A busca pelo bem-estar se tornou anseio pessoal e científico
Espiritualidade e autocuidado direcionaram as pesquisas da professora Juliana Pulsena, que também criou projetos de extensão que visam a saúde da comunidade acadêmica
Juliana Pulsena Cunha*
Ainda me recordo, como se fosse hoje, da alegria de receber o resultado da minha aprovação no concurso para professora adjunta da UFG, em março de 2008. Minha vinda para Goiânia depois de 17 anos trilhando meus caminhos em Brasília, local onde me graduei e doutorei, causou grandes impactos. Morar em Goiânia me trazia às origens. Mineira de Araguari, sentia-me em casa com a forma acolhedora que o goianiense tem de nos receber. Lembro-me da figura segura e confortadora da professora Márcia Clark Reis que em muitos momentos me acolhia com palavras de conforto e compreensão ante os desafios daqueles meses iniciais. Quando aqui cheguei, eu tinha muitos projetos engavetados que eu queria colocar em prática. Alguns deles foram logo descartados e outros eu tive receio em apresentar, pela característica ousada.
Em Goiânia, fiquei com minha filha, sem nenhum familiar para apoiar naqueles momentos em que os desafios passam a ser “normalidade” e não eventualidade. Mas, algo me dizia: “sempre em frente”. E, então, eu ia. Quando recobrava o fôlego ante as adversidades, eu voltava a acreditar que haveria um espaço, algo que me daria o curso e justificasse tantas mudanças. Em 2011, eu resolvi desengavetar uma proposta que havia sido ridicularizada em uma outra instituição de ensino em que trabalhei. Um friozinho na barriga quis surgir, mas uma voz dizia: “dez anos se passaram, muita coisa mudou...pode ser a hora de você colocar em prática esse desejo”! Movida por esse “auto-apoio”, segui em frente. Ao finalizar a proposta, sentia-me forte e motivada. Então, fui dar os encaminhamentos para passar na reunião do Conselho de Direção (CD) e seguir para o Comitê de Ética na Pesquisa (CEP).
O projeto se intitulava: “A influência da religiosidade/espiritualidade no estado nutricional e imunológico de adolescentes acima do peso”. Apesar dos entreolhares durante a aprovação do projeto no CD e alguns questionamentos sobre a plausibilidade científica dele, ele fora aprovado. Ufa, primeira etapa cumprida! Mas, como nem tudo são flores, ao ser submetido ao Comitê de Ética na Pesquisa, foram seis correções e, ao final de um ano e dois meses, eu conseguira todo o respaldo que precisava para tornar minha pesquisa uma realidade. Em março de 2012 eu iniciei as coletas. O trabalho teve uma repercussão maravilhosa dentro do HC, mas também atraía muitos desafetos. Fui acolhida e agraciada por muitas mães, mas também rechaçada por outras tantas que não aceitavam. Lidar com religiosidade é sempre muito delicado. O projeto gerou muitos dados e durou até 2015, com duas apresentações em congresso, sendo uma delas premiada em 2013, em Maceió.
Em 2014, eu comecei a fazer parte de uma triste estatística da UFG e da maioria das universidades federais: o comprometimento da minha Saúde Mental. O trabalho já não era mais tão prazeroso, nem mesmo minha casa, os colegas... E tudo foi ficando ofuscado pelo fantasma da depressão, síndrome de Burnout. Entre medicamentos e terapias, eu não quis me afastar do trabalho e achei que daria conta, e até mesmo tinha certeza de que, se eu me afastasse,estaria assinando meu atestado de incompetência. Afinal, se todos estavam ali, sob as mesmas condições, porque eu não estava dando conta? Entre olhares e acusações veladas por aqueles com os quais eu trabalhava, eu ia me sentindo cada vez mais acuada e incapaz.
Iniciativas de autocuidado e práticas integrativas são incentivadas pela Universidade
Em 2015, eu resolvi buscar algo a mais, além dos medicamentos e das terapias, sem desqualificar de forma alguma tais tratamentos, até porque foram eles que me deram o respiro para poder sair e tentar algo além. Comecei a buscar práticas que pudessem respaldar ainda meus anseios científicos, mas que, no fundo, também pudessem me resgatar. Eu precisava retomar minhas atividades produtivas e, sob esse pretexto, comecei a buscar Práticas Integrativas, que não eram ainda regulamentadas, para “estudar” e associar com os estudos prévios em nutrição. Assisti a uma palestra sobre Práticas Meditativas e aquilo me tocara profundamente. Associado ao tema, vinha a física quântica dando respaldo científico, e o desenrolar das ideias fluía e ao mesmo tempo que eu estudava eu começava a praticar. Eu percebia que eu usava o trabalho como justificativa, mas, na verdade, eu sabia que estava encontrando o que eu, como ser, procurava: o autocuidado.
Ao conseguir ressurgir depois de um longo período de sofrimento, mais um projeto foi desenhado com parcerias importantes: O efeito da autointenção no consumo alimentar, medidas antropométricas e imagem corporal. E desta vez, em apenas três meses tivemos a aprovação no CEP. A pesquisa virou dissertação de mestrado da estudante Marília Bohnem, orientada pela professora Patrícia Botelho Borges e co-orientada por mim. Mas isso não bastava. Eu experimentava um bem-estar, uma alegria sem causa que eu precisava compartilhar. Eu precisava contar para as pessoas que havia uma alternativa quando a gente chega ao fundo do poço. Mas, é algo que se precisa experimentar na prática. Os livros e a mente não são capazes de retratar na íntegra tudo o que é possível vivenciar. Então, em agosto de 2017, eu comecei uma peregrinação por toda a UFG, conhecendo pessoas que trabalhavam e se interessavam pela saúde mental.
A cada encontro, uma alegria quando eu expunha minhas ideias de projeto. E foram muitos os encontros: Direção da Faculdade de Enfermagem (FEN), da Faculdade de Nutrição (Fanut), Comissão Interna de Saúde do Servidor da Fanut, Projeto Saudavelmente, DDRH que agora é a DAD (Diretoria de Acompanhamento e Desenvolvimento de Pessoas), Sindicato dos Docentes das Universidades Federais de Goiás (ADUFG), Faculdade de Letras, Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública (IPTSP), Procom, que é a atual PRAE (Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis) e Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (Proec). Todos falavam e desejavam a mesma coisa. E depois de compilar e refletir sobre todos os ricos encontros, surgiu o projeto de extensão: Saúde Mental é Saúde Integral!
Magicamente, 2018 recebeu essa proposta de braços abertos. Hoje, a Universidade reconhece e valoriza ações como essa. O projeto conta com todos os parceiros que foram visitados e decidiram apoiar. Formamos uma rede de ajuda mútua que possibilita estudantes, servidores e terceirizados a explorarem um mundo que era totalmente inacessível na academia. Sou grata à Universidade, que hoje acolhe essa causa como prioridade, e mais grata ainda em poder testemunhar os sorrisos, fruto das ações do projeto que, de porta em porta, oferece a todos que desejam, cinco minutos de autocuidado e, mensalmente, propicia várias vivências de ferramentas como Meditação, Reiki, Yoga, Constelação familiar, Dança Circular e outras Práticas Integrativas. Que essas pessoas possam experimentar e, quem sabe, começar a escolher alguma Prática Integrativa como uma nova forma de se relacionar com a vida. As situações adversas? Essas continuam! O que mudou foi a forma como me relaciono com elas.
* Professora da Faculdade de Nutrição (Fanut) da UFG
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