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Universidade Federal de Goiás
Krerley

Matemática: uma ciência estratégica para o bem-estar

Em 27/09/17 10:20. Atualizada em 27/09/17 15:40.

Palestrante de abertura do Conpeex, professor da Universidade Federal de Alagoas, Krerley Oliveira, conversou com o Jornal UFG

Krerley

Texto: Angélica Queiroz

Foto: Rita Moura

O tema do 14º Congresso de Pesquisa, Ensi- no e Extensão da UFG (Conpeex) e da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia é “A matemática está em tudo”. A escolha baseia-se no fato de que dois dos maiores eventos com esse tema acontecerão no Brasil nos próximos anos: a Olimpíada Internacional de Matemática e o Congresso Internacional de Matemáticos. Juntos, eles formam o Biênio da Matemática 2017-2018. Às vésperas de vir à UFG proferir a palestra de abertura do Conpeex, o professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Krerley Oliveira, conversou com o Jornal  UFG.

Qual a importância da escolha desse  tema?

Cada vez mais, a matemática e suas aplicações estão presentes em nossa vida cotidiana. Infelizmente, com frequência não percebemos que estamos utilizando a matemática e deixamos de aproveitar sua beleza. Seja quando queremos ouvir nossa música preferida no MP3 do carro ou quando estamos perdidos e recorremos ao GPS de nosso celular, há uma bela porção de matemática sendo aplicada. Em viagens de avião, criação de porcos, combate ao crime, reconhecimento de faces, redes sociais, tratamento de câncer, gestão de trânsito, combate à sonegação fiscal, até mesmo no namoro quando você usa aplicativos como Tinder, o uso do conhecimento matemático traz vantagens importantes. Boa parte da eficiência da sociedade moderna depende da gestão de recursos e processos complexos e a matemática é a ferramenta certa para isso. Mas não basta difundir e usar a matemática nos meios acadêmicos, industriais e tecnológicos, é necessário apresentá-la à população, para  que  todas as gerações possam apreciar e cultivar o desenvolvimento dessa ciência, que é estratégica para o bem-estar social. Ao desenvolver esse tema temos uma grande oportunidade de apresentar à sociedade partes da matemática, bem como a sua importância e beleza. 

O que significa para o Brasil sediar o Congresso Internacional de Matemáticos?

O Congresso Internacional de Matemáticos é o mais importante evento da matemática mundial. Ele acontece desde 1897, tendo grande influência no desenvolvimento da matemática nos séculos 20 e 21. Pela primeira vez na história, esse evento ocorrerá em um país do Hemisfério Sul. Para o Brasil, isso significa o reconhecimento de um sólido trabalho desenvolvido há mais de 70 anos por gerações de grandes matemáticos brasileiros, liderados pelo Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, (IMPA) e da qualidade do nível da pesquisa na área da matemática desenvolvida em nossas fronteiras. Nesse congresso são distribuídos os principais prêmios da área, inclusive o mais prestigioso deles, chamado de “Medalha Fields”.

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Qual o papel das Olimpíadas de Matemática para a população e para a escola?

As minhas participações nas olimpíadas me trouxeram oportunidades para conhecer e desenvolver o gosto por uma matemática interessante, em que a criatividade é bastante valorizada. Além disso, tive o privilégio de interagir com os melhores alunos de minha geração, que compartilhavam o mesmo gosto e prazer em estudar matemática. Creio que isso me influenciou a devolver um pouco os ensinamentos que recebi quando era estudante aos alunos de meu estado. É um privilégio poder ensinar aos jovens alunos que participam dos nossos treinamentos, uma vez que tenho a oportunidade de renovar a fascinação, o prazer, e contemplar a beleza que conheci um dia quando comecei a estudar a matemática. Para a população em geral, as olimpíadas têm um importante papel no estímulo ao estudo. É uma oportunidade de desafiar os alunos que querem ir além e oferecer algo mais, que muitas escolas não oferecem, mesmo não ganhando prêmios ou honraria. Isso ajuda a aumentar a autoestima e o interesse desses alunos e os prepara para outros desafios em matemática ou em qualquer outra área, criando um clima muito positivo de crescimento mútuo baseado no esforço diligente.

