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Universidade Federal de Goiás
João Botelho

PANORAMA

Em 17/04/19 15:45. Atualizada em 17/04/19 16:06.

A Venezuela sob o signo da irresponsabilidade

João Botelho

João Carlos Amoroso Botelho*

Se há algo em comum entre os lados em disputa na situação dramática da Venezuela, sejam atores internos ou externos, é a irresponsabilidade para com a população do país. Nunca se buscou seriamente uma solução negociada, desde que a crise política se aguçou e que os reflexos sobre a sociedade venezuelana se aceleraram, com a vitória dos partidos de oposição na eleição legislativa de 2015,  e a reação à ela por meio de, entre outras medidas, a antecipação do pleito presidencial para maio de 2018.

Não faltaram declarações, articulações por parte de diferentes atores e até processos que se iniciaram formal ou informalmente, mas os dois lados nunca estiveram de fato dispostos a ceder nas suas posições em benefício do conjunto da população. O chavismo não abre mão de nacos de poder, por mínimos que sejam. Quando a oposição, a duras penas depois de fracassar em tentativas pela via da força ou de eleições, conquistou seu espaço pelo voto em 2015, se viu bloqueada por subterfúgios que o chavismo e seus aliados nos demais poderes têm empregado para impedir que o Legislativo exerça suas prerrogativas constitucionais. A oposição, por sua vez, não se dispunha a reconhecer o direito do chavismo de governar, já desde eleições anteriores menos contestadas na sua lisura do que a de 2018.

Esse quadro só tem se deteriorado, tanto do ponto de vista humano, quanto do político, com a continuidade dos comportamentos irresponsáveis de parte a parte. Ainda que setores da oposição tenham reconhecido que erraram ao não priorizar a via eleitoral, como no abandono da eleição legislativa de 2005 e na aposta em intensificar protestos em 2014, voltaram a fazê-lo em 2018. Por mais que houvesse temores sobre a lisura do processo, a oposição perdeu a oportunidade de disputar a eleição presidencial daquele ano com uma candidatura única das suas principais forças e questionar posteriormente os resultados, se assim fosse o caso, tendo a legitimidade da participação. Em vez disso, a aposta para conquistar o poder foi novamente a pressão sob o regime chavista.

Ao mesmo tempo, o chavismo avança na ocupação do espaço oposicionista, com a nova Assembleia Constituinte instalada em 2017, e dá mais justificativas à oposição para apostar em outros meios que não a negociação ou a via eleitoral. A disputa atual que se seguiu à autoproclamação de Juan Guaidó, autoridade máxima da Assembleia Nacional, como presidente interino da Venezuela no início de 2019 é mais um episódio da série de irresponsabilidades.

Essa estratégia tem o respaldo dos Estados Unidos, sob o governo de Donald Trump, e foi adotada assim que Guaidó, do Voluntad Popular, o partido de Leopoldo López, um dos líderes dos protestos de 2014, assumiu a Presidência da Assembleia Nacional. Por enquanto, além de angariar apoio internacional, inclusive do Brasil sob o governo de Jair Bolsonaro, ela já foi suficiente para que qualquer ajuda humanitária dos países que reconheceram a autoproclamação de Guaidó seja barrada nas fronteiras venezuelanas. Da sua parte, a gestão de Nicolás Maduro sequer reconhece a necessidade da ajuda e tem o disparate de transferir toda a responsabilidade pelos problemas da Venezuela, do mais ao menos grave, a conspirações internas e externas.  

Novamente, a maior prejudicada é a população venezuelana, que está no limite da sua capacidade de sobreviver por lá e, em muitos casos, tem deixado o país para conseguir fazê-lo. Enquanto não houver disposição real em ceder e negociar, o que não parece estar no horizonte, a tendência é que o conflito vá escalando em violência e sofrimento humano e gerando reflexos mais graves nos cenários regional e internacional.

João Carlos Amoroso Botelho é professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás

Fonte: Secom UFG

Categorias: colunistas