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Universidade Federal de Goiás
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Estamos carentes de olhares humanizados

Em 27/04/17 14:01. Atualizada em 05/05/17 14:45.

Vozes gritam por igualdade e respeito em uma sociedade pouco acolhedora

Garota fala

 

Texto: Vinícius Paiva | Fotos: Carlos Siqueira | Ilustração: Marcos Fernandes

Shayane Santos, 24, estudante de Ciências Sociais/Políticas Públicas da UFG, é mulher, preta e lésbica, e acredita que todas as pessoas devem ser ouvidas. “Nossos corpos são marcados por realidades diferentes e cada um tem uma história para contar. Precisamos entender o ser do outro”. Já Bruno Eduardo, 25, é advogado e estudante de Jornalismo também da UFG. Branco, heterossexual e de classe média, Bruno defende que nem todos trilham os mesmos caminhos e cada um enfrenta obstáculos diferentes. “É como se uma pessoa andasse de escada rolante e a outra tivesse que subir degraus”.

Questionar o abismo entre realidades tão opostas, como a de Bruno e Shayane, e pensar as desigualdades econômicas, as hierarquizações sociais e as diferenciações culturais, são formas de colocar em xeque a neutralidade dos discursos e de seus enunciadores. A professora do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA) da UFG, Flávia Rios, explica: “Em sociedades extremamente desiguais como a nossa, dar voz a grupos desprivilegiados ou oprimidos é, de certa forma, subverter o impacto das desigualdades sociais nos espaços públicos”.

Trazer à cena lugares de fala, de escuta e de visibilidade se faz importante para a construção de um debate mais igualitário e direciona os olhares para a gigantesca desigualdade de poder nas relações sociais. “O lugar de fala refere-se às posições desiguais em que indivíduos e grupos estão socialmente e culturalmente inseridos. Falar é um ato de libertação. O exercício dessa liberdade requer igualdade de condições. É essa igualdade que permitirá a fala e a escuta”, explica Flávia.

 

Rapaz escuta

 

Interseccionalidade

“Se não podemos ver um problema, não podemos resolvê-lo”, prega Kimberlé Williams Crenshaw, feminista negra especializada em questões raciais e de gênero que batizou o termo Interseccionalidade. O conceito sociológico é fruto de uma análise entre as diferentes formas de dominação e/ou discriminação, e reflexiona as interações nas vidas das minorias entre diversas estruturas de poder. A concepção foi usada pela primeira vez em uma pesquisa no ano de 1991, que estudou as violências vividas pelas mulheres negras em classes desfavorecidas nos Estados Unidos.

Intersecção significa o encontro de duas linhas que se cortam. Crenshaw defende que essa analogia serve para analisar problemas cotidianos de injustiça social. Podem-se nomear diversas ruas a partir das distintas formas de subordinação, LGBTfobia, raça, gênero, classe, etc. Uma mulher pobre, por exemplo, está no ponto de intersecção das duas vias, sofrendo com os dois tipos de violência, de gênero e de classe. Além disso, cada caso tem a sua leitura, como exemplifica a professora Flávia, uma mulher pode ser rica, mas a avenida que permite o privilégio de classe não neutraliza a rua da violência de gênero.

 

Se o outro existe e você não consegue vê-lo, seu olhar é deformado, pois não aprendeu a conviver ou enxergar aquela diferença. 

Eliane Gonçalves


Humanização

Um obeso com dificuldades de atravessar a roleta de um ônibus. Uma mulher sendo assediada com assobios masculinos. Um gay com medo de andar de mãos dadas com seu companheiro. Um negro vestindo blusa com capuz sendo confundido com assaltante. O que todas essas situações nos mostram? Nada menos que a falta de cuidado para com o próximo. “Se o outro existe e você não consegue vê-lo, seu olhar é deformado, pois não aprendeu a conviver ou enxergar aquela diferença”, afirma a professora da Faculdade de Ciências Sociais, Eliane Gonçalves.


Expressões já enraizadas como “beleza exótica”, “viadagem”, “denegrir”, “mulher de respeito”, “inveja branca”, “cabelo ruim”, “a coisa tá preta”, “cabeça chata”, “baianice”, “serviço de preto”, “coisa de mulherzinha”, entre outras, perpassam a barreira do preconceito e mostram a invisibilização e a falta de voz de determinadas pessoas. Além disso, ao questionarem certos lugares de fala, os grupos marginalizados ficam suscetíveis a discursos universais e homogêneos que, por vezes, neutralizam as contradições sociais e refletem as experiências sensíveis e a falta de vivência humanizada de algumas pessoas.

 

Já fui elogiada por ter uma beleza exótica.

Shayane Santos


Reflexão

Pautar o equilíbrio social é um processo longo, pois cada pessoa é um somatório de percepções, de hábitos e características que compõem o seu entendimento pessoal perante o individual e o coletivo. Mas Eliane nos apresenta, por hora, uma boa solução. “Se faz necessário pausar, respirar, refletir e usar essa reflexibilidade com o objetivo de entender o lugar que você ocupa naquela situação. Precisamos saber como lidar e como contribuir de maneira positiva, sem tomar o lugar de fala ou diminuir as experiências vividas pelos protagonistas de cada história”.

 

Desafio entenda seus privilégios

Categorias: sociedade edição 87