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Universidade Federal de Goiás
Andrea capa

Pesquisadora discute relação entre temporalidade e trabalho

Em 11/12/18 11:07. Atualizada em 08/02/19 11:09.

Professora argentina, Maria Andrea Delfino, debateu sobre ócio, vulnerabilidade social e as transformações no mundo laboral

Gustavo Motta

Maria Delfino

Com o objetivo de discutir as relações do mundo laboral, o tempo e o desemprego na vida das pessoas, o Núcleo de Estudos sobre o Trabalho da Faculdade de Ciências Sociais (Nest/FCS) convidou a professora e pesquisadora argentina Maria Andrea Delfino (Universidad Nacional de Litoral ⎼ Argentina) para conduzir atividades voltadas à temporalidade e ao trabalho. A acadêmica veio ao Brasil por meio de um vínculo que a instituição argentina mantém com a Universidade Federal de Goiás (UFG), mantido sob a Associação de Universidades do Grupo Montevideo ⎼ entidade que promove o intercâmbio e a troca de ideias e experiências entre alunos, professores e pesquisadores

A área de atuação da pesquisadora está vinculada à relação entre o mundo do trabalho e temporalidades sociais. Em conversa com o Jornal UFG, Maria Andrea Delfino comentou sobre o seu campo de estudos, o desemprego, a assistência social e as mudanças no tempo que são provocadas pelas transformações no mercado de trabalho. A pesquisadora ainda comentou a respeito de políticas públicas para o amparo aos desempregados e às pessoas em vulnerabilidade social.

Sobre quais temas a senhora tem se debruçado nos últimos anos?

As questões que eu discuto estão ligadas a três eixos de análise: trabalho, tempo e gênero. Eu me preocupo em estudar como esses três aspectos da vida podem ocasionar interpretações sobre as mudanças no mercado laboral. Estou no Brasil com o objetivo de abordar a questão do tempo e trabalho: sobre como as mudanças nos espaços de trabalho ocasionam mudanças no próprio tempo e na própria ocupação da pessoa.

O indivíduo está submetendo o seu tempo de vida ao trabalho?

Sim, com certeza! O trabalho, na verdade, impõe condições. Ele leva o indivíduo a se submeter, ou a se adaptar a determinadas condições, o tempo é apenas uma delas. Além da jornada ocupacional em si, ainda existe o tempo para se deslocar até o local de trabalho; e as tecnologias têm nos levado, ainda, a trabalhar fora do tempo fixo de ocupação.

Então, estamos em função do trabalho?

Esse tempo de trabalho tem tomado o tempo de vida das pessoas, aos poucos. As tecnologias ocupam, sem sombra de dúvidas, um espaço central nesse processo. Os trabalhos que são desenvolvidos no ambiente da casa, conectados por meio de tecnologias remotas, são um exemplo paradigmático disso.

Qual o contexto que origina essa mudança na percepção sobre o tempo, vinculada ao trabalho?

O contexto de transformações no mundo do trabalho ocorre, em especial, entre as décadas de 1970 e 1990. Nesse momento, mudanças nos regimes de acumulação, distribuição e regulação das atividades promovem uma mudança na percepção e no aproveitamento do tempo. O que acontece, nesse momento histórico, é a mudança de uma sociedade pautada em políticas de Bem-Estar Social para um modelo neoliberal. Contudo, fala-se muito em “Estado de Bem-Estar Social”, ou “Estado Neoliberal”, mas fala-se pouco da sociedade que sustenta esses princípios. Não é apenas o aparelho estatal que muda, a introdução de novas tecnologias e o ingresso das rotinas produtivas em um pós-fordismo são relevantes nesse contexto. Estamos em uma nova etapa nas relações do tempo com o trabalho, e ainda temos uma dificuldade para nomear esse momento.

Como uma observação da temporalidade desnuda o fenômeno da desocupação?

Creio que não se trata de uma pura observação do tempo. Trata-se de entender de que maneira o tempo nos permite perceber como o desemprego produz uma nova organização da vida cotidiana. De um lado, temos o tempo de trabalho e, do outro, o de ócio. Na Modernidade, se acreditava que, sem o trabalho, o nosso tempo seria livre. Contudo, entendemos que o tempo sem trabalho não corresponde mais ao “ócio”, até porque temos outras responsabilidades e obrigações conosco, inclusive exigências físicas. Você precisa comer, dormir. No mais, mesmo no que seria o “tempo fora do trabalho”, como em fins de semana, o trabalhador ainda pode se submeter a uma lógica laboral. Isso ocorre, por exemplo, quando ele é chamado para exercer alguma atividade, como um plantão, um bico, uma obrigação extra com o chefe, fora do que seria o seu tempo estabelecido para a ocupação remunerada.

O que é o ócio?

