Nos bastidores do Museu Antropológico
Prestes a completar 50 anos, o Museu Antropológico quer ampliar suas estratégias de comunicação com a sociedade
Michele Martins
O Museu Antropológico (MA) está prestes a comemorar 50 anos, em 2019. Ele é uma das instituições de referência em pesquisa nas áreas de Etnologia, Antropologia e Arqueologia em Goiás. Atualmente, o órgão da UFG possui cerca de 6.000 objetos etnográficos, mais de 150.000 peças arqueológicas, fotográficas, vídeos e outros documentos. O Museu realiza exposições itinerantes, temporárias e de longa duração que visam à propagação do conhecimento antropológico e arqueológico. Agora, com a nova gestão, o Museu assumiu como desafio aproximar-se da sociedade.
A principal atração do Museu Antropológico são suas exposições. A exposição de longa duração Lavras e Louvores, montada desde 2006, apresenta uma narrativa sobre o território e a identidade da população que vive no Planalto Central brasileiro. Mas exposições temporárias como a que foi produzida pelos estudantes do curso de Museologia: É verdade? Uma expo-reflexão sobre fake news, apresentada somente em julho deste ano, e a exposição bilíngue (karajá/português) Rio Araguaia: lugar de memórias e identidades, que ficará disponível até 14 de dezembro de 2018, têm agradado a população. De janeiro a outubro de 2018, essas exposições receberam a visitação de mais de 9.700 pessoas, em diferentes circunstâncias, como visitantes espontâneos, participantes de eventos promovidos pelo museu e, principalmente, por agendamento escolar. Contudo, ainda é um número tímido e a nova gestão quer aumentá-lo.
Exposição Lavras e Louvores está montada desde 2006 e apresenta uma narrativa sobre o Planalto Central
De acordo com o vice-diretor do MA, Diego Mendes, o plano de comunicação, elaborado em parceria com a Faculdade de Informação e Comunicação (FIC-UFG), será adotado ainda este ano. “Um dos principais desafios da nova gestão, que assumiu no início de 2018, será ampliar o canal de comunicação com a sociedade”, informou. De fato a população goiana tem se aproximado mais do museu por meio de projetos como o Cinema no Museu, sessões de filmes seguidas por debates sobre o tema apresentado. “Em 2018 fizemos, até o momento, 37 sessões com um público de 735 pessoas, média de quase 20 pessoas por sessão”, registrou o coordenador de ações educativas, Adelino Adilson de Carvalho. Outros eventos de destaque foram a Batalha do Museu, que em julho promoveu a ocupação urbana por meio de artistas e comunidade ligados ao rap, do hip-hop e da poesia; e o lançamento do aplicativo para smartphone, o APP M.A., que oferece informações sobre agenda de eventos e horários do Museu Antropológico.
Primeira visita
Para muitas pessoas, a primeira experiência em um museu é na infância, quando a escola programa uma visita à alguma instituição. O Museu Antropológico recebe diariamente grupos escolares e possui ações educativas específicas para estes grupos. Para a museóloga Karla Kamylla Passos, “eles chegam com uma visão de que só tem coisa antiga e temos de desconstruir isso ao longo da visitação. É uma experiência rica para eles, mas muito mais rica para nós trabalhadores, especialmente quando grupos indígenas nos visitam. Falamos muito sobre diversidade e respeito, por isso é muito especial!”, declarou a museóloga.
Estudantes do ensino básico expressando suas percepções após a visita ao museu
O professor de Geografia da Escola Municipal D Angelina Pucci Limongi, em Goiânia, Donizete Soares da Silva, considera muito abstrato trabalhar o conceito de territórios brasileiros e de identidades em sala de aula. Por isso, ele optou por uma atividade extraclasse. “Muitas vezes o currículo nas escolas é muito engessado, até mesmo por falta de condições e recursos pedagógicos. Aqui eles podem testemunhar como as identidades foram sendo construídas. Em uma das vitrines expostas, um aluno conseguiu identificar lembranças de conversas em família. São oportunidades assim que oferecem aos alunos conteúdos que não estão na grade curricular”, nos contou Donizete Soares.
Já o estudante de Biotecnologia, Bruno Laurent de Souza, resolveu conhecer o Museu Antropológico sozinho e disse ter ficado surpreso com a beleza das peças expostas. “Eu me deparei com duas exposições, uma sobre o Rio Araguaia e esta sobre cultura e identidade indígena. Não imaginava que seria tão interessante assim, principalmente pela arte indígena. Vi um vídeo que mostrava uma senhora indígena e ela falava da dificuldade de manusear o barro para fazer as bonecas. A gente não tem noção dessa realidade! O Museu nos ajuda a enxergar a realidade que não se vê. Isso é muito bacana!”, contou entusiasmado.
Troca de saberes
Atualmente, grupos indígenas estão muito presentes no dia a dia do Museu, não só como meros personagens ou “objetos” de estudos. Em muitas ocasiões, eles são convidados a participarem das discussões que envolvem as pesquisas sobre os povos indígenas. Em agosto, a equipe profissional do Museu Antropológico colaborou com a formação dos professores indígenas, estudantes do curso de Licenciatura em Educação Intercultural, oferecido pelo Núcleo Takinahaky da UFG. Foi promovido o acesso desse grupo aos espaços educativos especializados, como as reservas técnicas, os laboratórios e as exposições. Em setembro deste ano, o MA apresentou à comunidade acadêmica e à representantes do povo Karajá o resultado do projeto Bonecas de cerâmica Karajá como patrimônio cultural do Brasil: contribuições para sua salvaguarda, sob coordenação da professora Nei Clara de Lima e da antropóloga Rosani Moreira Leitão.
