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Universidade Federal de Goiás
Elas por elas

Amizade entre elas

Em 06/07/16 17:39. Atualizada em 08/07/16 18:49.

Princípio que se expandiu com o fortalecimento do feminismo nas redes sociais, a sororidade vem para unir as mulheres em suas lutas

Jornal UFG 80

Angélica Queiroz

“Foi em uma volta pra casa à noite, cheia de medo e insegurança que nasceu o movimento ‘Vamos juntas?’. No meio de uma praça escura em Porto Alegre, a jornalista Babi Souza teve uma inspiração e pensou que se as mulheres se unissem nas ruas se sentiriam mais seguras. Afinal, só as mulheres entendem o medo que as outras mulheres sentem na rua. (...) Em 24 horas, a página atingiu 5 mil curtidas. Em 48 horas, 10 mil curtidas. Em 6 dias, 50 mil curtidas. Em 2 semanas e meia, 100 mil curtidas. Em poucos dias o movimento deixou de falar apenas sobre como é importante as mulheres ‘irem juntas’ e passou a falar sobre a importância de ‘estarmos juntas’ e de colocarmos a sororidade em prática”.

A história do “Vamos juntas?”, movimento criado em 2015 nas redes sociais e que ficou conhecido nacionalmente, é um exemplo claro da prática da sororidade. Outra ideia que vem sendo executada em várias universidades do Brasil, incluindo a UFG, também vem de um feminismo altamente carregado de sororidade: estudantes estão depositando uma caixinha com absorventes com um recado: “deixe um se tiver sobrando, pegue um se precisar”. Mas, afinal, o que é sororidade?

 

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A ideia começou na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e já se espalhou por várias universidades do país. Na foto, banheiro da FCS, na UFG

 

A sororidade é um princípio, popularizado recentemente, especialmente nas redes sociais, que diz respeito a um pacto entre mulheres, reconhecidas entre si como “irmãs”, numa dimensão política e prática do feminismo contemporâneo. A professora da Faculdade de Ciências Sociais (FCS), Eliane Gonçalves, elucida que o termo sororidade é um aportuguesamento do inglês womanhood ou sisterhood que, por sua vez, é uma tentativa de criar uma terminologia própria às mulheres para definir a amizade, a aliança e a solidariedade de modo diferencial à amizade masculina. “A amizade é uma noção central para a reconstrução de modos de vida baseados em não-competitividade, tão comum na socialização das meninas e das mulheres”, explica.


Segundo Eliane Gonçalves, nas posições subalternizadas que todas as mulheres ocupam - em graus diferenciados quando intersectadas por raça, etnia, classe, geração, sexualidade e localização geográfica -, a amizade é um sentimento e uma prática que precisa ser aprendida “para desaprendermos o sexismo”, como prega a ativista feminista americana bell hooks. “A amizade entre mulheres não cai do céu, não funciona apenas por intenção, requer treino, prática, exercício diário e reflexividade”, destaca Eliane Gonçalves.

 

sororidade

 

Para a pesquisadora da FCS, a amizade é o princípio que medeia a possibilidade da renovação, das formas de aprendizagem comuns e da confiança com consequente superação do medo e da insegurança. “O feminismo tem sido este movimento que demonstra vitalidade, criatividade e longevidade por sua capacidade de superar as barreiras impostas por uma educação sexista, racista e fóbica dos prazeres do corpo e das alegrias dos encontros”, afirma, lembrando que o feminismo não é um movimento bonzinho ou dócil.

A professora da Faculdade de Comunicação e Informação (FIC) da UFG, Luciene Dias, explica que a sororidade é um conceito que vem depois da prática. “Vivemos em estado laico de direito, porque o princípio é masculino. Não é isso que a sororidade busca. O que ela busca é a construção de uma comunidade coletiva, existente pelo que ela é no cotidiano, existente pelos afetos”, explica. Segundo ela, o movimento feminista faz o que pode para manter esse princípio, buscando mudar comportamentos. A professora explica que, quando é criado um disque denúncia (Ligue 180) contra a violência doméstica, por exemplo, está havendo sororidade. E é o mesmo princípio que faz com que grupos de apoio sejam tão recorrentes nos movimentos feministas. “A ideia é essa: você é vulnerável, eu também sou. Mas juntas somos fortes”, elucida Luciene Dias.

 

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Na universidade

Nos últimos anos as universidades passaram a receber um número mais relevante de mulheres. Luciene Dias explica que, quando essas mulheres passaram a se encontrar no mesmo espaço, elas se olharam, se identificaram e, mais do que isso, se solidarizaram, passando a criar um movimento de consolidação e pertencimento a esse espaço acadêmico que antes era negado a elas. “Começam a surgir os movimentos de mulheres dentro da universidade para construir um espaço através da autoidentificação feminina. Isso é sororidade. É você olhar a outra pessoa, percebê-la como igual e passar a construir junto com ela um mundo melhor”, detalha a professora.

