Pesquisa da UFG descobre como economizar 75% de energia em celulares e TVs
Relevância do estudo foi reconhecida por uma das mais conceituadas publicações científicas, a Journal of the American of Chemical Society (JACS), criada em 1879
Versanna Carvalho
Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) descobriu que um composto químico a base de pequenas moléculas ligadas ao elemento químico cádmio (Cd) pode aumentar de 20% para 75,4% a eficiência de telas de celulares, notebooks, computadores, televisores e lâmpadas, fabricadas a partir de dispositivos emissores de luz conhecidos como OLEDs (abreviatura do termo em inglês organic light emitting diodes). Resultado muito acima do que o obtido com o nitreto de gálio e índio (InGaN) nas telas de LED e, mais recentemente, de compostos a base de irídio nas telas de OLEDs, que são atualmente mais utilizados pela indústria. O principal ganho da inovação proposta pela pesquisa da UFG é um expressivo aumento da geração de economia no consumo da bateria ou da rede elétrica.
Para os cientistas envolvidos na pesquisa, o feito pode revolucionar a tecnologia de LEDs e OLEDs do mercado. Isso se deve ao fato de que, atualmente, os LEDs e Oleds de nitreto de gálio possuem circuitos integrados, os chips, que emitem luz com eficiência quântica de no máximo 20%. O que significa que se passarem 100 watts (W) de energia vindo da bateria de um celular, 20W vão ser convertidos em luz. Os outros 80W vão ser perdidos na forma de calor. “Se o nosso material parar em um LED de celular, por exemplo, dos 100W que vierem da bateria, 75,4 W serão convertidos em luz e só 24,6W serão perdidos em calor”, avalia o professor do Instituto de Química (IQ) da UFG, Felipe Terra Martins.
Ou seja, haverá uma economia da energia elétrica de cerca de 75%, com impacto direto na redução de gastos com rede elétrica e baterias e na sustentabilidade ambiental. Com relação aos compostos a base de irídio (Ir), utilizados na fabricação de OLEDs, o material descoberto apresenta outra vantagem: sua síntese é cerca de dez vezes mais barata por dispensar o uso do irídio, um metal raro, cuja disponibilidade é limitada e que está cada vez menor devido aos seus principais estoques serem encontrados em sedimentos da era cretácea.
Professor Felipe Terra, do Instituto de Química da UFG (Fotos: Pedro Gabriel)
Doutorado
A pesquisa faz parte da tese de doutorado de José Antônio do Nascimento Neto, que foi orientado pelo professor Felipe Terra. De início, para definir o planejamento da pesquisa, o docente se baseou em trabalho do qual participou como convidado sobre o preparo de cristais orgânicos para utilização em óptica não linear. Essa parceria resultou em um artigo em uma revista científica.
Desde aquela época, Felipe Terra começou a ver potencial para fazer modificações na estrutura molecular com a finalidade de melhorar a eficiência dessa propriedade em óptica não linear. O projeto foi passado para o doutorando José Antônio, que começou a desenvolvê-lo. “Só que a ciência é muito dinâmica e o projeto, que era bem ambicioso do ponto de vista de química estrutural, falhou. Depois de dois anos, não conseguimos obter os cristais orgânicos que planejamos”, comenta Felipe.
Física de materiais
Para dar prosseguimento ao trabalho do então doutorando, os cristais que foram alcançados, mas não satisfaziam ao planejamento inicial, foram levados para a caracterização da fotoluminescência, no Laboratório de Física de Materiais, do Instituto de Física (IF), coordenado pelos professores Lauro Maia e Jesiel Carvalho.
Foi quando os pesquisadores foram positivamente surpreendidos com os resultados obtidos. “Essa descoberta foi extremamente importante. Tanto do ponto de vista tecnológico quanto de pesquisa básica fundamental, pois conseguimos encontrar um composto que é produzido com baixíssimo custo, que possui um rendimento quântico extremamente alto, sendo um complexo que tem um metal coordenado com alguns ligantes orgânicos”, avalia Lauro Maia.
O físico ressalta que a relevância deste estudo não se limita apenas aos pesquisadores, “mas também para a área de luminescência e compostos que sejam luminescentes inclusive com alto potencial de aplicação tecnológica”.
Próximos passos
O professor Felipe Terra comenta que, por hora, essa conversão de luz é a partir de luz ultravioleta. “A diferença energética da luz ultravioleta para a luz visível é a mesma da corrente elétrica para a luz visível, mas ainda, temos como perspectiva fazer o que é chamado de eletroluminescência, para concluir esse potencial de aplicação tecnológica”, declara sobre os próximos passos da pesquisa.
