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Universidade Federal de Goiás
Capa artigo 89

O que a universidade tem a ver com o“fim do mundo”?

Em 28/07/17 10:54. Atualizada em 28/07/17 11:54.

Artigo explica como a universidade pode e deve cumprir seu papel sobre a crise planetária

Artigo Alexandre e Júlio

Alexandre Herbetta|Júlio Kamer Apinajé*

Indígenas e não indígenas têm refletido sobre as implicações resultantes de grandes projetos desenvolvimentistas, típicos das políticas brasileiras, como o Matopiba, que busca intensificar a produção capitalista agropecuária em vasta região brasileira. Discutem igualmente a responsabilidade da instituição universitária sobre a crise planetária. Intelectuais indígenas têm denunciado a destruição paulatina de seus territórios e a ignorância geral presente no senso comum e nas políticas brasileiras acerca da riqueza potencial da “floresta em pé”. Eles lembram da constante desvalorização de seus modos de compreender e produzir seus mundos e de suas relações estabelecidas com o território. Cada população estabelece uma série de relações entre si, com outras populações, com o meio ambiente e com distintas espécies, constituindo seus universos particulares.

Para os Apinajé, que sofrerão as consequências do Matopiba, o território não é espaço apenas de intensificação da produção. Ao contrário, ele está conectado intrinsecamente com outros domínios da vida, como a organização social, os ritos, o acesso aos recursos naturais, à saúde e à própria existência indígena. A pesquisa de Júlio Kamêr Apinajé, por exemplo, tem como centro essa ideia. Segundo ele, para proteger o território das queimadas é preciso cantar as músicas tradicionais. Algumas músicas têm relação especial com lugares do território, os quais possuem recursos específicos, como o babaçu, que são constituintes de artesanatos, terapêuticos, da organização social, possuem história e música. Assim, cantar determinadas canções garante a sustentabilidade da população e do mundo.

Em oposição, destruir parte do território para gerar capital para poucos implica destruir não só o território, mas todo esse conhecimento espiritualizado e milenar, que é aprendido da e com a natureza, e desarranjar uma série de relações estabelecidas ancestralmente. É o que acontece quando categorias, conceitos e perspectivas eurocêntricas tornam-se categorias universais. Sem território, não há a possibilidade de existência Apinajé. É o fim de um mundo particular.

Para o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, alguns povos indígenas são, inclusive, “especialistas em fim do mundo”. Isto, pois há vários fins de mundo em curso. Apesar de avanços interessantes, a universidade, dentre outros lugares e instituições, reifica e naturaliza essas situações, noções e perspectivas, como se pode notar nas matrizes curriculares e projetos pedagógicos dos cursos que apenas reproduzem noções de uma matriz de conhecimentos eurocentrada, deixando de problematizar a situação de crise existente no país e ignorando outras concepções de mundo.

Pode-se notar o mesmo em mecanismos de exclusão ainda presentes na burocracia universitária, como processos de seleção e políticas de acesso e permanência que ignoram os modos particulares de conceber o mundo de outros contingentes populacionais e reproduzem dinâmicas excludentes. Pode-se notar na estrutura universitária que muitas vezes ainda não permite o exercício político pleno de discentes indígenas, como, por exemplo, em eleições e conselhos universitários. Percebe-se também a ausência de docentes indígenas, quilombolas e o pequeno número de docentes negros.

Conclamamos a comunidade universitária a romper com estruturas e dinâmicas universitárias arcaicas, problematizar categorias colonizadoras, e a construir novos modos de se produzir conhecimento e de se formar pessoas no país, de modo a colaborar com a possibilidade de existência de diversos mundos. A universidade tem muito trabalho pela frente.

* Júlio Apinajé é professor na Escola Indígena Tekator e é mestrando em Antropologia Social pela UFG. Alexandre Herbetta é professor do Núcleo Takinahaky e do Mestrado em Antropologia Social da UFG

O Jornal UFG não endossa as opiniões dos artigos, de inteira responsabilidade de seus autores.

Fonte: Ascom UFG

Categorias: Artigo Edição 89