Com o aumento do número de mulheres nas universidades e o ativismo feminista nas redes sociais, o feminismo foi ganhando espaço: a persistência da violência contra a mulher foi tema da redação no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), surgiram Coletivas Feministas em várias universidades pelo país e muitas mulheres começaram a fazer trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses sobre o feminismo, além de se organizarem para ajudar umas as outras.

Na UFG, a Coletiva Feminista Nonô, criada em 2015 por estudantes de Jornalismo, organiza reuniões para falar sobre feminismo na universidade, na sociedade e o machismo de todos os dias. Logo na segunda semana de existência da Coletiva, as estudantes organizaram uma oficina de cartazes, onde escreveram várias mensagens feministas e de combate ao machismo e os colaram no prédio da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC). “Isso serviu para nos impormos um pouco, mostrar que estamos ali presentes e também deu um conforto em outras mulheres que visitavam o prédio e elogiavam a presença. Eram mensagens de sororidade, de denúncia e também de esperança”, detalha Verônica Mendes, integrante da Coletiva.

Outra ação da Coletiva Feminista Nonô foi a doação de mais de 200 livros para a biblioteca do presídio feminino Consuelo Nasser. Algumas meninas da Coletiva estavam fazendo um trabalho no presídio e ficaram próximas das mulheres encarceradas. “Decidimos ajudar da forma que podíamos e foi uma experiência extremamente recompensadora”, relata a estudante.

A militante Karoline Santos, acaba de se graduar em Publicidade e Propaganda e conta que se descobriu feminista na UFG. “Percebi que o que minha avó e minha mãe fizeram e me ensinaram a vida inteira chamava feminismo, por meio de um Núcleo Livre. Desde então, passei a pesquisar mais sobre isso e militar”, relata. Para ela, a sororidade é fundamental dentro do ambiente acadêmico e foi por esse motivo que, em sua colação de grau, levantou um cartaz com os dizeres “Bela, Feminista e Formada”. “Entendo que se cheguei ali foi porque tive a influência de mulheres fundamentais. E é com elas e por todas elas que vou continuar lutando por liberdade, empoderamento e ocupação de espaços dentro e fora da universidade”, afirma Karoline Santos.

 

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Além do feminismo

Luciene Dias explica que a sororidade é um princípio que nasceu no feminismo, mas vai muito além e pode ser aplicado em outros grupos como as populações LGBTTI, negra ou deficiente. “A sororidade conquistou um espaço incrível, porque é a partir dela que outras pessoas conseguem existir nos espaços públicos pelo que elas são. Sororidade é um princípio baseado na autoidentificação no outro e ação para que esse coletivo se projete. A sororidade não tem a pretensão de ser hegemônica, ela só existe”, detalha a pesquisadora da FIC.

Para Eliane Gonçalves, a política da amizade pode e deve ser ampliada a outros grupos em situação “minoritarizada”. Segundo a pesquisadora, alianças entre pessoas e grupos socialmente marcados tendem a fortalecer a ação política em outros níveis. “A amizade é um elo importante para a aprendizagem da alteridade; homens e mulheres tenderiam a se beneficiar muito para crescimento pessoal com amizades mútuas, reunindo tanto quanto possível diferenças produzidas socialmente. Penso que a amizade é uma das manifestações do amor, é amor em uma forma poderosa que transcende as afinidades”, opina a professora da FCS.

 

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Críticas

A prática da sororidade, no entanto, ainda é alvo de muitas críticas, inclusive dentro do próprio movimento feminista, principalmente por conta das relações de poder que ainda existem entre as mulheres no que diz respeito às diferenças raciais, sociais, de orientação sexual, ou ainda entre mulheres cis e trans. “Sororidade é um conceito bastante importante, sobretudo porque a sociedade patriarcal constantemente coloca mulheres em papel de rivais e essa rivalidade é usada para a manutenção do status quo machista. Quanto mais unidas somos, melhor. Mas não podemos nos cegar por isso e deixar de lado as críticas e cobranças. Porque somos mulheres, mas ainda há racismo, LGBTfobia, elitismo e várias outras opressões que podem nos privilegiar ou oprimir”, lembra a estudante de Jornalismo e integrante da Coletiva Nonô, Elisama Ximenes.

Segundo Elisama Ximenes, a Coletiva Nonô tenta quebrar essas barreiras e assumir uma luta pela igualdade, mas sempre na diferença, no respeito à diferença e aos protagonismos e lugares de fala. A colega Verônica Mendes concorda. Para ela, é preciso equilibrar essas relações de privilégio. “Nós precisamos ser críticas e estar preparadas pra ouvir críticas e respeitar o lugar de fala. Não adianta dizer que combatemos o racismo e não dar protagonismo para as mulheres negras, por exemplo. Temos que ser interseccionais nas nossas ações, porque feminismo é política e não só discurso. Quanto maior a representatividade, mais justo é o feminismo”, explica.

A professora Luciene Dias concorda com as críticas e afirma que as mulheres negras, por exemplo, não costumam se enxergar na sororidade. Segundo ela, o princípio poderia chegar ao movimento negro, mas isso deveria partir das mulheres brancas. “A lógica da sororidade é essa: uma sobe e puxa a outra”, conclui.

Categorias: Comportamento Edição 80