Os pesquisadores Felipe Terra e Lauro Maia também estão buscando caminhos para estabelecer novas parcerias para dar continuidade e avançar no desenvolvimento do material.
“Por isto temos a ideia de fazer eletroluminescência, incorporar esse composto em algum polímero, por exemplo e isto está em progresso e nós pretendemos continuar colaborando”, observa Lauro Maia. “Tanto é que algumas medidas de emissão de luz e reflectância serão realizadas no nosso grupo Física de materiais”, complementa.
Publicação de artigo na JACS reforça relevância da pesquisa
O estudo resultou em um artigo intitulado A Blue-Light-Emitting Cadmium Coordination Polymer with 75.4% Photoluminescence Quantum Yield, que em português pode ser traduzido como “Um polímero de coordenação do cádmio emissor de luz azul com rendimento quântico em fotoluminescência de 75,4%”. O trabalho foi selecionado como matéria de capa na revista semanal Journal of the American of Chemical Society (JACS). Uma publicação de 140 anos de existência, que está entre as mais conceituadas revistas científicas do mundo.
Além do mérito de emplacar um artigo em uma publicação de prestígio internacional, o grupo de pesquisa se destaca também por ser totalmente composto por pesquisadores brasileiros, vinculados à Universidade Federal de Goiás (UFG), como estudantes de doutorado e professores. Os autores são José Antônio do Nascimento Neto, Ana Karoline Silva Mendanha Valdo e Cameron Capeletti da Silva, que defenderam o doutorado em Química na UFG há cerca de um ano; Freddy Fernandes Guimarães e Luiz Henrique Keng Queiroz Júnior, professores do Instituto de Química (IQ); Lauro June Queiroz Maia e Ricardo Costa de Santana, professores do Instituto de Física (IF); e Felipe Terra Martins, professor do IQ que orientou os trabalhos.
100% brasileiro
Dadas as condições da ciência, tecnologia e inovação no Brasil, que recebem cada vez menos apoio, emplacar um artigo em uma revista do porte de uma JACS não é algo simples. "Esta é, provavelmente, a única capa com 100% autores brasileiros da JACS. Principalmente agora com a política de internacionalização da pesquisa no Brasil", ressalta Felipe Terra.
O professor Felipe explica que, em número de citações absoluto, só existem três revistas que estão a frente da JACS. "A Nature, a Science e o PNAS [Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America], que são de cunhos totalmente gerais, e que figuram entre os cinco periódicos mais importantes do mundo, tranquilamente".
Fator de impacto
O fator de impacto (FI) é uma das principais métricas adotadas para mensurar o número de citações de revistas científicas em outras publicações de cunho científico. Em se tratando da JACS, o FI da JACS é 14.357, 533 mil citações no total. "A Nature, que tem o maior fator de impacto de todas, tem 700 mil. Mais de 500 mil citações só tem essas quatro revistas [Nature, Science, PNAS, e JACS] e realmente só publicamos lá por causa desse potencial do cádmio de ser um dispositivo emissor de luz", observa.
Outro ponto que mostra o interesse na descoberta foi a quantidade de downloads. Em menos de 30 dias foram feitos 1.745 downloads. “Na revista não são likes, são downloads feitos por cientistas”, enfatiza Terra.
José Antônio do Nascimento defendeu sua tese de doutorado em maio deste ano
Primeiro autor do artigo da JACS enfrenta descaso com a ciência brasileira
O cientista José Antônio do Nascimento Neto, primeiro autor do artigo da revista JACS, defendeu em maio deste ano a tese de doutorado – intitulada Estudo da competição entre os ligantes acetato e 1,4 diazinas: diversidade estrutural e obtenção de complexos fluorescentes – que deu origem ao artigo da revista JACS.
Mesmo tendo no currículo o feito de uma publicação de fator de impacto elevado, José Antônio acha complicado falar em perspectivas para o futuro. “Por enquanto estou vendo as possibilidades de continuar na pesquisa, mas ainda sem algo definido”, afirma.
Modesto, ele afirma que a descoberta da qual faz parte tem um misto de sorte com persistência para fazer muitas amostras. Segundo José Antônio, já havia a percepção de que as amostras analisadas tinham algum potencial. “Mas não esperávamos obter um material com tanta luminescência. No final das contas foi um acaso muito agradável”, conclui.
Fonte: Secom UFG
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