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Universidade Federal de Goiás
PORQUE O ESTADO IMPORTA

PORQUE O ESTADO IMPORTA

Em 29/04/22 09:35. Atualizada em 29/04/22 16:28.

Antes eles do que nós – a extinção dos cursos de licenciatura nas universidades públicas

Tadeu Alencar Arrais*

Diego Pinheiro Alencar*

É isso. Não dá para dourar a pílula. Estamos em extinção. Não o professor, de modo geral, mas o professor licenciado formado nas instituições públicas de ensino. Esqueçam, por um momento, as produtivas discussões curriculares. Esqueçam os inflamados discursos sobre a nobreza da função docente. Um breve olhar sobre a evolução das matrículas, por instituição, pode funcionar como uma espécie de fuga da caverna para todos aqueles que se recusam a enxergar a realidade. As matrículas na rede privada, entre 2008 e 2010, aumentam mais que aquelas na rede pública de ensino superior. Em 2020 foram 4,23 milhões de matrículas presenciais e 2,29 milhões de matriculas na modalidade não presencial na rede privada de ensino. Essas duas modalidades, na rede privada, representaram, em 2020, 75,81% do total das matriculas em todo o país. É provável que os dados de 2021 aumentem as assimetrias entre a oferta pública e a oferta privada. Aliás, alguém financiou isso tudo!

A universidade pública que oferta licenciatura, onerosa e inoperante, segundo a doutrina neoliberal, também está em extinção. Pague R$ 189,00 por mês em um curso de licenciatura, diz o anúncio de uma instituição privada de prestígio nacional. Um docente, de tal instituição, sem estabilidade funcional, dificilmente receberá, como um professor titular de uma instituição federal, 13 mil reais por mês. O custo da titularidade é um luxo dispensável.

 Observatório do Estado Social     

O olhar para a evolução das matrículas nos cursos de licenciatura nas instituições públicas de ensino superior revela uma redução, para simplificar, não apenas da procura, mas também, e o mais grave, do total de concluintes. Os dados de Goiás reproduzem um padrão nacional. Um número menor de pessoas procuram os cursos de licenciatura e, destes, um número cada vez menor conclui os cursos de licenciatura, como explícito na Figura 1. O debate sobre a evasão nunca foi tão necessário. Mas perde em centralidade, de longe, para as acomodações disciplinares nos discussões curriculares departamentais. Minha área, imprescindível para a formação de professores desempregados, sempre será melhor que a sua. A terceira variável para compreender a extinção tem relação com a empregabilidade. Sabemos, e essa hipótese é relevante, que um percentual de concluintes não exercem a profissão docente. Não é preciso lembrar que os baixos salários e as condições precárias de trabalho reduzem o interesse pelo exercício da profissão, muito embora ainda existam aqueles, nos ambientes formativos, que acreditam que a docência seja um sacerdócio. Fácil, como professor titular, acreditar em tal panaceia.

Mas a extinção, para a espécie extinta, será sempre dolorosa. Lembrar dos dinossauros não vale. Trata-se um processo mais lento, também alimentado pela negligencia dos campos formativos. Imagine, só em Goiás, a força política de instituições como a UFG, a UEG, o IFG e o IFGoiano. Na UFG, os 30 cursos de licenciatura, segundo dados do Analisa-UFG (2022), concentraram 4.423 matrículas. Cinco cursos de licenciatura, Pedagogia, Letras-Português, Educação Física e Geografia, registraram, em 2022, 570, 365, 357 e 302 matrículas, respectivamente. Seria necessário correlacionar os dados sobre as matriculas com o total de formandos e com as taxas de evasão. As notícias, como bem sabemos, não são boas e os diagnósticos sobre a situação abundam em todos os cursos de licenciatura. Relatos de disciplinas com menos de dez alunos, no passado recente, eram tidos como lenda urbana ou mesmo resultado da soberba didática de orgulhosos professores que impunham regimes disciplinares, por assim dizer, pouco ortodoxos. Sobram, apenas, discursos românticos, ufanistas e, em muitos casos, deslocados da realidade, sobre a situação dos professores do ensino básico.

Recusamos enxergar, como mecanismo de defesa, tudo isso. A defesa, abstrata, da educação pública basta. É como defender o ursinho panda. Ninguém ousaria dizer algo contra esses bichinhos fofos! Agimos como o velho da metáfora do filósofo alemão que dizia que se os homens se afogavam era porque estavam possuídos da ideia de gravidade. É só deixar de acreditar na gravidade para afastar o risco de afogamento. Apesar da gravidade ainda estamos em extinção e, sequer, reagimos. E essa extinção se manifesta com banalidade no cotidiano dos discentes e egressos dos cursos de licenciatura que, não raro, ocupam cadeiras nos calls center ou, quando tem sorte, conseguem um automóvel para batalhar em plataformas como o Uber e ou o Ifood.

Esquecemos que, antes de amar a literatura, como John Keating (Sociedade dos poetas mortos), de se emocionar com as reações químicas como Walter White (Breaking Bad) ou expressar a paixão como Mark Thackeray (Ao mestre com carinho), nossos alunos, não diferentes de NÓS, precisam de espaços para o exercício da profissão. Precisam, desculpem a heresia, do MERCADO. Do exercício da profissão na rede privada do ensino básico mas também, e, até ontem, principalmente, na rede pública de ensino básico. Não há pecado em assumir isso. São jovens, na maioria, egressos de famílias vulneráveis que esperam encontrar, nas licenciaturas, alguma expectativa de progresso material. Isso é demasiadamente justo. É simples assim. O silêncio dos campos formativos sobre a redução das vagas para as licenciaturas no concurso da Prefeitura de Goiânia ou mesmo o cinismo diante da situação dos 10.012 contratos temporários na rede Estadual de Ensino Público de Goiás são a comprovação de que naturalizamos a extinção e abrimos a passarela para a ação das instituições privadas de ensino na modalidade não presencial. A maior rede de ensino municipal de Goiás oferece, como consta no Edital, 9 vagas para geografia, 9 vagas para história, 9 vagas para ciências e 9 vagas para educação física. QUE COMECEM OS JOGOS!

Mas a extinção de uma espécie sempre trará, para outras espécies, alguns efeitos colaterais, afinal, devemos admitir, a cadeia alimentar também sofrerá alguma mudança. A tendência é que, sem demanda, os cursos de licenciatura das universidades públicas desapareçam. NÓS estamos, enquanto aguardamos a reforma administrativa, protegidos pelo manto sagrado da estabilidade funcional. Por enquanto só podemos ouvir os sussurros nos corredores: antes ELES do que NÓS.

*Tadeu Alencar Arrais é professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e coordenador do Observatório do Estado Social Brasileiro.

*Diego Pinheiro Alencar é professor do Instituto Federal Goiano e membro do Observatório do Estado Social Brasileiro.

Fonte: Secom UFG

Categorias: colunistas Iesa Porque o Estado Importa