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Universidade Federal de Goiás
Simpósio mulheres

Participação de mulheres em cargos políticos ainda é pequena

Em 27/09/19 19:27. Atualizada em 30/09/19 16:13.

Segundo vice-reitora da UFG, Sandramara Matias Chaves, cenário é reflexo das desigualdades regionais, econômicas e raciais

 

Gustavo Motta

De acordo com o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres correspondem a 51% da população brasileira, enquanto o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aponta que 52% do eleitorado nacional é feminino. Ou seja, o Brasil conta com 77 milhões de mulheres aptas a exercer o voto - realidade que contrasta com a baixa participação nos processos eleitorais, e com o número ainda menor das que conseguem vencer disputas e alcançar cargos eleitos.

Conforme o TSE, nas eleições municipais de 2016, as mulheres corresponderam a 32% das candidaturas - percentual que se manteve nas disputas estaduais e federal de 2018. Para se ter uma noção de como o alcance feminino aos cargos públicos ainda é baixo, dentre os últimos 5.557 brasileiros eleitos ao cargo de prefeito, apenas 641 eram mulheres. Com aproximações, é possível dizer que para cada mulher eleita a esse cargo, foram escolhidos oito homens. Já em 2018, entre os 1.711 cargos eleitos, 290 foram ocupados por mulheres - o que significa que para cada mulher, foram eleitos cerca de seis homens.

Essa situação coloca o Brasil entre um dos países com menor participação feminina na política institucional. Conforme um ranking realizado pela Inter-Parliamentary Union, uma organização sediada na Suíça, o país aparece na 134ª posição em um total de 192, sendo essa a segunda pior colocação sulamericana - o Paraguai aparece em 136º. O ranking é mensal, e coloca o Brasil atrás de países notadamente conhecidos por graves históricos em desigualdade de gênero, como o Djibuti, onde garotas ainda sofrem com a violência da mutilação genital, e que ocupa o 63º lugar. O ranking é liderado pela Ruanda, país africano que ocupa a primeira posição, sendo seguida respectivamente por Cuba e Bolívia.

Embora medidas políticas tenham sido tomadas com objetivo de reverter esse quadro, como a instituição de cotas para mulheres em 30% das candidaturas, a vice-reitora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Sandramara Matias Chaves, acredita que esse problema tem origens complexas, que exigem olhar para outras disparidades, além das de gênero. “Isso é reflexo de nossas desigualdades regionais, econômicas e raciais”, apontou, em um pronunciamento que ocorreu durante a segunda edição do Simpósio “A importância da mulher na construção de um parlamento democrático”, no Centro Cultural Oscar Niemeyer em Goiânia.

O evento reuniu representantes de entidades sociais, como a Universidade Federal de Goiás (UFG), Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás) e Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) na manhã e tarde da última quinta-feira (26). O encontro foi promovido com o objetivo de discutir a participação feminina no legislativo brasileiro e pensar soluções para a desigualdade de gênero na política institucional. “O desafio atual é aprimorar os mecanismos já existentes para garantir que mulheres sejam eleitas e tenham presença efetiva no parlamento”, destacou Sandramara.

Simpósio mulheres
Mulheres defendem o aprimoramento dos mecanismos eleitorais para o aumento da participação feminina (Fotos: Ana Fortunato)

Entre as medidas já existentes, consta a cota de 30%, que foi estabelecida com a Lei 9.504/1997, intitulada “Lei das Eleições”. Em seu artigo 10, inciso II, o texto afirma que “cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”, sendo que os sexos (destacados no próprio texto de lei em itálico) se referem aos gêneros masculino e feminino. Considerando que as coligações estarão extintas em 2020 após a aprovação da Emenda Constitucional 97/2017, o percentual será aplicado ao número de candidaturas em cada partido.

