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Universidade Federal de Goiás
Mulheres na Ciência

Ser mulher e fazer ciência

Em 25/01/19 11:50. Atualizada em 08/02/19 08:46.

Estereótipos e preconceitos são obstáculos da carreira científica

Reportagem: Michele Martins

Produção audiovisual: TV UFG

Podcast: Silvânia Lima (Rádio Universitária)

Fotos: Carlos Siqueira e Ana Fortunato

Edição: Carolina Melo

 

As mulheres sempre estiveram presentes na construção do conhecimento científico. No entanto, a falta de representantes femininas nas narrativas históricas sobre a ciência ilustra a realidade de enfrentamento daquelas que decidiram se enveredar para a carreira científica no Brasil e no mundo.

Subestimação de suas capacidades de estudos, apropriação indevida de dados de suas pesquisas e até mesmo o assédio moral e sexual estão entre os obstáculos que as mulheres cientistas acabam tendo, uma hora ou outra, que suplantar. A hegemonia masculina em determinadas áreas do conhecimento amplifica o cenário de adversidade. Para se ter ideia, até o século XIX ainda existiam barreiras institucionais que impediam as mulheres de entrar em universidades ou sociedades científicas.

Mulher cientistaEm foto emblemática, Marie Curie é a única mulher entre os 28 homens presentes na Conferência de Solvay, em 1927, na Bélgica, que reuniu os principais físicos e químicos do mundo (Foto: Divulgação)

No final do ano passado, o fato de uma mulher, a engenheira química estadunidense, Frances Arnold, conquistar o prêmio Nobel de Química teve amplo destaque na imprensa justamente porque ela foi a quinta mulher a ganhar este cobiçado reconhecimento. Um feito considerado extraordinário tendo em vista que, até 2017, somente 48 mulheres haviam conquistado prêmios Nobel desde 1901, o que representa 5% dos cientistas premiados. Marie Sklodowska Curie (1867 - 1934), por exemplo, que é uma das cientistas mais lembradas da história ocidental, foi a primeira mulher a ganhar dois Prêmios Nobel: um por suas descobertas na área de Física (1903) e outro em Química (1911).

 

Desafios e conquistas

Física de formação, a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Márcia Cristina Bernardes Barbosa, é membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e representou o Brasil na 1ª Conferência Internacional de Mulheres na Física, realizada em Paris, em 2002. Ao longo de sua carreira acadêmica na Física, uma das áreas onde a presença feminina é mais sub-representada, Márcia Barbosa sempre se incomodou com essa realidade. Defendendo que essa é uma grande questão a ser investigada, ela se dedicou a levantar as evidências que comprovem o cenário de exclusão das mulheres na ciência.

"Na medida em que avançam na carreira, da graduação ao doutorado, em todas as áreas acadêmicas, ocorre o fenômeno do sumiço das mulheres, conhecido como ‘efeito tesoura’. Esse é um fenômeno que ocorre no mundo inteiro. Mas, para mim, o escândalo é termos somente 25% de mulheres doutoras quando, na verdade, em uma sala de aula da graduação em Ciências Biológicas, por exemplo, temos mais de 60% de mulheres", afirmou a pesquisadora, que percorre o país ministrando palestras que chamam atenção para essa realidade.

Ao pontuar o cenário brasileiro, Márcia Barbosa analisou os dados da Academia Brasileira de Ciências e descobriu que o percentual de mulheres na ABC é de apenas 14%. E mesmo assim, “a Academia Brasileira de Ciências é uma das entidades que mais têm mulheres em comparação com as outras instituições semelhantes no mundo”, declarou.

A TV UFG aproveitou o Conpeex 2018 para também discutir o assunto. Reuniu Márcia Barbosa e a professora da UFG, Maria Clorinda Fioravanti, para o debate.

Márcia Barbosa esteve em 2018 na UFG durante o 15º Congresso de Pesquisa, Ensino e Extensão (Conpeex/UFG) e, junto com as pesquisadoras Celina Maria Turchi (Fiocruz-PE), Marina Fisher Nucci (Fiocruz-RJ) e Divina das Dores de Paula Cardoso (UFG), participou de uma das mais concorridas mesas-redondas cujo tema foi Mulheres na Ciência: gênero ou preconceito?. A sala de apoio do Centro de Eventos Prof. Ricardo Freua Bufaiçal ficou pequena para o numeroso público, que foi encaminhado ao palco principal do local.

