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Universidade Federal de Goiás
agricultura familiar

A contradição no campo

Em 17/05/19 17:00. Atualizada em 11/06/19 16:37.

Prestes a voltar ao mapa da fome, Brasil investe cada vez menos em agricultura familiar

Reportagem: Mariza Fernandes

Produção audiovisual: TV UFG/Fundação RTVE

Podcast: Ana Flávia (Rádio Universitária)

Edição: Carolina Melo e Kharen Stecca

Todo mês o Jornal UFG divulga uma playlist relacionada ao tema da matéria especial. Confira:

 

agricultura familiar

Em 2018, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) divulgou um relatório que aponta que o número de vítimas da fome no Brasil é alto. Segundo o texto, cerca de 5,2 milhões de brasileiros passaram fome em 2017. Os dados evidenciam ainda o aumento da fome em todo o mundo, com destaque para a América Latina.  Tendo em vista que o Brasil é reconhecido como uma potência agrícola, os números do relatório refletem uma contradição.

Apesar de o país ter clima e localização favoráveis à prática da agricultura e pecuária, boa parte desse potencial tem sido utilizado para produção de matérias primas com foco na exportação. De acordo com o Instituto Mauro Borges (IMB), os produtos agrícolas cultivados em maior quantidade em Goiás, em 2018, foram a cana de açúcar, a soja e o milho. Os dados indicam que a produção dos alimentos que chegam à mesa do brasileiro não é interesse dos grandes latifundiários.

Essa lacuna é preenchida pelos agricultores familiares que, de acordo com o último Censo Agropecuário, produzem 70% dos alimentos que compõem a cesta básica nacional. Apesar disso, o setor ainda carece de políticas públicas que fortaleçam os pequenos agricultores. Em busca de soluções para os problemas enfrentados pelos agricultores, a Universidade Federal de Goiás (UFG) realiza, desde 2005, a Agro Centro-Oeste Familiar, que neste ano ocorre entre os dias 29 de maio e 01 de junho.

 

Agricultura familiar

De acordo com a Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a agricultura familiar brasileira é a oitava maior produtora de alimentos no mundo, com uma importante contribuição para a economia do Brasil. Para se ter ideia, se o país contasse apenas com a produção familiar, ainda estaria entre as 10 potências do agronegócio mundial. 

Com um perfil desenvolvimentista voltado para a produção de matérias primas por meio da monocultura, que está relacionada a uma série de conflitos socioambientais, só recentemente o Brasil começou a criar políticas públicas para a agricultura familiar. A Lei 11.326, de 2006, classifica os agricultores familiares como aqueles que praticam atividades no meio rural, possuem área de até quatro módulos fiscais, mão de obra da própria família, renda vinculada ao próprio estabelecimento e gerenciamento do estabelecimento ou empreendimento por parentes. A classificação também abrange silvicultores, aquicultores, extrativistas, pescadores, indígenas, quilombolas e assentados da reforma agrária.

agricultura familiarSó com a produção familiar, País ainda estaria entre as 10 potências do agronegócio

Em 1996, foi criado o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), com o objetivo de financiar projetos que promovam a geração de renda para os agricultores. A ideia é agregar valor ao que é produzido. Em 2019, no entanto, o governo federal anunciou a suspensão dos créditos para financiamento por meio do Programa. A Rádio Universitária da UFG conversou com a professora Graciella Corcioli, da Escola de Agronomia da UFG, para conhecer o histórico das políticas públicas para o setor e saber como está o cenário atual.

Um dos pontos mais destacados pela professora foi a extinção, em 2016, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que atuava na elaboração e implantação de estratégias específicas para a agricultura familiar, como as políticas de financiamento e a assistência técnica rural. A rádio conversou ainda com alguns produtores para entender melhor como funciona a rotina de uma família de agricultores e os impactos, em suas vidas, da redução das políticas públicas voltadas para a agricultura familiar. Confira:

O último Censo Agropecuário revelou que a agricultura familiar é a base da economia de 90% dos municípios brasileiros com até 20 mil habitantes. Além disso, o setor produz 70% do feijão nacional, 34% do arroz, 87% da mandioca, 46% do milho, 38% do café, 21% do trigo e 60% do leite. No entanto, os pequenos agricultores ocupam apenas 24% da área cultivada no Brasil.