Desde a sua criação o Museu Antropológico esteve ligado ao desenvolvimento de pesquisas, por este motivo ele está subordinado à Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação da UFG. Diversas pesquisas relacionadas à conservação de acervos, reestruturação de reserva técnica, recuperação de memórias e identidades, entre outras, estão em andamento no Museu.
A excelência técnica lhe rendeu o reconhecimento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como a única instituição museológica em Goiás considerada apta a conceder endosso arqueológico, em razão de suas adequadas condições de conservação e salvaguarda da reserva técnica. Esse endosso é “um requisito necessário para a aprovação de qualquer projeto de pesquisa arqueológica que preveja intervenções em campo, seja no âmbito acadêmico ou no licenciamento ambiental”, de acordo com o Iphan.
Coleção de documentos do primeiro sítio arqueológico de Goiás, de 1972
Pesquisas
Sob a coordenação da professora da UFG Camila Azevedo de Moraes Wichers, está sendo desenvolvido o projeto sobre as identidades e as memórias de povos que vivem próximos ao Rio Araguaia. Centrado na análise arqueológica e etnográfica de comunidades do município de Aruanã e, em especial, do povo Karajá, que possuem no rio Araguaia um lugar de significados. Esse trabalho já resultou na exposição Rio Araguaia: lugar de memórias e identidades. A pesquisa tem revelado os vestígios materiais importantes sobre os povos ribeirinhos e identificado potenciais sítios arqueológicos.
Parcerias em pesquisas com outras instituições nacionais e internacionais são comuns no MA também. Como no caso da pesquisa que a equipe de arqueologia do Museu realizou no âmbito do projeto Pré-História e Paleoambiente na Região do Pantanal, que integra o Museu Nacional de História Natural de Paris, o Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (USP).
Outro projeto em andamento no MA é intitulado Gestão do acervo documental de Ewald Janssen: restauração, difusão e circulação patrimonial. Esse acervo, que foi doado ao Museu em 1997, é composto por 800 projetos e mapas, além de 1.450 documentos, distribuídos entre fotografias, cadernos, cadernetas e folhas avulsas sem identificação. Foi produzido ao longo do período de atuação de Janssen como projetista e idealizador de bairros e traçados urbanos de Goiânia. Ele também trabalhou em outras cidades de Goiás, como Abadia, Alvorada do Norte, Anápolis, Aparecida de Goiânia, Araguaína, Catalão, Inhumas, Itumbiara, Jaraguá, Jussara, Luziânia, Morrinhos, Nerópolis, Palmelo, Quirinópolis, Rio Quente, Rubiataba, Senador Canedo e Trindade. Todo o acervo data das décadas de 1940 a 1970.
De acordo com descrição do MA, o projeto consiste em recuperar a integridade física dos documentos a fim de promover o restauro, o acesso, a difusão e a circulação do acervo e de suas possibilidades de pesquisa ao público. “Este projeto foi contemplado pelo edital de estímulo ao restauro em 2016 e recebeu recursos financeiros do Fundo de Arte e Cultura, da Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte de Goiás. Com isso foi possível equipar o Laboratório de Conservação e Restauro de Acervos em Papel (LaCRAP), que poderá atender outras demandas”, informou o vice-diretor do MA, Diego Mendes.
Esta pesquisa sobre o acervo documental de Ewald Janssem será o tema da próxima exposição temporária do MA. Os visitantes poderão conferir os registros da concepção urbanística em uma época em que Goiânia, em seus primeiros anos, já registrava acelerado crescimento e alargava a ocupação de seu território. A exposição já está em fase de montagem e sua abertura será no dia 06 de novembro, às 19 horas, no Hall de entrada do MA.
Investimentos
A situação de falta de investimentos públicos para suprir as demandas de trabalho e de gestão dos museus brasileiros não é exclusiva do MA. Assim como na maioria dos museus do país, essa é a realidade. O assunto foi bastante abordado pela mídia brasileira desde o incêndio que quase destruiu por completo o Museu Nacional no Rio de Janeiro, dia 2 de setembro deste ano, seguido pelo anúncio de extinção do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) pela Medida Provisória nº 850.
Desde o incêndio, o diretor do Museu Antropológico, Manuel Ferreira Lima Filho, prestou solidariedade e apoio aos colegas daquela instituição, parceira em pesquisas com a UFG. Ao lado do professor presidente do Movimento Internacional para uma Nova Museologia (Minom), Mário Chagas, o diretor do MA elaborou a carta na qual defendem a existência do Ibram. Esta carta foi direcionada aos congressistas brasileiros que votarão a aprovação ou não da medida provisória. Para o diretor do Museu Antropológico, os fatos anunciados pelo governo comprometem a autonomia universitária e representam uma política de privatização dos museus e das universidades. De acordo com o vice-diretor, Diego Mendes, os recursos que o Museu Antropológico possui para investir são provenientes de editais para captação de financiamentos de projetos. Além de impulsionar este posicionamento institucional por parte do MA, outra preocupação após o incêndio do Museu Nacional foi com a segurança do Museu Antropológico. “Estamos discutindo a retomada de um projeto de digitalização de todo o acervo”, lembrou Diego Mendes.
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