Icone Instagram
Icone Linkedin
Icone YouTube
Universidade Federal de Goiás
ANHANGUERA

Resgate do passado

Em 29/07/16 15:41. Atualizada em 02/08/16 15:02.

UFG disponibiliza acesso digital a mais de 500 documentos sobre o Monumento aos Bandeirantes

Luiz Felipe Fernandes

 

Bandeirante

Monumento aos Bandeirante no ano de sua inauguração, em 1942

 

Incorporada à paisagem do Centro de Goiânia, a escultura de 3,5 m de altura, talhada em bronze, pode passar despercebida para quem percorre a região no ritmo de duas das principais avenidas da capital – Anhanguera e Goiás. Exposto no cruzamento há mais de sete décadas, o monumento que acompanhou o crescimento da cidade hoje não só divide o espaço com ônibus e carros. Fincado em um minúsculo canteiro inacessível a pedestres, o Bandeirante foi isolado tanto fisicamente quanto da memória da população.

Apesar de já ter sido descrita tanto como ato heroico como de exploração e dominação, a participação dos expedicionários que adentraram o sertão brasileiro no período colonial foi determinante para a formação do que hoje é o Estado de Goiás. O Monumento aos Bandeirantes – nome oficial da obra – remete, à história regional. Recentemente, toda a documentação relativa à sua concepção, construção e inauguração recebeu tratamento arquivístico do Centro de Informação, Documentação e Arquivo da Universidade Federal de Goiás (Cidarq/UFG). O acervo está disponível para consulta pública digital.

Os documentos foram doados para a Universidade em 1987 por Edy Bittencourt Cunha Bueno e Dora Sylvia Cunha Bueno, respectivamente viúva e filha de Antônio Sylvio Cunha Bueno. No fim da década de 1930, Bueno encabeçou a Campanha Pró-Monumento aos Bandeirantes de Goiânia. Na época ele era presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), e teve a ideia da campanha depois de visitar a recém-criada capital de Goiás com um grupo de estudantes da Embaixada Universitária Paulista, que reunia acadêmicos das escolas superiores de São Paulo. A visita foi feita a convite do interventor federal em Goiás, Pedro Ludovico Teixeira.

Entre os documentos doados pela família de Bueno estão telegramas, cartas, decretos-lei, recortes de jornais, entre outros, que retratam toda a movimentação para que o monumento fosse erguido. São 468 documentos textuais e 35 iconográficos. Foram realizados higienização, acondicionamento, classificação, descrição e digitalização do acervo. O trabalho foi  coordenado pelo arquivista do Cidarq, João Luiz Menezes, e executado com o auxílio de uma equipe de estagiários. A classificação e a descrição do acervo foram realizadas com base na Norma Brasileira de Descrição Arquivística (Nobrade), para garantir e facilitar o acesso e o intercâmbio de informações em âmbito nacional e internacional.

O acervo mostra que a campanha Pró-Monumento aos Bandeirantes mobilizou os governos de Goiás e São Paulo, que entraram com o apoio financeiro. A empresa Coimbra Bueno, responsável pela construção de Goiânia, custeou propagandas feitas em todo o país e as conferências realizadas em São Paulo. Outra iniciativa revelada pelos documentos é o Baile da Chita, promovido pela Federação dos Estudantes de Campinas, com renda revertida para a campanha. Todo o esforço resultou na inauguração, no dia 9 de novembro de 1942, do Monumento aos Bandeirantes, com projeto do escultor Armando Zago.

 

Jornal Correio Popular noticiava o Baile da Chita, que teria a renda revertida para a Campanha Pró-Monumento aos Bandeirantes

Jornal Correio Popular noticiava o Baile da Chita, que teria a renda revertida para a Campanha Pró-Monumento aos Bandeirantes

 

Acervo recuperado

Apesar da reconhecida importância da documentação relativa ao Monumento aos Bandeirantes, o acervo havia tomado destino incerto depois de ter sido doado pela família de Antônio Sylvio Cunha Bueno à Universidade, em 1987. A recuperação foi possível pela iniciativa de Armando Honório da Silva, arquivista da UFG. Ele lembra que em 2009 recebeu do então vice-reitor Benedito Ferreira Marques a incumbência de encontrar os documentos. “Procurei todos os professores da área de História que eu conhecia. Todos falavam que não estavam com os documentos”, conta. A investigação foi se aprofundando até que Armando encontrou o material. Estava na casa de uma professora.

A professora do Programa de Pós-Graduação em História da UFG, Cristina de Cássia Pereira Moraes, destaca a importância da recuperação desses documentos para a historiografia. “A memória coletiva é uma das maiores garantias de nossa identidade cultural e por este motivo devemos estar centrados em um trabalho permanente voltado para o resgate desse mosaico documental que enformam e caracterizam nossa sociedade e a história cultural do estado de Goiás”, considera.

 

Estudantes da Embaixada Universitária Paulista em visita a Goiânia, em 1938

Estudantes da Embaixada Universitária Paulista em visita a Goiânia, em 1938

 

Rumo ao interior do Brasil

A professora Cristina de Cássia Pereira Moraes explica que as bandeiras tinham fins comerciais e militares. Consistiam em desbravar o sertão, povoar o interior do Brasil e descobrir novas jazidas de ouro e diamante. Cada um dos participantes entrava com uma parcela de capital e, principalmente, com um numerário de escravos. “Nos documentos pesquisados por nós, encontramos os termos entrada, jornada, viagem, companhia, descobrimento e guerra com o mesmo sentido de bandeiras”, acrescenta. Cada uma era individualizada com o nome do organizador da expedição ou lugar de destino – entrada de Bartolomeu Bueno da Silva, entrada do Rio do Sono, por exemplo.

O registro da descoberta de ouro na região de Goiás está em uma carta enviada em 1725 pelo governador da capitania de São Paulo, Dom Rodrigo César de Meneses, ao rei Dom João V. Nela, o governador informa sobre o sucesso da expedição de Bartolomeu Bueno da Silva à região dos índios Goiá, depois de três anos e dois meses de andança. Um ano depois, Bartolomeu Bueno da Silva volta ao local. Logo as primeiras amostras de ouro foram enviadas a Portugal, consolidando o Anhanguera como guarda-mor das minas.

Cristina de Cássia ressalta que registros históricos, objetos e produtos concretos de períodos como esse constituem os bens culturais que, associados a saberes, afazeres, comportamentos e experiências acumulados na memória formam o patrimônio cultural de uma sociedade ou nação. “Na verdade, o patrimônio cultural se constitui dos ‘restos’ ou ‘traços’ daqueles elementos quando, passada a utilização que motivou a razão de ser de sua criação, são preservados por essa mesma sociedade”.

A professora destaca a importância do trabalho de pesquisadores “incansáveis e corajosos”, como foi o caso da investigação do arquivista da UFG Armando Honório da Silva que resultou na recuperação dos documentos relativos ao Monumento aos Bandeirantes. “Graças a eles é que nossa memória está sempre preservada para permitir múltiplas construções históricas do futuro, o que certamente aumentará nossa responsabilidade de pesquisadores do presente”, conclui.


Veja o acervo do Monumento aos Bandeirantes no Cidarq.

 

 

Categorias: Arquivo Edição 81