PAA e PNAE

Em entrevista à TV UFG, a professora Graciella Corcioli, da Escola de Agronomia da UFG e uma das organizadoras da Agro Centro-Oeste Familiar (Acof) 2019, destacou que uma das principais dificuldades enfrentadas pelos pequenos produtores é a comercialização dos produtos, tendo em vista que eles não conseguem vender diretamente para os grandes mercados. Em 2003, o governo federal criou o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), com o objetivo ajudar a combater a fome e a pobreza no Brasil e, ao mesmo tempo, fortalecer a agricultura familiar.

O PAA favorece a comercialização direta. O governo compra parte dos alimentos diretamente dos agricultores familiares, assentados da reforma agrária, comunidades indígenas e demais povos e comunidades tradicionais, para a formação de estoques estratégicos e distribuição à população em situação de vulnerabilidade social. A compra pode ser feita sem licitação e os preços não devem ultrapassar o valor dos preços praticados nos mercados locais. Há um limite para o valor que pode ser acessado por cada agricultor.

Em 2009, a Lei 11.947 estabeleceu que 30% da verba repassada pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) a estados, municípios e escolas federais deve ser investido na compra direta de produtos da agricultura familiar. De acordo Graciella Corcioli, o PAA e o PNAE são os dois principais mecanismos para comercialização dos produtos da agricultura familiar. “Mas esses canais ainda são bastante pequenos. O que o agricultor precisa alcançar é o mercado comum, como os supermercados”, destacou.

 

UFG presta assessoria aos agricultores familiares

Agricultura familiarProcessamento de alimentos agrega valor ao que é comercializado

Criado em 2008, o Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar (CECANE) da UFG, com sede na Faculdade de Nutrição, presta assessoria para a qualificação e execução do PNAE nos municípios goianos. Uma das ações do projeto é voltada à capacitação de agricultores familiares para participarem dos processos de comercialização por meio do PNAE.

O Cecane também tem desenvolvido ações com foco na economia solidária, com iniciativas que visam a inclusão dos pequenos produtores, auxiliando na regularização dos produtos de acordo com as normas da Vigilância Sanitária. O Cecane também é responsável pela realização da Feira Agroecológica da Fanut e colabora com a Feira Agroecológica da Reitoria da UFG.

A possibilidade de processar os alimentos agrega valor ao que é comercializado pelos agricultores familiares. Em dezembro de 2018, os organizadores da Agro Centro-Oeste Familiar promoveram uma oficina sobre fabricação de picles, voltada para esse público. Também com foco na segurança dos processos de produção, a Acof promoveu uma oficina sobre boas práticas na cozinha para os expositores que vão comercializar alimentos no evento.

De acordo com a coordenadora do CECANE-UFG, Veruska Prado Alexandre, para muitos agricultores goianos, participar do PAA foi uma espécie de estágio para acessar o PNAE. O PAA tem um processo menos burocrático e exigente do que o PNAE. "Alguns grupos de agricultores que nunca haviam acessado o mercado para além da feira local, primeiro acessavam o PAA e aprendiam como proceder com o processo de entrega. Eles aprendiam como se responsabilizar por coisas que colocavam no papel e, depois disso, sentiam-se mais aptos a tentar a chamada pública do PNAE”, afirmou.

Geração de renda

Documentário retrata os resultados do projeto de extensão da UFG (Produzido pela Fundação RTVE)

Também com o objetivo de ajudar agricultores familiares a garantirem a geração de renda, um projeto de extensão da UFG desenvolve tecnologias sociais que auxiliam o agricultor a tomar decisões sobre em quais editais concorrer e, assim, reduzir o custo para entrega dos produtos. O projeto "Formação quanto às exigências sanitárias e de gestão da qualidade na produção de alimentos para pequenos produtores rurais" é coordenado pelo professor Maico Roriz, da Faculdade de Ciências e Tecnologias da UFG.