Há muito preconceito com relação à matemática no Brasil. O que é preciso para mudar esse quadro?

Quando tratamos da matemática, há várias faces do mesmo prisma. Penso rapidamente em três delas:  pesquisa,  aplicações  no  setor  produtivo   e ensino básico. Na pesquisa, evoluímos sensivelmente nos últimos 30 anos. Há um número crescente  de  ótimos  pesquisadores  formados  no Brasil, atuando no país e no exterior. Recentemente, o professor Marcelo Viana, do IMPA, recebeu o maior prêmio científico da França, o Gran Prix Scientifique Louis D., outorgado pela Academia Francesa de Ciências. Isso  exemplifica o nível da matemática nacional, que hoje se equipara a países como a Austrália, Suécia, Suíça, Holanda e Coreia do Sul, segundo a classificação da União Internacional de Matemáticos. Contudo, há um corte de recursos sem precedentes para a pesquisa científica no país, que coloca em risco todo o trabalho e resultados que gerações se comprometeram a construir. Não podemos deixar que isso aconteça. No setor produtivo, há uma grande oportunidade sendo perdida. Enquanto países desenvolvidos utilizam massivamente conhecimentos matemáticos para garantir a eficiência dos processos e produtos, no Brasil não  há ainda uma cultura empresarial e informação quanto aos retornos financeiro e social massivos que a aplicação da matemática proporciona. Cito dois estudos recentes para ilustrar esse fato, ambos desenvolvidos pela empresa de consultoria Delloite. Neles, foi constatado que mais de 10%  do PIB do Reino Unido e da França são produzidos por setores que utilizam a matemática de modo intensivo. Mesmo no setor público, não  há uso de matemáticos para resolver ou mitigar problemas importantes do nosso cotidiano. Isso precisa mudar urgentemente. A face mais importante e difícil de atacar é a que envolve a melhoria da matemática oferecida em nosso ensino básico. Não há fórmulas mágicas que resolvam o problema em poucos anos. É necessário um pacto social e um plano de estado de longo prazo. Dito isso, creio que estamos avançando, especialmente nos últimos 10 anos. Contudo, precisamos ir mais rapidamente, pois estamos muito atrás dos países desenvolvidos, os quais são nossos concorrentes no palco mundial. Creio que o principal ponto que precisa ser abordado é valorizar, preparar e oferecer condições aos professores. É utópico pedir para um professor mal remunerado, que mesmo trabalhando 50 horas em sala de aula por semana, não consegue manter dignamente sua família, que ofereça aulas bem-preparadas e com o mais moderno conhecimento. Mas nem tudo se resume ao baixo salário. As condições em sala de aula, a falta de educação familiar e do comprometimento dos pais, a gestão precária das escolas, entre outros, desestimulam até mesmo os professores mais idealistas.

Como surgiu seu interesse pela matemática?

Creio que o ambiente em que fui criado permitiu que meu interesse pelo questionamento e argumentação aflorasse. Meus pais sempre tiveram um diálogo franco e aberto conosco e, para convencê-los de qualquer coisa, era necessário usar a lógica e a argumentação. Na escola sempre fui um bom aluno, talvez não ideal, pois nunca gostei de fazer dever de casa! Mas adorava as aulas e aprender era sempre um prazer para mim. A minha decisão de ser um matemático profissional foi tomada já no começo do treinamento para olimpíadas. Naquele momento, não pensava nas questões práticas, como salário. Foi uma alegria para mim descobrir que poderia ter uma boa remuneração como matemático profissional e o fato de que a carreira é uma das mais cobiçadas no mundo.

 

Fonte: Ascom UFG

Categorias: Entrevista edição 91