 

 

Um novo fazer científico

Para Márcia Barbosa, o argumento de que o percentual de mulheres no topo da carreira científica é baixo porque elas têm filhos é uma afirmação duplamente preconceituosa, por se tratar de um estigma que persegue para além da fase reprodutiva das mulheres. "Como se a maternidade pudesse ocorrer em idades mais avançadas", afirmou. “Continuamos, ao longo da carreira e em todas as áreas do conhecimento, pagando pelo que não devia ser cobrado. Os estereótipos continuam na comunidade acadêmica e isso precisa mudar".

Márcia Cristina BarbosaMárcia Barbosa: "a família tem que ser melhor equacionada"

Em sua fala, ao longo do Conpeex, a pesquisadora relatou estudos sobre como os movimentos feministas têm atuado para mudar a realidade do meio acadêmico, a partir dos resgates históricos das mulheres na ciência. Nesse caminho, empresas estão se mobilizando para premiar trabalhos de destaque de mulheres, sociedades acadêmicas têm instituído grupos de diversidade. Entre as conquistas, Márcia Barbosa chama a atenção para a legalização da licença maternidade para bolsistas de pós-graduações do CNPq. Segundo ela, a questão da família tem de ser melhor equacionada e, ao citar a cientista Amélia Hamburger, afirmou, de forma descontraída: “ainda temos de incorporar os filhos ao lattes. ‘Filho é uma produção importante demais para não estar no currículo’”.

No campo das Ciências Sociais, a professora Marina Fisher Nucci, da Fiocruz (RJ),  têm estudado as questões entrelaçadas entre gênero, feminismo e gênero na ciência. Para ela, noções culturais e os estereótipos em relação aos homens e às mulheres permeiam o próprio conhecimento científico e até mesmo a forma como se fala sobre este conhecimento. Para ela, a partir da perspectiva da crítica feminista à ciência, para que haja uma maior inclusão das mulheres nas práticas científicas, é necessário uma mudança estrutural. “O próprio ideal científico de objetividade é considerado masculino e o seu oposto, a subjetividade, é substantivo feminino”, destacou a professora.

A exclusão histórica das mulheres na ciência e a reflexão sobre os ideais de cientificidade e de produtividade da ciência, que carregam valores essencialmente masculinos, são questões recorrentes que estimulam o estudo de Marina Nucci. “Levo em conta, por exemplo, os movimentos que têm destacado a importância do impacto da maternidade na carreira científica das mulheres. Esta é uma questão que precisa ser considerada a partir da estrutura da sociedade, na qual as mulheres são as principais responsáveis por esses tipos de cuidados nas famílias. Muitos dos homens cientistas, que passam horas consecutivas em seus laboratórios, possuem mulheres em suas casas responsáveis pelos afazeres domésticos”, afirmou a professora.

 

Maternidade e carreira acadêmica

A professora de Geologia da UFG, Gradisca Werneck, contou ao quadro Vida no Câmpus da TV UFG a sua rotina ao conciliar a academia e a maternidade. E falou sobre como se tornar mãe transformou o seu olhar científico sobre o mundo.

 

Pesquisadoras no front da ciência

Nos anos de 2015 e 2016, o Brasil viveu um drama de saúde pública: a epidemia do vírus Zika, que resultou na declaração oficial de Situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional. Um fenômeno que, sobretudo, marcou a vida de centenas de mulheres, principalmente da região Nordeste do país, com a confirmação de mais de dois mil casos de crianças recém-nascidas com microcefalia em consequência do surto. Uma das equipes que esteve à frente das principais descobertas para a caracterização da epidemia foi justamente comandada por uma mulher: A pesquisadora Celina Maria Turchi, egressa da UFG e que atualmente coordena Grupo de Pesquisa de Epidemia da Microcefalia, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz-PE).

Celina TurchiCelina Turchi foi considerada uma das cientistas mais importantes de 2016 pela revista Nature 

Por seu trabalho científico sobre a epidemia de Zika, ela recebeu a nominação da revista Nature como uma das 10 cientistas mais importantes de 2016 e da revista Time dentre as 100 pessoas mais influentes de 2017. Como inspiração para as futuras pesquisadoras, durante o Conpeex 2018 realizado na UFG, Celina Turchi relatou sua experiência à frente dessa recente epidemia que já é considerada um marco na história da Medicina no Brasil. Para a pesquisadora, apesar de haverem conquistas femininas em todas as áreas da ciência, ainda existem barreiras, entre elas, a dificuldade nas oportunidades que surgem para as pesquisadoras e a falta de representatividade das mulheres na ciência. “Creio que devemos olhar com bastante cuidado sobre a equidade de gênero. Não é apenas uma questão de tempo e lugar. Para que ocorra a paridade de gênero, é preciso sim de mudanças de práticas institucionais”, defendeu.

