Icone Instagram
Icone Linkedin
Icone YouTube
Universidade Federal de Goiás
Luciana

Escolhas em ambientes onde prevalecem as liberdades

Em 30/08/17 11:09. Atualizada em 31/08/17 11:26.

Artigo aborda liberdade de pensamento e de escolha de temas para a construção do conhecimento

 

15 artigo

* Luciana de Oliveira Dias

Realizar um estudo aprofundado demanda, de quem o realiza, liberdade de pensamento, o que implica em horizontalidade epistêmica entre todos os pensamentos (inclusive os referentes ao sujeito que pesquisa) que ocupam o cenário de produção de conhecimento. A liberdade de pensamento é necessária para que a imaginação intelectual seja aguçada, as escolhas sejam feitas e, assim, horizontes epistêmicos plurais sejam vislumbrados com mais nitidez e proximidade.

O alargamento dos conhecimentos, pelo encontro de saberes plurais advindos de locus diversificados e diferenciados, é um desejo das universidades brasileiras. Atividades acadêmico-científicas vislumbram provocar ampliações e aprofundamentos nos campos de conhecimento nos quais estão alocadas. É uma tendência a abertura de canais de interação entre campos e áreas diferenciadas, em busca da geração de dimensões interdisciplinares e até transdisciplinares.

O contemporâneo e necessário trânsito entre disciplinas, compreendidas aqui como áreas de conhecimento, tem favorecido uma espécie de reordenamento dessas mesmas áreas e tem colaborado para que seja questionada a fragmentação dos conhecimentos que fora consolidada a partir da Ciência Moderna e do racionalismo de René Descartes, no século XVII. Altos níveis de disciplinarização e especialização afirmaram também um conhecimento localizado, ocidental e eurocêntrico no sedutor formato de conhecimento universal.

O conhecimento científico consolida-se de forma a manter traços colonizadores em sua estrutura avessa à liberdade. Os contornos adquiridos nesses espaços de produção do conhecimento, embora aspirantes ao universalismo e à neutralidade, são sustentados sobre práticas etnocêntricas, racistas, machistas e intolerantes às diferenças. Poderosos ideais colonizadores, tais quais os que violentaram, e violentam, povos e continentes, suprimiram liberdades também nos espaços de produção do conhecimento, instituindo padrões hegemônicos.

Sueli Carneiro, em A construção do outro como não-ser, como fundamento do ser (2005), estuda uma estrutura na qual os confins do “não-ser” são o espaço reservado para o excluído, o não cidadão, o escravizado, o estigmatizado. Todavia, o enunciado do “não-ser” pode provocar fissuras no eu hegemônico em razão do seu potencial desestabilizador. Estruturas colonizadoras, ainda vigorantes na sociedade e na universidade brasileiras, devem ser problematizadas, já que elas são responsáveis por perversos processos de hierarquização de sujeitos que são deslegitimados e aprisionados em um “não-ser” diante do padrão hegemônico colonizador.

É urgente a desconstrução da herança colonizadora das universidades que tem perpetuado estruturas hierarquizantes de áreas, sujeitos, espaços e temas. Uma cruel hierarquização que se reproduz até mesmo naquelas instâncias mais aparentemente singelas e sutis. A liberdade é um dos princípios universais que devem ser efetivados nos espaços de produção de conhecimento, em que as temáticas inovadoras, ainda que recusadas inicialmente, têm o potencial de forçar os limites disciplinares do conhecimento e as fronteiras impostas à capacidade humana de acessar saberes.

Sobretudo com a adoção de cotas raciais, étnicas e sociais nas universidades brasileiras a partir do ano de 2003, emerge uma exigência de reconhecimento da dimensão de sujeito daquilo que se convencionou como objeto. Esses “novos sujeitos” que aspiram à liberdade demandam por uma descolonização da universidade, dos conhecimentos, dos temas e das mentes, como sugere bell hooks (1995). Somente depois da descolonização de saberes e da efetivação de liberdades será possível fazer escolhas, inclusive temáticas.

*Antropóloga, pós-doutora em Direitos Humanos e Interculturalidades. Professora da Faculdade de Letras da UFG. Coordenadora do Coletivo Rosa Parks. Coordenadora de Pesquisa do Núcleo de Direitos Humanos.

O Jornal UFG não endossa as opiniões dos artigos, de inteira responsabilidade de seus autores.

Fonte: Ascom UFG

Categorias: Artigo Edição 90