Icone Instagram
Icone Linkedin
Icone YouTube
Universidade Federal de Goiás
HC

Corpo e identidade em harmonia

Em 29/09/16 15:59. Atualizada em 04/10/16 13:19.

Projeto TX, do Hospital das Clínicas da UFG, é referência na área de cirurgias de redesignação sexual

Angélica Queiroz 

Imagine estar em um corpo estranho. Você que é mulher, imagine que no dia seguinte acorde no corpo de um homem e vice-versa. Como vai se sentir? O exercício simples nos dá uma ideia de como a população transexual se sente, já que seu corpo físico não corresponde à sua identidade interior. Por conta desse desacordo, muitas dessas pessoas desejam se submeter ao processo transexualizador para adequar seu corpo à sua identidade de gênero, sendo as intervenções cirúrgicas momentos muito simbólicos e aguardados pelas pessoas que vivenciam esta realidade.

As cirurgias de redesignação sexual eram proibidas no Brasil até que, em 1997, uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) decidiu que era possível fazer a cirurgia de redesignação sexual no Brasil. O Hospital das Clínicas (HC) da UFG foi o segundo do país – já existia um projeto semelhante no Rio Grande do Sul – a implementar um projeto para realizar essas cirurgias - o Projeto TX.

Rafaela Damasceno ingressou no projeto assim que foi criado e foi uma das primeiras pacientes a passar pela cirurgia de redesignação, em 2004. Ela elogia o tratamento e a equipe do ambulatório e afirma que o procedimento refletiu em todos os âmbitos da sua vida. “A cirurgia mudou totalmente a minha vida”, declara.

 

História 

Segundo a coordenadora do Projeto TX, Mariluza Terra, a partir da resolução de 1997, muitas pessoas transexuais começaram a procurar o HC. “Antes a cirurgia era considerada mutilação e o médico que fizesse podia ter sua licença cassada”, lembra. Contudo, segundo ela, não havia ainda no hospital uma equipe capacitada para realizar o procedimento. A demanda, no entanto, sensibilizou a direção do hospital, que resolveu criar um projeto em Goiás.

O Projeto TX começou em maio de 1999 e, devido à necessidade de acompanhamento prévio psicológico e hormonal de pelo menos dois anos, a primeira cirurgia foi realizada apenas em 2001. Hoje, quase 80 pessoas já passaram por cirurgias no Projeto TX e 27 aguardam na fila para realizar o procedimento de redesignação sexual.

Só em 2008 o governo brasileiro finalmente oficializou as cirurgias implantando o “Processo Transexualizador” por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Desde então foram feitas novas regulamentações pelo CFM, reestruturando o atendimento dos Projetos TX do Brasil, conforme a experiência do desenvolvimento dos trabalhos. Ao longo desse processo, o projeto da UFG, um dos cinco existentes no país, se tornou referência nacional e internacional na área. Hoje, além do Rio Grande do Sul e Goiás, São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco também têm projetos TX.

 

Trans

 

Interrupção e reformulação 

Por falta de profissionais, as cirurgias e o cadastro de novos pacientes foram interrompidos por dois anos. Em março deste ano o projeto voltou a receber novos pacientes e em agosto as cirurgias voltaram a ser realizadas. Segundo Mariluza Terra, um novo médico, cedido pelo estado, viabilizou a retomada do projeto. A coordenadora do TX destaca que os movimentos sociais, especialmente o Coletivo de Mulheres e Homens Transexuais, Transgêneras, Familiares Apoiadores da Causa Trans na UFG (TransAção), foram os responsáveis por não deixar o projeto acabar. “A partir do momento em que comecei a trabalhar com o movimento social, as coisas mudaram para melhor. É maravilhoso trabalhar com os movimentos”, afirma.

A membro e co-fundadora do Coletivo de Mulheres e Homens Transexuais, Pessoas Transgêneras e Travestis, Familiares Apoiadores da Causa Trans na UFG (TransAção), Ester Sales, aguarda na fila há cinco anos. Ela está animada com a volta do projeto e aguarda ansiosa a sua vez. Segundo ela, a cirurgia será um passo muito significativo em sua história e contribuirá de forma marcante para que se sinta à vontade com seu próprio corpo e possa viver com adequada qualidade de vida. Ester ressalta, porém, que o órgão genital é uma coisa que faz parte da sexualidade, mas não a determina. “A sexualidade se refere a algo mais profundo, que vai além do físico”. Acrescenta ainda que este aspecto é significativo para desconstruirmos a cultura que visualiza a mulher e o homem “limitados” a seus órgãos genitais. “Ser mulher e ser homem é uma dimensão do ser que vai muito além e que se conecta com diversos aspectos sócio-histórico-culturais e íntimos da subjetividade”.

Mariluza Terra explica que o principal obstáculo para o desenvolvimento do TX é a escassez de profissionais que se interessam em tratar dessa população. “Um elemento muito importante é o preconceito, tem que se reconhecer. Eu sempre digo que existe um perfil específico do profissional que trabalha com essa população. Não é qualquer profissional de saúde. Deve ser alguém que consiga olhar as pessoas transexuais e enxergar através do corpo, ver a alma”, reflete. A coordenadora do projeto destaca que o trabalho é fonte de grande aprendizado. “Injustiça é algo que sempre me angustiou. E a população travesti, transgênera, intersexual e transexual (TTIT) é uma população injustiçada, alvo de muito preconceito. Comecei a entrar em contato diariamente com o seu sofrimento”.

Este ano o projeto passou por uma reformulação e foi reescrito a várias mãos, com a ajuda de professores da Universidade e de integrantes de movimentos sociais, além da equipe do TX. Segundo a coordenadora de Ações Afirmativas da UFG, Luciene Dias, que participou desse processo, a criação de movimentos sociais conscientes da importância do TX gerou essa necessidade de atualização. Ela explica que o projeto, que era de extensão, agora também é um projeto de pesquisa. “Essa mudança fortalece o projeto dentro do tripé ensino, pesquisa e extensão”, ressalta. Segundo ela, como projeto de pesquisa, o TX agora pode concorrer a editais de pesquisa em qualquer agência de fomento e conseguir, por exemplo, recursos para utilização e compra de equipamentos de tecnologia avançada ou pesquisas fora do país.

 

redesignação

 

Acesso 

Para ter acesso ao ambulatório, basta ir a qualquer Cais de Goiânia, ter uma consulta com o clínico e solicitar encaminhamento para o Ambulatório de Transexualismo do HC, que já está no sistema da Secretaria Municipal de Saúde. São 16 novas vagas por mês. Os novos pacientes devem ter acompanhamento psicológico e hormonal de pelo menos dois anos até a cirurgia.

O projeto tem duas dimensões: ambulatorial, quando são ofertados atendimentos básicos de saúde e acompanhamento, e o atendimento hospitalar pré, durante e pós-operatório, quando são realizadas diversas cirurgias de correções plásticas para adequação do fenótipo de nascimento físico ao gênero de identificação da pessoa transexual.

 

Linha do tempo

 

Fonte: Ascom/UFG

Categorias: Pesquisa e Extensão Edição 83