 

As mulheres na UFG

Na Universidade Federal de Goiás, o número de docentes com doutorado atuantes na instituição é de 2073, sendo que desse total 995 são do sexo feminino e 1078 do sexo masculino. Mas uma dado positivo é que, na história da Administração Superior da instituição, várias mulheres já ocuparam espaços de poder, ou seja, cargos de diretoras de unidades, pró-reitoras e reitoras. Por exemplo, as professoras Maria do Rosário Cassimiro (1982-1986) e Milca Severino Pereira em duas gestões (1998 - 2002/2002 – 2006) foram reitoras da instituição. Atualmente a professora Sandramara Matia Chaves é a vice-reitora.

Dados computados pela diretora da Escola de Veterinária e Zootecnia (EVZ) da UFG, Maria Clorinda Soares Fioravanti, até o final do ano de 2017, mostram que a Universidade possui 147 bolsas de Produtividade em Pesquisa (PQ) e 16 bolsas de Produtividade em Desenvolvimento Tecnológico e Extensão Inovadora (DT), concedidas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Deste total, 60 bolsas de PQ são destinadas às mulheres pesquisadoras e apenas três professoras possuem bolsas do tipo DT.

Maria Clorinda é otimista em relação ao crescimento do número de pesquisadoras na UFG. “Uma questão é o fator tempo. Se observamos o mestrado, temos mais mulheres com o título do que homens. Quando observamos os dados sobre doutorados, é o contrário: há mais homens, mas com uma diferença mínima. Daqui a algum tempo teremos mais mulheres doutoras do que homens”, acredita a diretora.

Maria Clorinda Soares FioravantiMaria Clorinda Fioravanti: "daqui a algum tempo teremos mais mulheres doutoras do que homens”

A professora destacou o relatório Gender in the Global Research Landscape, de 2017, que analisou nos últimos 20 anos, a partir de uma lente de gênero, a característica das pesquisas de 12 países em 27 áreas de estudo. De acordo com o documento, Brasil e Portugal estão entre os países que mais possuem uma mulher como autora de trabalho científico. Por outro lado, o país mais desigual é o Japão. “Analisando os dados da UFG, por exemplo, não encontramos grande diferença na produtividade de homens e mulheres”.

Em âmbito nacional, há outra realidade em relação aos espaços de poder. “Se olharmos para o CNPQ, nunca houve uma mulher na direção. Na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) a presença é majoritariamente de homens, apenas duas mulheres chegaram na direção. Aí sim, acredito que o grande desafio das mulheres será o de ocupar estes espaços de poder da ciência”.

 

Espaços de poder em disputa

Os desafios da discriminação de gênero no âmbito da Ciência, ilustrados especialmente pela baixa ocupação das mulheres em cargos de confiança e de liderança, foram discutidos pelas professoras e pesquisadoras da UFG na Rádio Universitária. A docente da Faculdade de Farmácia e doutora em Toxologia, Marize Campos Valadares, a professora do Instituto de Química, coordenadora do Centro Regional para o Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (CRTI) da UFG, Cecília Maria Alves de Oliveira, e a docente da Faculdade de Letras e presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), Zaíra Turchi, relataram os enfrentamentos cotidianos de quem é mulher e faz ciência no seu meio de trabalho.

 

Sementes de transformação

Quando se trata de mulheres negras, a falta de representatividade dessas mulheres na ciência se agrava. Nesse sentido, o projeto Investiga Menina da UFG tem apresentado uma outra perspectiva sobre a construção do conhecimento e vem incentivando meninas negras a trilharem um caminho por meio da produção de ciências.

De acordo com a professora do Instituto de Química da UFG, Anna Maria Canavarro Benite, o projeto tem apresentando para garotas do ensino básico “trajetórias de produções científicas africanas e da diáspora, e discutindo a construção da subalternidade, o que contribui para desmistificar as Ciências como uma atividade unicamente masculina, branca, europeia e de laboratório”.

Identidade visual Investiga Menina

O projeto é uma parceria do movimento Grupo de Mulheres Negras Dandara no Cerrado, do Laboratório de Pesquisas em Educação Química e Inclusão da UFG, do Coletivo Negr@ Ciata do Instituto de Química da UFG e do colégio participante. Os resultados até o momento são muito positivos. A iniciativa já registrou no ano de 2018 a participação de 600 pessoas, em sua maioria mulheres negras.

Anna Benite explicou que O Investiga Menina se interessa por estudos de planejamento, design e desenvolvimento de intervenções pedagógicas (IPs) no ensino de Química, que aproximem as/os estudantes da escola básica das práticas científicas. As atividades buscam atender à Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio.

Fonte: Secom/UFG

Categorias: Especial Institucional