O emprego dessas cotas ocorre em candidaturas a cargos legislativos - deputado federal, estadual ou distrital, e vereador. No entanto, embora a legislação garanta participação nos processos eleitorais, a primeira vez em que o número de candidaturas femininas chegou a 30% do total foi nas eleições de 2012. Além disso, o número de pedidos de candidaturas que são consideradas inaptas tem sido um entrave ao acesso das mulheres à política institucional. Apenas em 2018, entre 9.206 solicitações femininas, 764 foram recusadas pelo TSE, sendo que o principal motivo é a não apresentação de documentos exigidos ou o não preenchimento de todos os requisitos que constam na legislação eleitoral.

Já entre as candidaturas que são aprovadas, existem as chamadas “de fachada” ou "laranjas", que são cadastradas apenas para preencher o percentual mínimo de 30% exigido em lei. O senador Luiz do Carmo (MDB/GO), idealizador do simpósio citado anteriormente, denunciou que “as verbas do fundo de campanha para essas candidaturas são desviadas para políticos homens que estão em pleito, ou seja, existem partidos que colocam mulheres como candidatas apenas para fingir que se importam com essa questão, ao mesmo tempo em que conseguem mais dinheiro para campanhas corruptas que sejam de seu interesse”. O TSE aponta que apenas em 2016, haviam 16.131 candidatos laranjas - sendo 14.417 mulheres, que não receberam nenhum voto.

O que se pode fazer?

“Os 30% de cotas foram um passo muito importante, mas ainda não resolveram essa desigualdade porque, embora defendam a participação de mulheres em partidos políticos, não garantem que elas sejam eleitas”, lamentou Sandramara. No sentido de tentar solucionar esse problema, foi apresentado o Projeto de Lei (PL) 2.235/2019, que estabelece o mínimo de 30% das cadeiras legislativas - ocupadas por deputados federais, estaduais ou distritais, além de vereadores - para “cada um dos sexos". Ou seja, se aprovado, prevê que ao menos 30% das vagas legislativas serão para mulheres e 30% para homens, enquanto as demais 40% serão distribuídas conforme regimento do processo eleitoral comum. O projeto ainda propõe reservar, quando ocorrer renovação de dois terços no Senado Federal, que metade das vagas sejam para mulheres.

Simpósio mulheres
Sandramara destaca que mecanismos existentes ainda não resolvem o problema da desigualdade na política

Ao contrário dos mandatos para outros cargos, o exercício das atividades de um senador eleito tem duração de 8 anos, sendo que a casa legislativa possui 81 cadeiras. Assim, para que vagas no Senado sejam colocadas à disposição do eleitorado a cada quatro anos, existem dois tipos numéricos de eleições para senador: um terço (para preenchimento de 27 vagas) e dois terços (54 vagas), que se alternam. As últimas eleições, por exemplo, elegeram 54 senadores e, por isso, os brasileiros retornarão às urnas para eleger outros 27 em 2022. Sendo assim, caso seja aprovado, o PL 2.235/2019 prevê 30% de mulheres eleitas em todas as casas legislativas do país - em esfera municipal, estadual e nacional - e também prevê que sejam eleitas ao mínimo 27 senadoras em 2026, quando ocorrerá a próxima renovação de dois terços.

O PL, de autoria do senador Luiz do Carmo, está em tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal desde abril e está submetido a uma Consulta Pública Online com pouca adesão - até o fechamento dessa matéria, foram recolhidos 33 votos favoráveis contra cinco contrários ao projeto.

Onde estamos?

A Pró-Reitora de Extensão e Apoio Estudantil da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás), Márcia de Alencar Santana, foi uma das convidadas do Simpósio “A importância da mulher na construção de um parlamento democrático” e destacou a necessidade de mulheres votarem em outras mulheres. “O Congresso precisa ser uma representação da população brasileira, na qual nós somos maioria, e isso será possível apenas por meio de uma educação que vise formar uma consciência para nos emancipar democraticamente”, pontuou.

