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Universidade Federal de Goiás
Retranca Entrevista Enrique

Transitar pelo global sem perder a identidade

Em 30/08/18 12:21.

Diretor da Escuela Normal Bilíngue de Oaxaca, no México, fala sobre a importância da formação intercultural para a preservação da cultura dos povos originários

Luiz Felipe Fernandes

Há dez anos, professores e pesquisadores de países latino-americanos, incluindo o Brasil, decidiram criar a Rede de Formadores em Educação Intercultural da América Latina (RedFeial). A iniciativa tomada por alguns setores da academia veio para preservar e valorizar saberes locais, sobretudo dos povos indígenas, em detrimento da homogeneização cultural.

Além da formação intercultural e das pesquisas empreendidas na área, a rede tem criado um intercâmbio de estudantes e professores entre esses países. No início de agosto deste ano, professores indígenas mexicanos estiveram na Universidade Federal de Goiás (UFG) e realizaram oficinas, palestras e atividades culturais no Museu Antropológico. Um dos palestrantes – o diretor da Escuela Normal Bilíngue Intercultural de Oaxaca, Enrique Francisco Antonio – falou ao Jornal UFG sobre a experiência do México nessa formação e a necessidade de preservar as identidades locais.

Entrevista Enrique

Professor mexicano Enrique Francisco Antonio durante evento no Museu Antropológico da UFG (Luiz Felipe Fernandes)


O que é a Rede de Formadores em Educação Intercultural da América Latina (RedFeial) e com que objetivos ela foi criada?

Pensamos a Rede de Formadores em Educação Intercultural há dez anos. Iniciamos com Oaxaca, no México, e depois, pouco a pouco, fomos abrindo novas fronteiras com outros países, como a Guatemala e a Colômbia, que têm um tipo de especialidade que tem a ver com o pensamento decolonial, com outra forma de entender o mundo, a partir da racionalidade dos povos originários. Toda essa rede teve origem na Universidad Nacional Autónoma de México, particularmente na pós-graduação de Pedagogia, em uma linha de pesquisa sobre diversidade cultural e linguística. A partir daí, foi incorporada a Universidad Pedagógica Nacional Ajusco, da Cidade do México, que também trabalha com estudantes indígenas na escola bilíngue, de onde eu vim. Atualmente, eu sou o diretor da Escuela Normal Bilíngue Intercultural de Oaxaca, onde temos 16 línguas indígenas e estamos formando indígenas professores que vão trabalhar nas comunidades originárias. Pouco a pouco, fomos abrindo o cenário e começamos a ter relação e vínculo com a Universidade Federal de Goiás, por meio da professora Rosani [Moreira Leitão, antropóloga do Museu Antropológico da UFG]. Acreditamos que na América Latina há muitos povos originários, para os quais não foi dada importância. Nos povos originários há muito saber, muito conhecimento que não está documentado, que não está escrito. Nós, formadores, não o somos apenas no espaço institucional. Nos falta ir a campo, nos falta fazer pesquisas, documentá-las, analisá-las e convertê-las em material didático. Então, uma das grandes finalidades da RedFeial é proporcionar às sociedades indígenas uma educação que fortaleça a formação inicial dos professores indígenas desde a licenciatura, especializações, pós-graduações, mestrados, doutorados, instâncias pós-doutorais, e que permita fortalecer o âmbito da educação indígena não somente no México, mas em toda a América Latina, criando redes de colaboração e instâncias de investigação entre as diferentes instituições de educação superior que se dedicam a formar professores no meio indígena com foco intercultural bilíngue.

Como foi a experiência de implantação da formação intercultural em Oaxaca?

O estado nacional mexicano criou uma política educativa de integração, de incorporação dos povos originários e de homogeneização da cultura, da língua e da educação, para invisibilizar os povos. A escola bilíngue intercultural foi criada para castelhanizar os povos indígenas, não para preservar suas línguas, mas sim para ter uma só língua franca: o espanhol. A partir desse novo olhar, dessa nova reconceitualização da educação, em Oaxaca propusemos uma educação para os povos originários e dos povos originários. Tem sido uma luta política, ideológica, educativa e de resistência. Não tem sido fácil, porque a Constituição mexicana fala de uma educação plural, diversa, mas é letra morta. Na prática, há muito pouco apoio para a educação bilíngue intercultural. Estamos criando um espaço de resistência acadêmica para dizer que os povos originários têm conhecimento, têm valores e que é necessário transmiti-los para as novas gerações. Tem sido uma luta ideológica e política muito forte. No caso de Oaxaca, o movimento sindical dos professores de todo o estado tem lutado contra o governo. A escola bilíngue foi resultado de uma luta por um espaço de formação para os povos indígenas, para os estudantes indígenas.

Visita professores México

Crianças participam de oficina de alebrijes, animais fantásticos da cultura dos povos de Oaxaca (Luiz Felipe Fernandes)

Há semelhanças entre o México e o Brasil na implantação da educação intercultural?

É semelhante. Nessa terceira semana em que estamos aqui, vi e escutei dos irmãos indígenas do Brasil que temos as mesmas preocupações, a mesma resistência e a mesma visão de mundo. Estamos tratando de resgatar os saberes e conhecimentos que estão se perdendo nas comunidades pela chegada do capitalismo, do imperialismo, pela economia global, pelos meios de comunicação. Estão contaminando vertiginosamente as comunidades indígenas. Começa a ter um espaço de resistência, não de negar o que vem de fora, mas de dizer “o meu também vale, o meu é importante”. No México, e também na Bolívia e no Peru, falamos em estabelecer um diálogo de saberes entre as culturas indígenas e outras que não são indígenas. Mas um diálogo não em simetria, mas em igualdade de circunstância. Não um que se sobreponha ao outro, porque todo conhecimento é valioso. O chamado conhecimento científico é tão valioso quanto o saber local.

Qual sua expectativa em relação a futuro desse processo de formação?

Sou um otimista, porque, agora que percorri um pouco e conheci a Colômbia, a Bolívia, três vezes aqui e inclusive fomos à Espanha, eu pude transitar no mundo global sem perder minha identidade. Trouxe minha identidade aqui, levei-a à China, à França, mas estou convencido de quem sou. Hoje dizem que temos de ser cidadãos do mundo. Mas ser cidadão do mundo implica perder a própria essência, o que não é bom. Vou ao mundo com a minha identidade. Sou otimista porque a formação contínua é muito importante. Temos de despertar consciência, decolonizar o pensamento para olhar primeiro a nós próprios, porque valemos muito, e dizer ao outro que nós também valemos.

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Fonte: Secom/UFG

Categorias: entrevista Edição 97