É um tempo sem atividade de trabalho, que está associado ao sentimento de prazer, lazer, realização. É o verdadeiro tempo livre. O tempo de deslocamento ao espaço laboral, por exemplo, não faz parte do ócio! Não é tempo de trabalho, mas também não é prazeroso. Nas grandes cidades, as pessoas levam horas para se deslocar de suas casas aos grandes centros, muitas vezes em condições de desconforto. Olhar para a paisagem fora da janela do ônibus pode ser entendido como ócio? Não, uma vez que aquela jornada é repetitiva e, muitas vezes, a rotina nos impede de sequer prestar atenção às ruas, calçadas, casas, lojas e pessoas. Até mesmo chegamos a decorar as nossas rotas, de modo a nos antecipar aos elementos que surgem à visão. Tem aquela praça que eu já vi tantas vezes que nem vou olhar mais. Isso não é prazeroso, é algo que você faz em função do trabalho.

Algumas pessoas costumam fazer uma associação, que pode ser errônea, entre o ócio e o desemprego...

São aspectos diferentes da vida. Uma coisa é o ócio, outra é o desemprego. Essa associação pode ocorrer, mas não corresponde à realidade. O tempo que as pessoas dedicam à família, aos amigos, ao lazer ⎼ isso é o ócio. O desempregado, por sua vez, tem muito tempo, mas o seu tempo não é de lazer. O tempo dessa pessoa serve para buscar alguma atividade que seja fonte de renda. Nesse sentido, a passagem do tempo e a percepção dele é diferente para o ocioso e para o desempregado. No passado da literatura se defendeu que o desempregado tinha todo o tempo do mundo para fazer o que bem quisesse, até mesmo com um sentido pejorativo de diminuição desse indivíduo. Hoje, entendemos que não é bem assim. Evidentemente, o tempo sem trabalho não corresponde ao tempo de ócio.

Esse senso comum de diminuição pejorativa do desempregado, ele ainda é muito percebido?

Creio que sim. No entanto, a criminalização do desemprego ainda exige novos estudos. Eu tenho a concepção de que o desempregado é a pessoa que não consegue encontrar emprego. Não significa que essas pessoas não queiram trabalhar. Contudo, fala-se o contrário, e isso vincula o desemprego ao crime ⎼ concepção diferente da minha.

Onde entram as políticas de transferência de renda no contexto de apoio a pessoas desempregadas ou em vulnerabilidade social?

Na Argentina, nós tivemos políticas que passaram por muitas transformações. Na década de 1990, tivemos um perfil de medidas do governo e depois vivemos sob o programa Chefas e Chefes do Lar Desempregados, no governo de Néstor Kirchner. Foi na segunda metade de última década que as medidas para transferência de renda no país se aproximaram mais do Bolsa Família, isso por volta de 2007. Anteriormente, o governo pedia ao beneficiário que retribuísse o benefício, trabalhando em uma organização civil como forma de contrapartida. Por exemplo, você poderia cozinhar em uma escola, poderia fazer trabalho social em uma creche, igreja etc. Entre a década de 1990 e o ano de 2007, a transferência de renda funcionou dessa forma em meu país. Depois, nos aproximamos mais do que ocorre no Brasil. No caso brasileiro, esse retorno não se dá com trabalho, mas mediante a comprovação de que as crianças estão vacinadas e estudando.

A vulnerabilidade social do desemprego fomenta a ocupação de postos em funções precárias?

As pessoas procuram emprego. Se o encontram com carteira assinada e direitos garantidos, melhor! Mas é necessário pagar aluguel, é necessário comer. Temos necessidades materiais e, por isso, quem está em situação de vulnerabilidade prioriza obter renda com qualquer tipo de atividade. No fim, importa ter um emprego...

Esse discurso de que “o indivíduo se adapta ao meio” não acaba balizando a manutenção de condições precárias de trabalho? Fala-se muito, por exemplo, em flexibilização e terceirização do trabalho...

A subcontratação e a flexibilização do trabalho são questões que atuam juntas. Entretanto, os processos dessa última são tendências que surgiram na Europa e nos Estados Unidos, ainda na década de 1970, e mais tarde chegaram à América Latina. Na Argentina, por exemplo, fala-se em terceirização desde os anos 1990. Aqui no Brasil, esse tema tem sido tratado com muita frequência no atual cenário de poder, mas já estava sob discussão no mesmo período em que chegou ao meu país.

Existe um front ideológico no incentivo à exploração da força de trabalho?
As novas formas de produção têm dado lugar a formas de individualização das condições de trabalho e das carreiras. A retribuição a uma série de atividades tem a ver com o alcance de algum resultado, com o construir de uma carreira pessoal na organização, tem a ver com receber uma retribuição ligada a determinado produto, serviço, objetivo alcançado. Portanto, isso supõe uma ruptura com os modos fordistas de trabalho e compensação. Isso está incluso nas transformações no mundo do trabalho, sobre as quais temos nos debruçado.

Fonte: Secom UFG

Categorias: Humanidades