Experiências sensoriais estimulam aprendizagem de surdos
Olfato, tato, visão e paladar podem ser instrumentos da educação, destaca pesquisa da UFG
Gustavo Motta
O mês de setembro concentra datas importantes na luta da população surda pela inclusão social e pelo acesso a direitos básicos, como a Educação. Sendo assim, sob o nome Setembro Azul, o momento é pertinente à ampliação das discussões a respeito da inclusão de pessoas com deficiência auditiva nos espaços de fala, aprendizado e interação social. No contexto desse debate, uma pesquisa, do Programa de Pós-Graduação em Química da Universidade Federal de Goiás (PPGQ/UFG) foi desenvolvida com o objetivo de propor uma configuração pedagógica voltada às especificidades de estudantes com deficiência auditiva, nas salas de aula da educação básica.
Ocorrida em uma sala com nove alunos surdos, a investigação destacou a relevância de experiências sensoriais que privilegiam outros sentidos, além da audição, tais como o olfato, o tato, a visão e o paladar. Além de Intervenções Pedagógicas (IP) sensoriais, o levantamento evidenciou a importância do professor-intérprete no aprendizado desses jovens. A autora do estudo, Nislaine Caetano Silva Mendonça, faz parte do Laboratório de Pesquisas em Educação Química e Inclusão (Lpeqi/UFG), referência em pesquisas sobre o ensino das Ciências.
A pesquisadora buscou analisar o ensino de conceitos químicos, sob uma ótica inclusiva. Foram apresentadas noções sobre matéria, substância e mistura, entre outras, por meio de dinâmicas com recursos físicos e digitais. Nislaine Caetano reconhece que pensar o processo de ensino e aprendizagem em conjunto com esses indivíduos demanda, ao educador e à comunidade escolar, “conhecer e respeitar as diferenças de cada aluno, reconhecendo toda a sua cultura e formação, como sujeito”.
Intervenções
Entre as experiências sensoriais, estão atividades visuais sobre o conteúdo ministrado em sala (Arquivo Pessoal)
O Lpeqi/UFG mantém um convênio com a Associação de Surdos de Goiânia (ASG) desde 2007, o que proporcionou a condução do estudo com uma turma de 9° ano do Ensino Fundamental, formada por estudantes do Centro Especial Elysio Campos (CEEC), instituição inclusiva, gerida pela entidade civil com o auxílio da Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte (Seduce/GO). “A instituição é bilíngue, mas atende com prioridade a deficientes auditivos”, afirma a pesquisadora. O planejamento das intervenções pedagógicas (IP) ocorreu no primeiro semestre de 2014 e tinha como objetivo “mostrar que é possível o ensino da Química para surdos, por meio de uma configuração de sala que conte com um professor e um intérprete, sendo ambos da área de Ciências”.
As intervenções propõem a presença de dois profissionais em sala de aula e sugerem a exploração dos sentidos complementares à audição, com finalidade de contribuir para o processo de aprendizagem dos estudantes. “Essas abordagens foram criadas no sentido de apresentar uma alternativa para o ensino desses estudantes, ao privilegiar as abordagens visual, olfativa, gustativa e tátil”. Ao longo do segundo semestre de 2014, foram ministradas cinco aulas semanais, às segundas-feiras, sendo a primeira sobre a “origem da matéria”, com o uso de slides e vídeos. A segunda, por sua vez, tratou do conceito de “substância”, por meio do uso de frutas e compostos líquidos, com o fim de promover o aprendizado pelo tato e paladar.
Na sequência, foram abordados os conceitos de “substâncias simples e composta”, tratando da noção de “átomos” e “elementos químicos”. Os alunos montaram esquemas de composição das substâncias constituintes do ar, formados por bolas de isopor, ligadas ao teto por fios de nylon. Na semana seguinte, a quarta intervenção sensorial apresentou o conceito de “mistura”, e propôs atividades com água, areia, sal, açúcar e óleo, com o objetivo de fixar o conteúdo ministrado. A última etapa fez a revisão e consolidação dos conceitos expostos em sala de aula. Com as propostas pedagógicas, Nislaine destaca que os estudantes demonstraram uma assimilação positiva sobre os conceitos apresentados, manifestada pelo discurso escrito.
