Pesquisadores se dedicam ao estudo da raposa do Cerrado
A raposa-do-campo é um dos menores canídeos da América do Sul e figura na lista de espécies ameaçadas de extinção
Texto: Fabio Gaio | Fotos: Fernanda Cavalcanti
Um animal encontrado apenas no Cerrado brasileiro e que está em risco de extinção. A raposa-do-campo (Lycalopex vetulus) ou simplesmente raposinha, uma espécie de canídeo pouco estudada e conhecida e que traz algumas particularidades em relação a outras espécies, tem sido foco de estudos realizados pelo grupo de pesquisa do Programa de Conservação Mamíferos do Cerrado, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), vinculado à Regional Catalão da Universidade Federal de Goiás (UFG). O grupo busca entender diferentes aspectos da história natural da raposinha em um ambiente permeado por atividades agropecuárias e presença humana.
Professor do curso de Ciências Biológicas da Regional Catalão e um dos coordenadores do estudo, Frederico Gemesio Lemos, pesquisa a raposa-do-campo desde 2003. Ele explica que chama a atenção o fato de, apesar de ser um animal carnívoro, a raposinha se alimentar preferencialmente de cupins, item presente em até 90% das fezes da espécie (além de outros invertebrados, frutos e roedores). Outro diferencial destacado por ele é o fato de o pai ter um papel primordial na criação dos filhotes, sendo responsável por trazer comida e avançar em possíveis agressores, enquanto a mãe passa as noites caçando, indo poucas vezes na toca para amamentá-los.
Raposa se alimenta preferencialmente de cupins
Segundo Frederico, boa parte dos estudos com canídeos ocorre em áreas de proteção ambiental (unidades de conservação), o que não é o caso do trabalho realizado pelo grupo, que tenta compreender, por exemplo, como a raposa-do-campo interage com outros animais, a exemplo do cachorro-do-mato, o lobo-guará e o cão doméstico em áreas não protegidas. O trabalho busca compreender também se a raposinha faz parte do ciclo de diferentes parasitas, e se ela é vítima ou não de agressões por parte do homem.
O trabalho no campo é complexo e envolve recursos técnicos e materiais. Desde 2008 os animais são capturados e recebem um colar de identificação que funciona como um rádio transmissor. A maior dificuldade do estudo, segundo Frederico, não é a captura da raposa- do-campo e sim a obtenção de informações em longo prazo, uma vez que metade das raposinhas morrem com cerca de oito meses de idade, muitas vezes por intervenção do homem. “Nesses casos elas são mortas por tiro, envenenamento ou a toca com os filhotes é fechada. Em alguns casos as pessoas chegam a mostrar o colar transmissor, afirmando ter matado a raposa que era monitorada”, comenta o professor. Diante disso, o estudo vai além do aspecto científico e realiza ações de divulgação da espécie, seja em órgãos ambientais regionais, estaduais e federais, internet ou meios de comunicação. Recentemente foi realizado um documentário por uma emissora de televisão japonesa, o primeiro focado na espécie. Também é realizado um trabalho com cerca de 500 estudantes em escolas de Cumari, no sudeste goiano, município onde o estudo é realizado.
Outro aspecto importante sobre a raposa-do-campo avaliado pela pesquisadora Stacie Castelda, da Universidade George Mason/Instituto Smithsoniano e que também participa do estudo, buscou identificar o nível de estresse da raposinha, além de aplicar questionários em propriedades rurais, interessada em saber a percepção da comunidade sobre a espécie. O resultado foi que a maioria das pessoas entende que a espécie é nativa do Cerrado e não vê problema nisso, desde que a raposa não cause prejuízos para as criações domésticas. “Apesar de ser nomeada como raposa-do-campo e de ser um animal que se alimenta preferencialmente de cupins, existe o preconceito de que a raposinha come galinhas e as pessoas acabam erroneamente matando a espécie como um tipo de prevenção, mesmo sendo um crime federal”, explica Frederico.
Apesar de desenvolver o importante papel de predador no ecossistema onde ocorre, a raposa-do-campo não possui valor econômico, mas para Frederico, o grande valor da raposinha está no fato de simplesmente existir como espécie que ocorre e evoluiu no Cerrado. “Não se pode olhar apenas para o aspecto econômico. Uma raposa-do-campo, uma águia-cinzenta, uma cascavel a menos, à medida que espécies vão desaparecendo o ecossistema se torna mais pobre, funciona pior, o que contribui para a diminuição da qualidade da vida como um todo. E o que fazemos diariamente senão buscar qualidade de vida, mesmo que sem de fato avaliar o que isto significa?”, avalia o professor.