Assim como o trabalho do Cecane-UFG, a iniciativa é pautada pela economia solidária, que segundo o professor, é uma outra forma de produzir e comercializar, em que o foco não está no capital, mas na dignidade das pessoas envolvidas no processo produtivo. 

Apesar dos esforços das organizações que atuam no setor, a coordenadora do CECANE-UFG, Veruska Prado Alexandre destacou que os agricultores em Goiás praticamente não conseguem mais acessar o PAA. O orçamento para o programa foi cortado quando o governo federal reduziu, em 2018, os recursos voltados para a segurança alimentar, a reforma agrária e o fortalecimento da agricultura familiar.

 

Agricultura familiar e combate à fome

O Programa Conexões, da TV UFG, conversou sobre o tema com a nutricionista Ariandeny Furtado, do Instituto Federal de Goiás (IFG), e a coordenadora nacional do Movimento Camponês Popular (MCP). Segundo Ariandeny, os avanços que o Brasil conquistou no que diz respeito à soberania e segurança alimentar nos últimos anos estão sofrendo um desmonte. Ela citou como exemplo a extinção, no início de 2019, do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea).

De acordo com a nutricionista, essas ações podem levar o País a voltar para o mapa da fome, do qual saiu em 2014. Segundo a coordenadora nacional do MCP, as medidas também vão afetar quem vive na cidade. “Sem essas políticas, de fato, a gente vai ter um empobrecimento muito grande no campo. Uma redução da produção de alimentos, o que também vai aumentar o preço para quem está na cidade”, explicou.

 

Agro Centro-Oeste Familiar busca soluções para o setor

Apesar do cenário de desmonte das políticas públicas para a agricultura familiar, o coordenador da Agro Centro-Oeste Familiar (Acof), professor Gabriel Medina, da Escola de Agronomia da UFG, está otimista em relação às possibilidades que o evento apresenta para solucionar os problemas atuais do setor. Segundo Medina, com o recuo do governo federal, é preciso debater como o governo estadual pode atuar. “Acho que o ponto principal da Acof vai ser: a gente fala muito do governo federal. Mas e o governo estadual? Não foi prioridade no último governo estadual e a gente precisa que esse governo acene”, afirmou.

Parceiro da Agro Centro-Oeste, o Cecane vai realizar um encontro com o objetivo de preparar o projeto de criação de um PAA estadual. Junto com o Sebrae, o Cecane também vai promover uma rodada de negócios com foco no PNAE e no PAA. “Convidamos os gestores dos municípios e o pessoal das escolas federais para conhecerem os agricultores e saberem que existem esses produtos e que eles podem ser comercializados pelo por meio do Programa”, explicou a nutricionista Marília Bohnen de Barros, do Cecane.

Evento tem recorde de participações em 2019

Em sua 17ª edição, a Agro Centro-Oeste Familiar 2019 ocorre entre os dias 29 de maio e 01 de junho, no Câmpus Samambaia da Universidade Federal de Goiás (UFG). A feira, que se consolidou como o maior evento da agricultura familiar no centro-oeste brasileiro, tem um número recorde de participantes neste ano. No total, 86 expositores estarão comercializando produtos nos estandes de economia solidária e na praça de alimentação.

Agricultura familiar

Além da feira, nos quatro dias de evento ocorrem atividades paralelas organizadas pela UFG com uma série de parceiros. A programação conta com minicursos, atendimento à saúde para todos os visitantes, rodada de negócios, seminário científico, dia de campo sobre produção leiteira e horticultura e apresentações culturais. Uma das novidades deste ano é a rodada de negócios voltada para o Plano de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Pensando no grande número de produtores de leite na região, a organização da Agro Centro-Oeste vai promover inúmeras atividades sobre o setor. Outra novidade desta edição é o Prêmio Prefeito Amigo da Agricultura Familiar, que tem o objetivo de incentivar e dar visibilidade às ações das prefeituras em favor do desenvolvimento rural. O evento é aberto ao público e a programação completa está disponível no site da Agro Centro-Oeste Familiar 2019.

 

 

Fonte: Secom UFG, Rádio Universitária, TV UFG

Categorias: Ciências Naturais Especial