Nesse sentido, a participante apontou a discrepância que existe entre a participação feminina na política institucional e a presença das mulheres na população - inclusive nas atividades políticas que não são institucionais. Historicamente, o Brasil contou com o protagonismo de mulheres em movimentos de luta pela equidade de gênero e por justiça social, como Patrícia Galvão, conhecida sob o pseudônimo Pagu, que foi jornalista e opositora do Estado Novo, e Tuíra Kayapó, mulher indígena que foi importante no movimento de resistência à construção da Usina de Belo Monte, em Altamira, no Pará. “Do céu, só a chuva - o resto, apenas pela luta”,  concluiu a convidada, conclamando os presentes a pensar medidas para o aumento do protagonismo da mulher na política e repensar as relações institucionais de gênero que ocorrem no cenário do poder público.

Márcia de Alencar Santana
Mulheres que representam universidades goianas: da esquerda à direita, Márcia de Alencar Santana (PUC-Goiás) e Sandramara Matias Chaves (UFG)

Embora ainda seja necessário aprimorar os mecanismos existentes e criar novos para um maior alcance feminino aos cargos eleitos, o TSE registrou um aumento na presença de mulheres na Câmara dos Deputados, onde o número feminino aumentou de 51 para 77 - um aumento de 51%, embora o percentual entre os 513 deputados seja de apenas 15%. Apesar disso, Maranhão, Sergipe e Amazonas não elegeram parlamentares para a Câmara, enquanto Goiás reelegeu duas candidatas - Magda Mofatto (PR) e Flavia Morais (PDT) entre 17 deputados federais.

Já no Senado, nenhuma mulher foi eleita em 20 estados, inclusive Goiás, enquanto Bahia, Acre e Tocantins nem mesmo tiveram candidatas. Ao todo, sete mulheres venceram eleições ao cargo de senadora, o mesmo número de 2010, quando ocorreu outra renovação de dois terços. As senadoras representam 13% do total em uma casa legislativa que não contava com banheiro feminino em seu plenário até 2016 - 37 anos após a primeira senadora brasileira, Eunice Michiles, então suplente de João Bosco de Lima, assumir o cargo em decorrência de morte do titular. Até a construção do sanitário, as mulheres presentes eram obrigadas a se retirar do Senado para utilizar o banheiro de um restaurante anexo ao espaço.

Entre deputadas estaduais ou distritais, Mato Grosso do Sul não elegeu nenhuma mulher. Apesar disso, a participação feminina nesse cargo registrou um aumento de 35% em comparação a 2014. Ao todo, foram eleitas 161 deputadas, um crescimento positivo, embora as mulheres ainda sejam considerável minoria - em um total de 1.059 deputados, com seis homens para cada mulher. Em Goiás, foram eleitos 41, sendo que apenas duas são mulheres - Lêda Borges (PSDB) e Adriana Accorsi (PT), que ganharam por reeleição.

Goiás

Adriana Accorsi, presente no simpósio, destacou a importância da preservação e da luta para se ampliar a presença de mulheres na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego). “No passado, chegamos a ter sete deputadas, mas hoje somos apenas duas”, lamentou. Para a parlamentar, é importante a presença de mulheres no parlamento para se pensar políticas públicas direcionadas ao combate à violência de gênero, especialmente “em um estado tão violento quanto o nosso, o segundo em casos de feminicídio”.

Segundo o Panorama da Violência Contra as Mulheres no Brasil, publicado pelo Observatório da Mulher contra a Violência do Senado Federal e referente a 2014, o estado fica atrás apenas de Roraima em mortes de mulheres, com 8,4 vítimas a cada 100 mil pessoas do gênero feminino. Já a Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP/GO) registrou 31 casos de feminicídio em 2017 e 38 no ano seguinte - um crescimento de 22%. Nesse sentido, existe um Projeto de Lei em andamento, que visa a proteção de mulheres contra assédio em bares e restaurantes, que está paralisado na Comissão de Constituição e Justiça da Alego.

Outro projeto do qual a parlamentar é responsável, prevê que as empresas negociadoras de produtos e serviços com o governo estadual reservem 5% em suas vagas de emprego para mulheres que foram vítimas de violência. “Temos lutado também para que homens condenados por violência doméstica sejam impedidos de assumir cargos públicos no estado”, destacou a parlamentar.

Fonte: Secom UFG

Categorias: Humanidades