte do Irã e fala-se em 'terrorismo' para alarmar a população.

Fonte: Patrícia da Veiga

Categorias: Política economia crise guerra