Desafios
“É um desafio lidar com algo novo, mas foi gratificante ver a reação favorável dos alunos, no entendimento das atividades e dos conteúdos”, comemora a pesquisadora. O estudo ainda problematiza as dificuldades de acesso das pessoas surdas ao ensino. “A faixa de idade dessa turma varia de 15 a 27 anos, o que se distancia da média etária recomendada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para essa fase, que corresponde a 14 anos”, destaca a pesquisa. Nislaine aponta, em seu estudo, que essa defasagem pode ter decorrido de vários fatores, como a “falta de acesso ao ensino inclusivo ou especializado; a dificuldade do aluno em acompanhar o ensino; e a falta de preparação ou formação do professor para englobar as necessidades dos alunos”.
Visto que todos os jovens foram alfabetizados em Língua Brasileira de Sinais (Libras), a presença de um intérprete demonstrou a relevância desse educador no processo de aprendizagem. Ao longo das aulas, Nislaine, mesmo sendo alfabetizada em Libras, contou com o auxílio de Aline Prado, então estudante do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática (PPGECM/UFG) e membro do Lpeqi. A pesquisa constatou que os alunos tinham dificuldades para se expressar em português escrito, o que evidencia dificuldades no acompanhamento do ensino. Ainda assim, a resposta de aprendizagem, via exercícios escritos, foi positiva. Juntamente com os textos dos alunos, a gravação das aulas em áudio e vídeo permitiu uma análise sobre a eficácia das abordagens pedagógicas.
Tanto Nislaine quanto Aline acreditam que ainda existe um sério entrave à educação de surdos, que diz respeito ao desconhecimento do intérprete sobre gestos ou sinais específicos ao conteúdo ou disciplina que são ministrados. “Fica a cargo do intérprete aproximar o contexto do conceito, para auxiliar no entendimento do aluno surdo”, pontua a pesquisadora. Ademais, Aline adiciona, com base em sua experiência: “Os próprios conceitos da Química, apresentados em sala ao longo da investigação, podem ser desconhecidos do intérprete, visto que os conhecimentos específicos apresentam uma linguagem própria”.
Formação
Apesar dos entraves que ainda se apresentam na educação para surdos, a Lei nº 10.436/2002, regulamentada pelo Decreto n° 5.626/2005, inclui o ensino da Libras no currículo obrigatório dos cursos para a formação de educadores. No entanto, Nislaine conta que não teve nenhum preparo específico em sua primeira graduação, durante a licenciatura em Biologia, cursada em uma instituição privada, e concluída em 2008. Anos depois, ao se formar como educadora em Química, pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG), com conclusão em 2015, a pesquisadora teve acesso à disciplina específica em Libras.
A coordenadora do curso de licenciatura de Letras-Libras da UFG, professora Claudney Maria de Oliveira, destacou que “a Instituição tem buscado atender, de modo democrático e igualitário, a comunidade acadêmica surda”. Nesse contexto, Claudney conta que “desde 2009, tem-se realizado, periodicamente, um curso de Libras para os servidores técnico-administrativos e docentes da Universidade”. Na atualidade, a Faculdade de Letras (FL/UFG) conta com 38 estudantes e sete professores surdos. A unidade é responsável por oferecer o curso de graduação, com foco na formação de professores da Língua. Com o objetivo de estender as atividades aos estudantes de outras formações, a coordenadora conta que são oferecidas, periodicamente, oficinas de Libras e disponibilizadas vagas de Núcleo Livre para a disciplina de Introdução à Língua Brasileira de Sinais (Libras), obrigatória nas formações em licenciatura.
Fonte: Secom/UFG
Categorias: Inclusão Edição 98 Humanidades